Uma mente sem lembranças

A Sacada

___É ali que você mora?

___Sim.

___ Por que estamos paradas aqui fora?

Eu havia indo buscar Drei no hotel bem cedinho, parei o carro em frente ao condomínio e fiquei olhando.

___ Precaução.

___Hum!

O único lugar em que alguém poderia me vigiar seria ali no portão da frente, havia muros altos com cerca elétrica cercando tudo, ninguém entrava sem autorização do porteiro, nem mesmo para entregas, dessa forma a parte de dentro tinha menos câmeras, nos prédios só havia câmeras na garagem, o que dava mais privacidade, valia cada centavo pago. Achei que já havia esperado tempo suficiente.

___ Acho que já podemos entrar, mas antes...

Tirei da minha mochila uma peruca loira e dei a Drei.

___ Quer eu coloque isso??

___Se alguém te ver entrar, vai se lembrar de uma loira de cabelo longo, desculpa, como eu disse, precauções.

Ajudei ela ajeitar a peruca, havia mesmo ficando bem diferente, nem parecia a mesma pessoa.

___ Você pensa em tudo né?

___Preciso te proteger, não quero cometer nenhum erro, estou tentando cobrir todos os flancos, desculpe se parece exagerado demais.

___ Não parece, acho bom que alguém consiga pensar de forma racional aqui, porque eu ainda estou bem perdida.

___Ah! Só mais mais uma coisa, pode ir para o banco de trás de se abaixar até que gente passar o portão?

Ela revira os olhos, mas pula para o banco de trás e se abaixa o mais que pode.

___Huunf,,,agora achei exagero, mas tudo bem.

Passei tranquilamente pelo portão, falei com o guarda na entrada, e deixei Drei em frente ao meu prédio, enquanto ia até a garagem guardar meu carro, não queria que ela fosse pega pelas câmeras de lá. acho que vinha fazendo tudo certo, e assim que subimos e entramos no meu apartamento consegui relaxar um pouco, não estava tranquila, mas podia respirar mais calmamente.

___ Caramba! É lindo aqui. Olha essa vista.

O primeiro lugar que ela olhou foi a sacada, era mesmo lindo ali e dava vista para o por do sol e as luzes da cidade a noite pareciam pequenas estrelas num céu sem nuvens, era o lugar favorito de Wendy, então de me dei conta de como ia ser com ela ali, cada passo, cada coisa que fizesse ia me lembrar de como Wendy fazia, e isso doeu demais, fiz força para não chorar e não demonstrar o que sentia.

___ É bonito mesmo, agora vem cá, esse é meu quarto, pode ficar com ele e eu fico no quarto de hospedes.

___ Claro que não, a casa é sua, e segundo, não preciso de um quarto tão grande, nem roupa eu tenho para guardar, estou a dois dias com essa roupa aqui.

Como fui relapsa, eu pensei em tudo, e me esqueci completamente que ela precisaria de roupas limpas, eu aqui me achando a mestre dos planos.

___ Mas que droga, eu me esqueci disso, poxa me desculpa. Minhas roupas servem em você, vamos escolher uma e você toma um banho e troca essa ai, amanhã dou um jeito de comprar algo.

___ Comprar roupas pode chamar atenção, posso ficar com as que você não usa.

___ Tem certeza?

___Lógico, não vejo problema nenhum nisso. Agora posso apreciar mais um pouco a vista.

___ Pode sim, vai adorar isso ai a noite.

___ Não posso esperar para ver.

Preparei um almoço e então precisa sair para pegar minhas coisas na clinica, arrumar um outro lugar e avisar meus pacientes, cada vez mais minguados, não posso culpar ninguém por preferir um medico mais responsável e disponível, eu estava um relaxo e não ia voltar a atender ninguém por um bom tempo, mas precisava de uma sala pra deixar minhas coisas, talvez até desse sorte e descobrisse o que meu tio andava fazendo.

Foi um almoço simples, salada de tomates, arroz, feijão e purê de batatas, não sou nenhuma masterchef, mas ficou comestível.

____ Preciso sair para resolver algumas coisas, se importa de ficar sozinha um pouco?

___ Tudo bem, posso ver sua TV?

___ Pode, fica a vontade, TV, música, o que quiser.

Enquanto dirigia pelas ruas movimentadas da cidade me pus a lembrar do dia em que o policial havia me procurado, não recebi mais nenhuma visita, nenhuma noticia, Wendy havia sumido e por não ser alguém rico ou importante o mais provável é que o caso tenha sido arquivado ou deixado de lado. No Brasil as coisas são assim se você não tiver cacife, não tem importância para as autoridades.

Eu deveria sentir tristeza e revolta, mas senti alivio, porque nesse caso especifico, quanto menos gente atrás dela, melhor.