Uma mente sem lembranças

Liberdade e Imaturidade

Finalmente faltavam só dois meses para terminar o ensine médio, o fim de um ciclo e começo de um novo, a saída da adolescência para o começo de uma vida adulta e cheia de responsabilidades. Eu quase acreditei nisso tudo, ainda levou um bom para eu " crescer e virar adulta", por mais mimado que possa parecer eu não trabalhava e não trabalharia durante a faculdade, mais alguns anos sento sustentada pelo papai.

Então me lembrei, ainda não havia dito que não seria advogada. Será que eu teria minha mesada cortada? Isso não importava tanto, ainda tio Klaus com toda a grana para me ajudar se fosse necessário.

Não tinha mais como adiar, precisava fazer a inscrição para o vestibular, meu pai me pressionava para estudar na mesma faculdade que ele, meu tio me aborrecia dizendo que tinha que contar logo sobre Medicina. Resolvi fazer as coisas do jeito " Giulia Schneider", jogar a bomba e esperar o circo pegar fogo.

Estávamos jantando, eu, meu pai e minha mãe e mais uma vez ele me perguntou se já havia feito a inscrição para o vestibular de Direito e se precisava de ajuda em algo.

___ Já fiz a inscrição para o vestibular, mas não vou estudar Direito. Vou fazer Medicina.

Silêncio total na mesa, os dois param de comer e ficaram me olhando como se eu tivesse dito que tinha visto chupa cabra e E.T. de Varginha passeando de mãos dadas.

___ O que você disse?

___ Que não vou fazer Direito, quero ser médica, já fiz a inscrição.

___Mas de onde você tirou essa ideia? Você nunca se interessou por Medicina.

___ Pai, talvez seja você que nunca tenha notado meu interesse ou parado para me perguntar o que eu queria, é isso que quero, espero que você entenda.

___ Nada que eu diga vai fazer mudar de ideia?

__ Não vai, pai.

___ Mesmo se eu disser que me recuso a te sustentar?

___ Eu arrumo um jeito, mas não vou mudar de ideia.

___ Podemos fazer um acordo, você tira um ano de folga, viaja pela Europa, Estados Unidos, onde quiser, eu banco tudo e então quando voltar pensa no que quer.

___ Agradeço, mas ao invés de gastar seu dinheiro inutilmente com isso, porque não vou mudar de ideia, me ajude nas despesas da faculdade.

Não achei que precisasse de tanto drama assim, mas respeitei o momento dele, o choque, imagina como foi perceber que princesinha dele não iria trabalhar junto na firma e queria sair da redoma criada por ele.

___ Ok Giulia, se isso que quer, não apoio, mas também não vou te virar as costas. Boa sorte com o que você decidiu.

Se as coisas com meus pais já não eram calorosas antes disso, depois esfriaram de vez, meu pai antes vivia me falando do escritório, de julgamentos e casos, isso parecia ser a única coisa que tínhamos em comum ou ele achava que tínhamos.

Isso só fez com me aproximasse ainda mais do tio Klaus, agora eu já nem escondia quando sai com ele para algum lugar, conversamos tanto sobre tantas coisas, contei a ele sobre minha atração por garotas e o fato de estar confusa sobre isso, achei que levaria um sermão ou sei lá, ele me criticaria ou falaria que era só uma fase, mas ao contrario disso me deu apoio.

___ Giu, nós somos muito mais que um corpo, somos mais que animais, seres complexos que se apaixonam, diferente de animais que acasalam por instinto, nós amamos ou deveríamos amar sem restrições, ser o que se quer, ficar com quem se gosta, sem se preocupar com a opinião alheia.

Era estranho ver meu tio falando de amor, ele nunca havia se casado e em todos esse anos nunca o vi envolvido com ninguém, nem mulher e nem homem, ele se dedicava exclusivamente a sua clínica e as suas pesquisas, como um padre se dedica a religião. a ciência era sua fé. Eu não me imaginava sendo tão radical assim, queria sim ser uma boa médica, mas também queria um amor, alguém para quem me entregar e amar, queria me divertir.

Os meses antes do vestibular foram corridos demais, muita matéria para recordar, o colégio estava focado nisso, e eu mais ainda, chegava a estudar quase 8 horas por dia, então caia desmaiada de canseira na cama.

Um dia antes da prova, estava tão nervosa que imaginei que teria um colapso ou que me daria um branco e não saberia responder nada.

Secretamente eu sei que meus pais torciam para que eu não passasse, e então mudasse e voltasse para o caminho que eles haviam escolhido para mim. Mais uma vez eu frustrei seus planos, passei na USP e na UNICAMP, um feito e tanto, meu nome ia ser colocado lá no mural do colégio junto com de outros alunos " ilustres" que haviam se dado bem no vestibular daquele ano, adoram uma propaganda.

Decidi estudar na UNICAMP, porque mudaria de cidade, passaria a morar sozinha em Campinas, finalmente a doce liberdade de ir e vir sem dar satisfação de nada. Liberdade de adulto com imaturidade de adolescente, o paraíso.

A única coisa chata nisso tudo era ter que me afastar de tio Klaus, mas era por poucos anos, assim que me formasse iria trabalhar com ele, ou era o que imaginava na época.