A claridade do sol da manhã entrava meio difusa pelas frestas da janela ainda fechadas do quarto. Estendi a mão para tocar Wendy, não encontrei, mas percebi pelo calor que ainda vinha do lençol, que ela havia levantado a poucos minutos. Me levantei também e me deparei com ela sentada no sofá com a cabeça entres as mãos, corri imaginando que ela estivesse sentindo algo, ou que nova cobaia do meu tio houvesse invadido sua mente outra vez.
___ Wendy, o que foi?
___ Bom dia Giulia. Parece que está virando um habito dormir com você.
___Sabe que não importo. Bom dia para você também.
Meu coração ainda batia acelerado por conta do susto, e tentei acalmar minha respiração, não queria que ela notasse o quanto eu havia ficando assustada, mas ela sempre notava.
___ Te assustei né?! Me desculpa.
Tentei até fazer uma piada para descontrair um pouco a minha tensão, mas eu sempre falo bobagem quando fico em pânico.
___Um pouco só, pensei que fosse aquele lance de invasão de privacidade em nível mental.
Notei quando sua testa se vincou e o maxilar ficar cerrado.
___ Você não acredita em mim? Acha que não existe outro, que aquilo tudo foi só um pesadelo.
___ Não é isso, eu acredito, é que levei um baita susto quando te vi assim, e assustei justamente por acreditar. Fiz uma piada infeliz para tentar disfarçar.
___ Tudo bem, o que preciso fazer agora é parar de enrolar e tentar ver se também consigo me conectar com ele.
Sei que ideia de tentar isso foi minha, mas na hora eu não estava pensando muito bem, principalmente nos riscos. Que tipo reação isso poderia provocar em Wendy? E se ela forçasse demais a mente e isso acabasse lhe fazendo mal?
___ Talvez não seja uma boa ideia.
___ Você não pode mais entrar lá para ver se tem ou não outra pessoa, é o único jeito que tenho de confirmar e tentar me proteger, não sei bem como, mas preciso fazer isso e longe de você.
Ela era bem teimosa, isso não havia mudado com a perda da memória, eu não conseguiria fazer com que mudasse de ideia, ela ia tentar, mas não me agradava saber que faria isso longe de mim, caso precisasse de algo ou passasse mal eu estaria longe e não chegaria a tempo para ajudar, pior ainda eu nem saberia se ela estivesse precisando de ajuda.
___ Pode até tentar, mas não longe de mim, vou ficar junto com você o tempo todo.
___ Claro que não, se ele for mais forte e te ver? Não posso arriscar isso.
Eu também sabia ser teimosa quando era preciso.
___ Já te disse que meu tio não vai reconhecer esse quarto, caso esse Quatro entre na sua mente, e eu vou ficar aqui do lado de fora, assim vou saber se precisar de algo.
___ Mano, você deve ser a pessoa mais teimosa do mundo.
___ Mano? Nossa, agora notei que anda assistindo muita TV mesmo, já está até com gírias.
O pequeno sorriso que ela deu fez boa parte da minha angustia se encolher, enquanto eu pudesse manter ela assim, tudo fazia sentindo, eu tinha esperanças que tudo ficasse bem, seu sorriso era minha luz no fim de túnel negro.
___ Ok doutora, você venceu, e confesso que me sinto mais segura sabendo que está por perto, mas não entre no quarto sem que te chame. Combinado?
___ Te dou duas horas, depois disso entro. Combinado?
Ela revira os olhos, mas eu não ia abrir mão de minha posição e ela entendeu isso.
___Tudo bem, teimosa.
___ Eu me preocupo com você, sei que pareço bem chata por causa disso, mas não vou deixar que se arrisque tanto. Vamos tomar um café antes de você tentar.
Wendy quase não comeu nada, o que era bem preocupante, considerando a forma como ela vinha se alimentando ultimamente.
___ Vai comer só isso?
___ Ahãm.
___ Tem certeza que quer mesmo fazer isso?
___ Droga Giulia, para de me perguntar, ou vou acabar desistindo mesmo.
Ficamos paradas na porta do seu quarto por alguns minutos, agora foi a vez dela tentar acalmar a respiração. Inspirou e expirou várias vezes.
___ Bom vamos lá.
Quando ela disse isso, senti que meu café da manhã talvez não quisesse se manter no meu estômago por muito mais tempo. Engoli em seco e fiquei esperando ela entrar e fechar porta, mas ela me surpreendeu, antes de entrar se voltou e me deu abraço, um daqueles abraços apertados que até parecem uma despedida, e eu queria que durasse para sempre.
___ Vai dar tudo certo Wendy, me chame se precisar.
Vejo ela fazer um aceno com cabeça, entrar no quarto e fechar a porta, então olho a hora no meu celular, 09:15, eu esperaria duas horas e se ela não saísse, eu entraria ali, enquanto isso eu não me moveria da frente dessa porta por nada nesse mundo. Sentei no chão e fiquei esperando e olhando para o relógio a cada cinco minutos.
A hora custou a passar, mas o prazo que eu havia estipulado chegou ao fim, duas horas exatamente, eu não iria esperar nem um minuto mais. Abri a porta devagar e entrei, me deparei com Wendy sentada na cama, olhos vidrados olhando para frente, mas havia algo diferente, ela parecia não ver nada, estava em algum tipo de transe.
Cheguei mais perto e pude ver um fino fio de sangue saindo do seu nariz, aquilo era tudo que podia suportar, comecei a chamar seu nome, como ela não parecia me ouvir, resolvi começar a sacudir seu corpo, primeiro com delicadeza e depois de forma mais brusca, até que ela pareceu acordar e me ver.
___Sou eu Wendy.
___ Ele existe Giulia, não era só um pesadelo, e agora ele sabe que posso entrar em sua mente também, é era isso que seu tio queria, não foi mesmo uma boa ideia, minha conexão com Quatro não pode mais ser quebrada. Agora só existe um jeito de parar isso.
Sim, eu sabia, não dava mais para adiar, era preciso acabar com tudo, meu tio, a maquina, e agora o Quatro. Eu já havia imaginado um jeito de entrar no anexo de surpresa, só ia precisa de mais uns poucos dias, eu esperava ter mais um poucos dias, antes que Quatro deixasse Wendy doida invadindo sua mente ou descobrindo onde ela estava.
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Uma mente sem lembranças
Ficción GeneralO que você faria se todas as suas lembranças fossem apagadas? Meu nome é Giulia Schneider, minha vida sempre foi cheia de reviravoltas, mas nenhuma tão radical como quando, conheci Wendy Alba ou quando a matei. Se tiver paciência para me acompanhar...