Capítulo onze - Ataque duplo (Parte 8)

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                Aquela falta de notícias a agoniava mais do que qualquer coisa. Quando Mau dissera que retornaria o contato para explicar o ocorrido, ela de fato não acreditou que isso ocorreria em um curto espaço de tempo, mas também não imaginava que fossem passar tantas horas sem um retorno. Aquilo apenas dava a ela mais certeza de que algo muito grave havia acontecido. E quanto mais pensava nas hipóteses, maior era a agonia que crescia em seu peito.

Entretanto, Anne sabia que aquele não era o momento para isso. Tinha um objetivo bem claro ali, que era chegar ao castelo e salvar sua filha. Como a pequena Catherine estaria? Logo cairia mais uma noite... mais uma em que ela dormia em um lugar desconhecido e aterrorizante, sem os pais, irmãos e avós por perto, sem ninguém que pudesse abraçá-la e garantir que tudo ficaria bem. Lembrou-se de quando os gêmeos nasceram. Anne não planejava ser mãe, tudo tinha acontecido de uma forma tão horrível, que ela teve muitas dúvidas sobre se seria capaz de amar aqueles bebês. Nos últimos e tumultuados meses de gestação, aquele amor foi surgindo aos poucos e crescendo lentamente, alimentado por todo o suporte e apoio que ela própria vinha recebendo de seus pais e sua irmã. Não era mais a menina que acreditava em contos de fada e histórias com finais felizes, por isso não se enganou com o clichê do amor materno instantâneo. Não fora instantâneo. Porém, quando os bebês vieram ao mundo e à medida em que cresciam, mais ela foi percebendo que os amava a tal ponto de dar sua própria vida pelas deles, se necessário fosse.

Agora, mesmo já tendo vivido todo o inferno de ser uma prisioneira no Mundo Youkai, ela daria tudo para trocar de lugar com Catherine. Para que sua princesa pudesse estar em casa, cercada pelos irmãos, em segurança, protegida.

Já começava a escurecer, mas Anne não pretendia parar tão cedo. Faria, mais tarde, um descanso de poucas horas, mas andaria naquele dia pelo máximo que suas pernas lhe permitissem ou que o cansaço deixasse. Continuava a seguir o fluxo do rio e, embora não fizesse ideia de a que distância estaria do castelo, sabia que, se persistisse, em algum momento chegaria. Não era mais a fraquinha que fora na juventude. Mesmo sendo leve, sua rotina de treinamentos tornara seu corpo bem mais resistente, embora ainda fosse considerada fraca para uma guardiã. Mas a sua maior força vinha de seu interior. A persistência era uma de suas maiores qualidades.

E, mesmo não sendo uma de suas qualidades mais aguçadas, sua percepção também não era das piores. Por isso, em determinado momento percebeu que não estava mais sozinha. Caminhava em uma trilha entre o rio e um alto matagal. E era da vegetação que vinha não apenas os sons de alguém em movimento, mas também a sensação de youki.

Quando os sons e a sensação de energia youkai ficaram mais próximos, ela parou de andar e se colocou em posição de ataque, levando uma das mãos ao cabo da adaga que trazia presa à cintura. Então, duas pequenas mãos afastaram o matagal e ela deteve-se, ao mesmo tempo em que respirou profundamente ao ver quem era.

— Riki! — exclamou, soltando a arma e se aproximando.

O menino-youkai foi surpreendido pela recepção. Anne o abraçou fortemente, numa demonstração de carinho e preocupação que o fez se lembrar de sua falecida mãe. E de Kiara, que praticamente a substituiu.

— Que bom que está aqui! — Anne o soltou, olhando-o de forma preocupada. — Você está bem?

— Estou, sim. E a senhora?

— Estou bem. Mas me chame de "Anne" e de "você". Nem meus filhos me tratam com essa formalidade toda.

Ele assentiu, embora soubesse que seria difícil deixar as formalidades de lado. Já era praticamente parte da personalidade dele.

— Escutei o barulho do rio e vim pegar mais água, já que a minha está no fim. Mas aí senti sua energia guardiã e vim seguindo até te encontrar.

— Além de ser ótimo ter alguma companhia, também é bom estar com alguém que saiba onde exatamente estamos.

