Como a maioria das pessoas, a adolescência foi uma fase turbulenta para mim. Eu vivia em pé de guerra com meus pais, qualquer coisa era motivo para alguma briga monumental, e tão egoísta como só uma adolescente consegue ser, eu sempre me achava com a razão, era sempre a injustiçada.
Se eu gastasse o dinheiro do meu lanche em jogos ou em revistas idiotas, quando tomava uma bronca por conta disso, o motivo parecia sempre óbvio, meus pais eram chatos e implicantes. Tudo isso me fazia sentir mais prazer ainda em sair escondido com tio Klaus. Mas o pior de tudo talvez tenha sido a fato de meus pais se importarem com bobagens, como o dinheiro do lanche e menos com meu psicológico. Por que nunca perguntavam como eu estava? Como eram meus amigos? Como eu estava me saindo no colégio?
Só o meu boletim com boas notas parecia ser o suficiente para pensarem que o colégio era o paraíso para mim. E não era. Meus avós e meus tios também poderiam ter dado uma forcinha com aquelas perguntas que quase todas as tias fazem: Querida e os namoradinhos?( quem nunca?). Mas nem nisso a minha família era normal. Era glacial demais. Dai consegue -se entender porque me apeguei tanto a tio Klaus, ele era a brasa da família, o mais intenso de todos, o que falava apaixonadamente sobre seu trabalho ou sobre uma obra de arte. A coisa com meu tio não se resumia só a medicina, ele me levava para ver quadros, comprar livros, ou só para jogar conversa fora, mas nem ele me perguntava sobre minha vida amorosa. E eu sentia muita falta de ter com quem conversa sobre isso.
Uma garota nova veio estudar no mesmo colégio e acabou caindo na minha sala. Ela não parecia ter muita facilidade em fazer amizades, ficou ali isolada quase uma semana sem falar com ninguém. Um dia por sorte ou azar, tivemos que fazer um trabalho em dupla sobre a Segunda Guerra Mundial, foi quando começamos a conversar e nos tornamos amigas, olha só a ironia, um dos maiores massacres da humanidade me fez ser amiga de Louise.
Eu nunca tive uma melhor amiga antes disso, e foi um choque do nada me tornar tão intima de alguém. Louise e eu vivíamos grudadas, várias vezes fui até a casa dela e ela até a minha. Ela passou a me contar sobre sua vida, como havia sido traumático mudar do Rio de Janeiro para nossa cidade e deixar todos seus amigos para trás. Passou a me contar também sobre os garotos com quem havia ficado ou por quem estava interessada ali no colégio.
Estranhamente quando ela tocava no assunto " garotos " uma parte minha sentia um desconforto, bem, nesse caso acho que desconforto era um eufemismo para ciúmes.
Percebi em pânico que sentia ciúmes de Louise, que o fato dela querer ficar com algum garoto me deixava com raiva, mau humorada, nossa, eu tinha vontade de explodir e quebrar a cara de qualquer menino que chegasse perto dela.
Eu devia ser muito boa disfarçando isso ou ela era tapada demais para notar. Mas mesmo alguém tão obtusa quanto Louise começou a perceber que eu nunca falava sobre garotos.
___ Mas Giulia, você não tá afim de ninguém? Não quer ficar com ninguém?
Eu queria, queria desesperadamente ficar com ela, aquela boca e aquele sorriso já tinham me tirado o sono durante muitas noites. Eu estava apaixonada por ela, e não podia dizer nada. Como ela ia aceitar aquilo se nem mesmo eu aceitava. Me apaixonar pela melhor amiga era tipo a coisa mais errada do mundo, ainda quis me enganar e pensar que estava confundindo os sentimentos, mas não adiantava tapar o sol com peneira.
Para piorar um pouco mais a situação, eu já tinha 16 anos e nunca havia beijando ninguém, sim eu era uma BV de 16 anos provavelmente a única do colégio, o cumulo da lerdeza. Mas o que eu podia fazer? Ninguém nunca havia chamado minha atenção ou despertado minha vontade, até eu conhecer Louise, mas ela estava fora de cogitação.
Mas uma vez eu tive umas das minhas " ideias brilhantes". Comecei a falar para Louise sobre garotos ( imaginários ) com quem eu havia ficado, falei sobre vários garotos diferentes, ora do condomínio onde eu morava, ora um primo distante ou alguém que fiquei numa festa, me sentia uma pegadora, mentia sobre isso com tanta convicção que até eu mesma chegava a acreditar que era verdade. Mas isso não bastou, afinal quando eu quero me foder, tem que ser bem fodido mesmo e claro que eu tinha que acrescentar algo mais aquela historia toda. Então inventei que estava afim de um dos garotos da nossa sala. Você que esta ai lendo, se algum dia tentar fazer uma idiotice dessa, lembre de eu te dar uns tapas.
O nome dele era Ricardo, ele não tinha nada além do nome que me atraísse, não sei dizer o motivo, mas esse nome eu achava atraente e foi só por esse motivo que disse que estava interessada nele, tinha que escolher alguém. Quando eu estava com Louise, para dar mais ênfase as minhas mentiras eu ficava olhando o Ricardo.
Como era de se esperar, isso só podia acabar em merda. Um belo dia o amigo de Ricardo chamou Louise para sair.
___ Ah só vou se o Ricardo for com a Giulia.
Senti meu coração parar de bater por um segundo. Ah isso não ia prestar. Tentei me livrar da coisa, mas não deu certo.
___ Não, vão só vocês dois. Não quero ficar de vela.
___ Claro que não boba, essa é sua chance de ficar com o Ricardo.
___ Não acho que seja uma boa ideia, ele nem está afim de mim.
___ Deixa de drama Giulia. Vamos sim. Sábado a noite no shopping.
Infelizmente eu não tive como fugir do encontro.
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Uma mente sem lembranças
Fiction généraleO que você faria se todas as suas lembranças fossem apagadas? Meu nome é Giulia Schneider, minha vida sempre foi cheia de reviravoltas, mas nenhuma tão radical como quando, conheci Wendy Alba ou quando a matei. Se tiver paciência para me acompanhar...