Uma mente sem lembranças

Você Era Meu Sol

Eu deverias ter ido atrás dela, mas não fui, fiquei ali parada no meio da sala, sem saber o que fazer, me sentia como se estivesse parcialmente anestesiada, eu via, ouvia, sabia onde estava, mas não conseguia me mexer e nem sabia para onde ir. Todos esses problemas me pesavam de tal maneira que nem chorar eu conseguia, as vezes choramos e isso alivia, mas eu não tinha lágrimas, sentia uma dor profunda na alma, mas até minhas lágrimas pareciam estar fugindo de mim.

Uma chuva leve começa a cair lá fora, fico imaginando que isso é uma forma das nuvens chorarem e sinto inveja. Para onde Wendy iria com essa chuva, e se estivesse com frio, com fome? Eu não fazia ideia de onde ir procura-la.

Fiquei andando de um lado para outro da casa, escureceu e nem me lembrei de acender as luzes, deitei no chão da sala e passei o tempo olhando o teto, até começar a cochilar.

Acordei com o barulho de alguém batendo de leve na porta. Corri abrir e lá estava Wendy, parada na soleira da porta toda molhada de chuva, já não tinha mais aquele olhar homicida, mas sim um olhar triste.

___ Entra, entra, vem trocar essa roupa molhada.

Ela se deixa levar por mim, mas não diz nada, nesse últimos tempos aprendi que era melhor não forçar uma conversa, só piorava as coisas. Ao invés de ir para quarto trocar a roupa ela foi mais uma vez até a sacada e ficou parada na beirada.

Juro que eu tinha muito medo que ela simplesmente resolvesse pular dali, mas não deixei transparecer ou pelo menos tentei, a chuva batia ao lado da sacada e fazia respingos finíssimos caírem onde estávamos, eu sentia frio, mas me sentei em uma das cadeiras e fiquei ali com ela.

____ Wendy, como o porteiro te deixou entrar, ele nunca deixar ninguém subir sem me interfonar.

___ Eu não sai do prédio, subi pela escada de emergência até o telhado, só queria ficar um pouco sozinha e longe de você.

___ Você me odeia né?

Fico esperando a resposta enquanto ela olha a chuva e a cidade adormecida. Passaram se só alguns segundos, mas para mim foi como um ano.

___ Não te odeio, senti uma raiva muito grande por ter me escondido isso, mas eu me lembro de tudo que fez por mim lá e tudo que faz agora, se não fosse por você eu teria enlouquecido naquele lugar, teria feito o mesmo que os outros dois, você manteve minha sanidade, me manteve viva e me tirou de lá.

___ Me sentia muito mal por te ver lá.

___ Eu sei, vi você chorando atrás daquele espelho que tinha no quarto.

___ Você podia me ver?

___ Não com tanta clareza, mas podia sim, via o doutor e o Kaio também, mas você parecia ser a única a se importava, achei que fosse porque tinha pena de mim, agora sei a verdade. Sei que não devia ter saído daquele jeito, foi cruel com você, mas sou descontrolada, tive medo de te machucar.

___ Tudo bem Wendy, agradeço por ter voltado.

___ Melhor você entrar, esta tremendo de frio e pode se resfriar.

___ Quero ficar aqui com você. Sabia que esse era seu lugar favorito aqui do meu apartamento? Varias vezes, quando passava a noite aqui comigo, acordava bem cedo e vinha para a sacada ver o sol nascer, eu vinha junto.

___ Você também gostava de olhar o sol nascendo?

___ Eu gostava de olhar você. Quando o sol batia nos seus olhos e faziam eles brilharem, quando o vento soprava seus cabelos e faziam com que você parecesse um anjo ou algum ser etéreo, quando os raios de sol tocava seu corpo, você sorria. Enquanto você admirava o sol, eu te admirava, você era o meu sol.

Ela não disse mais nada, eu fiquei me lembrando desses dias passados e o quanto eu era feliz e não dei valor. Finalmente ela resolve entrar, estava indo para o quarto onde dormia quando se voltou e eu fui pega de surpresa pela sua pergunta.

___ Se você gostava tanto assim de mim, por que me traiu?

___ Eu estava insegura, você vivia com aquele maldito notebook no colo e sempre que eu chegava perto ele era fechado, fiquei imaginando o que teria ali para não me deixar ver, só poderia ser algum amor do passado, comecei a pensar eu era um passatempo para você.

___ Fiquei com você por dois anos. Acha que alguém fica tudo isso só por passatempo? Pegasse aquele notebook e olhasse o que tinha ali. Deixa isso para lá, não quero mais discutir isso agora, preciso dormir e você também. Boa noite Giulia.

Fui para meu quarto e me enfiei debaixo das cobertas eu estava gelada e tremendo, confrontar a verdade era difícil. Tentei pegar no sono ouvindo a chuva cair lá fora. Passou mais ou menos uma meia hora e Wendy bateu na porta do meu quarto.

___ Oi. Aconteceu algo?

___ Não estou bem.

___ O que foi? O que está sentindo?

___ Não é nada físico, só não queria ficar só, sei que não tenho direito de pedir isso, mas posso ficar aqui com você essa noite?

___ Claro que pode. Vem deita aqui.

Silencio no quarto, só o barulho da chuva caindo lá fora, meu sono tinha ido paras cucuias e eu sabia que ela também não estava dormindo.

___ Queria te pedir desculpas, Giulia, eu não levei em conta o quando deve ter sofrido com tudo isso, só pensei em mim.

___ Tudo bem, você tem toda razão de me odiar.

___ Não odeio. Só não sei o que sinto, não posso ser sua namorada como antes, eu ainda nem sei lidar com todos esse sentimentos.

___Mas podemos ser amigas e vou sempre te ajudar. Uma hora tudo isso vai passar e você vai ter que construir uma vida, e eu vou estar do seu lado para te apoiar.

___ Obrigada Giulia.

Ela vira e fica deitada de frente para mim e sem que esperasse me da um beijo de leve na boca, mas tão maravilhoso que vou até as nuvens.

___ Boa noite Giula.

___ Boa noite Wendy.