Levei meu tio até a antiga chácara que era dos meus avós, fazia tempo que ninguém ia ali, e uma vez por mês uma firma fazia uma limpeza geral, tanto na casa quanto no quintal, cada filho recebeu uma chave, meu pai havia dado a sua para mim, achei que era um bom lugar para ficar até que ele acordasse.
Eu estava em cacos, mas tinha providências à tomar. Klaus era um homem pesado, foi com muito esforço que consegui arrastar ele até a sala, deixei que ficasse deitado no tapete mesmo, eu não tinha músculos suficientes para colocar ele nem no sofá, imagine ter que subir uma escada para coloca-lo na cama, sem chances. Me deitei ali na sala também, fiquei olhando o teto, Eu queria chorar, gritar, me bater, mas não conseguia, eu estava vazia, até minhas lágrimas haviam me abandonado.
De tempos em tempos eu checava a pulsação de tio Klaus, estava se normalizando, ficando mais forte, era uma questão tempo até ele acordar, pelo menos era o que pensava, procurei algo para comer, não tinha fome, mas me forcei assim mesmo, só havia algumas latas de sopa pronta, era intragável, mas tinha que servir.
Ele acordou somente na tarde seguinte, eu já estava ficando agoniada com tanta demora. Como previsto ele não me reconheceu, na verdade ele nem falava, mas conseguia entender mais ou menos o que eu dizia. Como eu era médica a coisa foi mais simples, eu já sabia que Wendy destruiria o anexo, então levei Klaus até um hospital psiquiátrico particular, disse que ele tinha surtado, raspado o cabelo e quebrado parte de sua clínica e agora não se lembrava de nada, consegui uma internação com um amigo, depois liguei para meu pai contando a mesma história, ele se prontificou em pagar as contas da clinica onde seu irmão ficaria.
O dia foi todo corrido, que mal tive tempo de pensar em minha dor, mas quando cheguei em casa e lembrei que nunca mais veria Wendy e o quanto ela me odiava, eu desabei, minhas lágrimas correram soltas por um bom tempo até que acabei dormindo..
Nos dias seguintes ainda tinham algumas pendências para resolver, coloquei o imóvel onde era a clínica para vender, eu até poderia trabalhar ali, mas eram muitas as lembranças, eu iria continuar a trabalhar como médica, mas não ali, nunca mais.
Me dei uma folga antes de voltar ao trabalho, nessa horas o dinheiro ajuda muito, eu tinha uma boa reserva por conta da herança dos meus avós, então podia me dar ao luxo de ficar parada sem passar necessidades. Achei que um mês seria tempo suficiente, não para esquecer tudo, mas para colocar minha vida em uma rotina, sempre fui assim, quando a dor me atingia, a rotina era meu remédio, sempre havia funcionado, eu esperava que dessa vez também desse certo.
Mas não deu, quanto mais o tempo passava, mais eu sentia falta de Wendy, tinha dias que a dor era tão forte que parecia física. Eu tinha conseguido um emprego em um hospital, fazia consultas como neurologista e pegava todo tipo de plantão que aparecia pela frente, chegava a fazer turnos de até 48 horas em finais de semana, isso mantinha minha mente ocupada, mas as vezes eu precisava parar, e nessa horas ociosas eu sofria como nunca havia sofrido antes em toda minha vida.
Tentei sair algumas vezes com uns colegas do hospital, mas vi que também não ia funcionar, meu corpo estava ali, mas meus pensamentos vagam para longe, procuravam por Wendy, então desisti de sair com eles.
Nos primeiros meses fiquei esperando alguma noticia de Wendy, um telefonema, uma mensagem de celular, uma carta, até um sinal de fumaça estava valendo, mas nada chegou. Eu me perguntava onde ela estaria, quando um dia estava fazendo meu plantão no pronto socorro do hospital, eu olhava a ficha de um paciente quando o noticiário que passava na TV chamou minha atenção.
Era uma noticia do Pará, o tal Marreta que estava respondendo a um processo por assassinato em liberdade, havia cometido suicido, o que chamava mais atenção era que seus dois comparsas havia sido assassinados na cadeia, então a apresentadora foi discorrendo sobre o caso, eu já não prestava mais atenção, agora ao menos eu sabia onde Wendy estava, acertando as contas do sei passado, mesmo que ele já não existisse em sua mente, nesse momento eu queria que ela ainda tivesse raiva de mim, que viesse acertas as contas comigo também, só para poder vê-la mais uma vez.
Depois disso, não soube mais nada, o tempo foi passando e eu simplesmente perdi a esperança de um dia poder reencontra-la, o vazio que eu sentia foi ficando pior, resolvi encher ele com bebida, não era uma boa ideia, mas era o que me restava. Diminui um pouco meus plantões e aos sábados saia para beber até quase cair. Essa passou a ser a minha nova rotina.
Um ano havia passado, e como de costume eu estava ali no mesmo bar de sempre, tomando a mesma vodca, sentada na cadeira em frente ao balcão, então alguém sentou do meu lado e ficou me encarando, eu não estava afim de conversas, mas quando olhei para o moça sentanda ao meu lado, meu coração deu um salto.
Eu ainda estava no primeiro copo, era impossível estar tendo algum tipo de alucinação etílica né? Eu já havia tido várias, mas nunca antes do quarto copo.
___Wendy?
Ela me olhava com um misto de reprovação e curiosidade. Seu cabelo agora estava mais comprido, bem abaixo do ombro, mas ela ainda mantinha o tom castanho claro original. Como estava linda, muito mais linda do que eu me lembrava.
__ Ola Giulia, que coincidência te encontrar aqui. Como vai?
Porra, como vai? Eu quis dizer, acho que estou morrendo, ficando louca ou vendo algum fantasma, mas não disse nada disso.
___ Achei que estivesse no Pará.
___ Ah! Assistiu ao telejornal né?
___ Foi mesmo você?
___ Sim, eu devia isso a minha família, não me olhe assim, não me arrependo, ele não valia nada, e ficaria solto para matar mais gente, quanto aos amiguinhos dele, só paguei para que alguém lá dentro da prisão fizesse o serviço.
Um ano sem se ver e eu não acreditava que estávamos conversando sobre isso, quando na verdade eu queria poder lhe dar ao menos um abraço, mas não tive coragem. Será que ele havia ficado sem sentimentos como meu tio imaginava? Afinal falou tudo com tanta frieza
___ Faz tempo que está na cidade? Vai ficar por aqui?
___ Três meses, vou ficar sim até arrumei um emprego.
Três meses e ela nem se deu ao trabalho de me procurar, aquilo doeu demais, queria poder dizer isso também, mas acabei engolindo.
___ Que bom, trabalha com que?
Ela pega um cartão na bolsa e me entrega. Eu olho e não consigo conter um leve sorriso, era mesma a sua cara.
___ Tatuadora?
___ Pois é. Acho levo mesmo jeito para coisa, então caso tenha algum amigo que queira uma tatuagem, meu estúdio é novo, preciso de clientes.
___ Eu aviso.
___Bom, eu vou indo nessa, vê se não bebe muito.
Não tive tempo de falar mais nada, ela já tinha se encaminhado para fora, só então me dei conta de como meu coração batia desesperado, tão forte, quase saindo pela minha boca para ir correndo atrás dela.
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Uma mente sem lembranças
General FictionO que você faria se todas as suas lembranças fossem apagadas? Meu nome é Giulia Schneider, minha vida sempre foi cheia de reviravoltas, mas nenhuma tão radical como quando, conheci Wendy Alba ou quando a matei. Se tiver paciência para me acompanhar...