Não sei como descrever os dois dias seguintes ao acontecido, era como se eu não fosse mais eu, como se minha vida pertencesse a outra pessoas, não era eu que estava passando por aquilo, não podia ser, boa parte disso se devia ao fato de meu tio ter me dopado com calmantes para poder controlar meus nervos. Fiquei ali no anexo da clinica com tio Klaus por dois dias seguidos, eu sei que devia ter ligado para policia, ter cuidado de tudo com relação a Wendy, mas eu não conseguia, eu não conseguia nem chorar, minha ficha ainda não tinha caído 100%, deixei que ele cuidasse de tudo.
Quando o efeito dos calmantes começaram a passar, eu ficava me perguntando quanto de culpa eu tinha no acontecido, muita muita culpa. Se eu não tivesse ido atrás dela, se não tivesse insistido para ela ir embora comigo, ou não tivesse bebido, até mesmo se eu tivesse consertado meu cinto de segurança, nada disso teria acontecido. Então a conclusão era óbvia, eu tinha matado Wendy, e nada poderia mudar isso ou amenizar a culpa que sentia.
Dormi esses dois dias em um quartinho no anexo, meu tio não saia de lá também e tinha mais motivos do que o simples fato de eu estar mal para caramba com tudo. Kaio, o enfermeiro que trabalhava lá com tio Klaus me levava comida, que eu nem tocava, eu só ficava deitada enquanto as cenas do acidente e da morte de Wendy se repetiam sem parar na minha cabeça como um replay macabro sem direito ao pause.
Eu via mais o Kaio, meu tio aparecia durante alguns minutos só para saber como eu estava, ele não podia me dar muita atenção, tinha uma cobaia nova, que ele chamava de Drei, e estava animado com aquilo e também jurou que essa seria sua ultima tentativa.
Sentei na cama, ainda zonza demais, mas precisava me levantar, tomar um banho, comer algo e ajudar ele a cuidar de Drei. Ainda não sabia se teria condições psicológicas para cuidar de alguém além de mim, mas infelizmente a vida não ia parar porque eu estava sofrendo, o mundo continuava a girar mesmo que eu estivesse despedaçada, na verdade ninguém se importava, talvez meu tio se importasse um pouco, mas também não tinha tanta certeza assim.
Tomei um banho e coloquei uma roupa dessas que os pacientes usavam para fazer exames na clinica, era o que tinha no jeito, e eu nem importava com aquilo, fui até o cozinha e Kaio me preparou um café com torradas, meu estômago quis botar tudo para fora assim que acabei de comer, mas me forcei a não vomitar, eu precisava das minhas forças de volta.
Encontrei meu tio concentrado mexendo em alguns arquivos no computador.
___ Oi Tio.
Ele levantou a cabeça para me olhar preocupado.
___ Como você está?
___ Péssima.Como vai Drei?
___ Ainda não acordou, esta demorando mais que os outros dois.
___ Posso olhar?
___ Giu, não acho que você esteja em condições de ver isso nesse momento.
___ Estou bem.
Ele assentiu com a cabeça, mas não me seguiu quando fui até o vidro espelhado que me permitia ver Drei. Minha pernas deram uma baqueada, achei que ia cair assim que olhei pelo, meu tio tinha razão, eu não estava preparada para ver aquilo.
Drei estava careca como Eins e Zwein, deitada na cama hospitalar, aparelhos medindo seus batimentos cardíacos, o rosto sereno, dormindo, a pele clara sem nenhuma marca ou cicatriz, nada, me fizeram lembrar de Alice, tão linda, parecia um anjo. Drei também parecia um anjo, senti uma vontade imensa de entrar na sala e tocar seu rosto, sua cabeça, implorar para que acordasse. Mas eu sabia que tio Klaus não me deixaria entrar, não nesse momento. Senti a mão dele no meu ombro.
___ É melhor você ir para casa descansar.
___ Posso entrar?
___ Você sabe que não.
___ Por que não acorda?
___Não sei, mas vamos esperar.
___ Só vou embora quando Drei acordar.
___ Espero que não tenha esquecido o que combinamos.
___ Não esqueci tio.
Como eu poderia esquecer, depois do acidente eu não podia deixar as coisas daquele jeito, eu não suportava o fato de ter perdido Wendy e ainda ter sido a culpada por tudo, eu devia ter chamado a policia, mas chamei meu tio e fiz minha escolha, agora tenho minhas duvidas se foi acertada. Eu entreguei Wendy para tio Klaus, eu implorei para que ele a colocasse na maquina e trouxesse de volta, aceitei suas condições, eu transformei Wendy em Drei.
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Uma mente sem lembranças
General FictionO que você faria se todas as suas lembranças fossem apagadas? Meu nome é Giulia Schneider, minha vida sempre foi cheia de reviravoltas, mas nenhuma tão radical como quando, conheci Wendy Alba ou quando a matei. Se tiver paciência para me acompanhar...