Zwei

264 35 5
                                    

Um mês longe dela só me fez ter mais certeza ainda do que eu queria. Prometi a mim mesma que iria tentar maneirar nas minhas desconfianças e ciúmes, afinal se fosse o contrario eu também ia ficar puta com as desconfianças e chiliques constantes.

Dessa vez fui eu que acordou mais cedo, Wendy ainda dormia, e eu teria que fazer uma cirurgia pela manhã, não sou muito boa na cozinha mas consegui deixar um café da manhã decente ali para ela e também fiz um bilhetinho, desenhei um sol e uma flor bem infantil, porque meu nível de desenho não ia muito além disso.

Sempre fico tensa quando tenho que operar alguém, ainda mais quando a pessoa é tão jovem e me lembra Alice, mas hoje incrivelmente eu estava bem mais calma. Wendy era meu Rivotril.

Como era meu dia de folga nas consultas do hospital e eu não tinha nada para fazer na parte da tarde, fui ver meu tio. Não estranhei quando perguntei a secretaria e ela me disse que ele estava no anexo desde cedo, ele vinha dispensando pacientes.

Fui até lá e ele mexia em alguma coisa no computador, estava bem animado, eu queria tanto sentir a mesma animação que ele, mas algo dentro de mim, minha intuição me barrava de sentir assim

___Oi tio. Como vai tudo por aqui?

___Ótimo!! Zwei esta indo bem, melhor do que eu imaginava depois do fracasso de Eisn.

___Zwei? Esse é nome que deu à ele?

___ Sim, de agora em diante ele é Zwei, você não gosta quando chamo eles de cobaias.

Meu tio parecia bem disposto a seguir com os números em alemão para dar nomes, eu sinceramente esperava que o coisa toda parasse no Zwein ( dois). Não sei se teria estômago para mais números.

Ele me mostrava um EEG no computador. Consegui ver que estavam bem alterados, os neurônios de Zwein estavam doidos, não sei como ele se mantinham tão parado e calmo, sua atividade cerebral era intensa e assustadora, mas meu tio achava isso normal e fascinante e eu tentava entender como alguém conseguia viver com aquele caos dentro da cabeça.

___ É fantástico. Não acha?

___ Não sei. Esse exame parece muito alterado.

___ Mas isso que é o lado fantástico. Se continuar assim logo a mente dele vai ser tipo um super computador.

___ Ainda não sei como isso vai ajudar a curar pessoas.

___ Vamos chegar lá Giu, só tenha calma. Ok?

Fui dar um olhado em Zwei. Ao contrario do que os exames indicavam, ele estava lá parado, olhando para nada, quando deveria estar tendo algum tipo de crise convulsiva.

Aquela calma era assustadora, porque eu sabia que não era algo natural. Bem, um cara morrer e voltar vida depois de choques em áreas do seu cérebro também não era natural, então quem sabe o que viria a seguir. Meu tio me observava.

___ Quer entrar para falar com ele?

___ Ele fala? Eins não falava nada.

___ Pouca coisa, mas talvez ver alguém jovem e bonita ajude.

Achei que não haveria nenhum mal em tentar, se bem que eu não concordasse com a parte do " bonita". Coloquei o avental e toca de proteção, luvas e entrei.

Ele pareceu nem me notar, ainda olhava para algum canto da parede, tentei ver o que ele via, mas não havia nada lá além de tinta branca com a qual a parede ehavia sido pintada. Fui me aproximando um pouco mais. Meu tio e o enfermeiro ficaram parados na porta sem entrar.

___ Olá Zwei. Como se sente?

Nenhuma resposta. Olhei para meu tio de forma interrogativa e ele fez sinal para que eu tentasse mais uma vez me comunicar.

___ Zwei, sou a doutora Giulia. Consegue me entender? Consegue falar comigo?

Então ele me olhou e aquilo me deixou gelada, um medo tomou conta de mim, eu não saberia explicar o porque, era algo visceral, primitivo, aquele medo que se sente sem ao certo saber o motivo, mas naquele momento eu temia Zwei.

Eu não ficaria mais nem um segundo ali, fui me virar para sair quando ele correu para cima de mim, agarrou meu pescoço e começou a me estrangular.

Ouvi meu tio gritar algo,mas a dor era tão lancinante que não conseguia prestar atenção a nada, tentei chutar ou arranha-lo, mas nada parecia fazer efeito, Zwei ia quebrar o meu pescoço. O ar começou a faltar e eu sentia pontos negros brilhantes começarem a surgir no canto do meus olhos, então ele desabou desacordado em cima de mim.

Meu tio me olhava preocupado, enquanto o enfermeiro aplicava um segunda dose de "sossega leão" em Zwei.

___Giu. fala comigo.

___ Cacete, o que foi isso?

___Não sei, ele parecia tão tranquilo, não deixaria você entrar ali se soubesse que havia risco.

Me levantei ainda zonza com tudo aquilo, meus olhos ardiam, parecia que as mãos dele ainda estavam ao redor do meu pescoço, eu só queria sair dali e nunca mais voltar, para mim aquilo já tinha passado de todos meus limites, tio Klaus que levasse essas suas loucuras sozinho.

___ Na verdade tio, a gente não sabe de porra nenhuma, não sabe de nada. Eu não quero mais isso, estou saindo do seu projeto.

___ Calma, foi só um imprevisto.

___ A droga de um imprevisto que quase me matou. Desculpa, eu não vou contar para ninguém o que você faz aqui, mas estou fora.

___ Se mudar de ideia...

___ Não vou mudar.

Sai sem me despedir, não queria mais saber de maquinas doidas, de mortos psicopatas, de nada mais relacionado a aquele lugar. Achei que nunca mais voltaria a entrar ali, mas a vida nos prega umas peças estranhas, e eu voltei, não de imediato, mas voltei.






Uma mente sem lembrançasOnde histórias criam vida. Descubra agora