— Não conheço bem essa região, mas é certo que, se seguirmos o fluxo do rio, chegaremos ao castelo.

Anne moveu a cabeça, aliviada por ter tido um bom palpite com relação àquilo. Odiaria descobrir que passara as últimas horas andando para a direção errada.

— Já está quase anoitecendo — Anne informou. — Acha que está bem para caminhar um pouco mais?

— Aguento mais muitas horas antes de me cansar, senho... digo, Anne.

— Bem, parece que eu também. Seguremos, então, por mais algum tempo, antes de pararmos para descansar.

Riki assentiu. Após apanhar um pouco de água em seu cantil, ele seguiu ao lado de Anne, voltando a seguir o fluxo do rio.

*****

— Espero que eu tenha colhido as plantas certas... — Maurício falava, embora soubesse que Mic não o ouvia.

Ele usava uma pedra para amassar as folhas que tinha colhido minutos antes. Nos ensinamentos que aprendera, ainda na infância, sobre o Mundo Youkai, estavam incluídas lições sobre as plantas daquele mundo. As que eram venenosas, comestíveis ou medicinais. Aquela, de cor magenta, tinha propriedades antibióticas e cicatrizantes, e seriam as ideais para ajudar Micaela naquele momento. Para a sua sorte, eram plantas muito comuns, ao menos naquela região onde estavam.

Terminando de amassar as folhas, ele apanhou a pasta magenta que se formou e a colocou sobre os ferimentos na barriga, no braço e no ombro de Micaela. Depois, limpou a mão direita em um pedaço de pano e a levou à testa da geminiana, verificando a temperatura, que ainda estava bastante alta.

Os lábios dela se moveram, sussurrando algo que ele não conseguiu entender. Quando aproximou o rosto, compreendeu que ela pedia por água. Ele ergueu o tronco dela do chão e levou o cantil aos lábios dela para que bebesse um pouco. Ela abriu lentamente as pálpebras e, apesar de olhar diretamente para Maurício, parecia enxergar algo além dele.

— Maire... — ela disse, com a voz sussurrada.

Ele tinha forçado um sorriso ao vê-la despertar, mas este morreu em seus lábios ao ouvir aquele nome. Queria, mais do que tudo, ser capaz de voltar no tempo e ter sido rápido o suficiente para chegar a elas horas antes e poder evitar o que aconteceu. Poder salvar a sua amiga.

— Descanse, Mic...

— Maire... — ela repetiu. Fraca, estendeu a mão, levando-a delicadamente ao rosto de Maurício.

Aquele toque fez um arrepio percorrer todo o corpo do taurino. E essa sensação apenas aumentou quando ela se aproximou ainda mais e, após sussurrar o nome da parceira mais uma vez, juntou os seus lábios aos dele, ao mesmo tempo em que fechava os olhos. Quase que simultaneamente, uma lágrima caiu pela face de cada um deles.

Maurício sabia que deveria afastá-la, mas não o fez, porque aquele era o beijo que ele mais sonhara em sua vida. Sabia que estava sendo fraco e covarde por se aproveitar da situação. Mas viu-se tão inebriado naquele momento, que faltou-lhe forças para lutar contra aquilo.

Que Maire o perdoasse. Que Mic o perdoasse.

Ainda com os lábios colados aos dele, ela voltou a perder a consciência. Mas ele continuou a abraçá-la, mantendo o tronco dela suspenso. Dolorosamente, afastou os lábios dos dela e descansou o rosto em seu ombro, com os olhos fechados e o coração batendo acelerado, sufocado em sentimentos tão intensos quanto conflitantes.

Enquanto isso, o que ele não percebeu é que os dois eram observados. Da entrada da caverna, alguém olhava aquele casal iluminado pela luz da fogueira, dividindo o que parecia um momento de amor.

Antes que fosse vista, a espiã deu meia volta e saiu de lá correndo, atordoada. Parou em algum ponto de completa escuridão, sentindo as lágrimas quentes molharem seu rosto e uma dor dilacerante parecer rasgar o seu peito. Então ouviu sua própria voz em um sussurro angustiado:

— Por que fez isso, Mic?

*****

Guardians II - MetamorfoseOnde histórias criam vida. Descubra agora