Capítulo vinte - Até o último segundo (Parte 6)

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Nem em seus piores pesadelos Hikari imaginou algum dia passar por uma situação como aquela. A verdade é que, apesar de saber da possibilidade de Cyane vir a dominar o corpo de Catherine, aquela era uma hipótese que sua mente se recusava a levar verdadeiramente em consideração.

— O que foi, tia? Parece meio assustada. Não está feliz em me ver?

Hikari pensou que aquilo era tão assustador quanto irritante.

— Pare de falar como se fosse a minha sobrinha, sua parasita dos infernos. Eu sei que é você que está aí dentro.

— Sabe? Então por que não me mata? Você tem uma espada em mãos. Eu sou pequena e frágil. Está bem fácil para você, não é?

Estava, de fato, muito fácil. Tão fácil quanto impossível. Aquela falando era Cyane. Mas o corpo era o de sua sobrinha. Assim como, Hikari sabia, sua alma também estava em algum lugar ali dentro, aprisionada. Se, ao menos, houvesse alguma forma de libertá-la dali.

— Não vou matar a minha sobrinha — declarou, por fim. A mão que segurava o cabo do sabre se soltou, mantendo a arma embainhada. — Se sua intenção é me matar, saiba que lutarei para preservar a minha vida até não suportar mais. Mas não vou machucar a Cat. Era isso o que você queria, não é? Então, parece que hoje a vitória é dos vermes.

Cyane riu e aquilo trouxe uma sensação de extremo desconforto para Hikari. Durante os últimos dias, tudo o que mais desejara era voltar a ouvir o riso da sobrinha. Mas aquela não era ela. Era a mesma voz e os mesmos lábios a proferirem uma risada demoníaca.

— Minha intenção não é matá-la, Hikari. Na verdade, até é... Mas não agora. Nem tão cedo. Antes, quero me deliciar bastante com esse mesmo olhar com o qual você está me encarando agora. Quero apreciar todo esse medo e esse sofrimento, e vê-lo aumentar cada vez mais... Até que você mude completamente esse discurso de lutar para preservar a sua vida e passe a implorar para que eu te mate. Me diga... o quanto você preza pelas vidas daqueles guardiões que estão lá fora, hã?

Como se tivesse sido ensaiado, nesse momento Hikari pôde ouvir fortes batidas na grande porta de ferro. Do outro lado, ouvia, de forma baixa e distante, as vozes dos guardiões que ali estavam. Voltou a encarar Cyane, sem nada responder. A ideia do que ela poderia vir a fazer com seus amigos a aterrorizava, mas se esforçava ao máximo para não deixar isso evidente.

— Anya! — Cyane chamou, fazendo com que Hikari olhasse ao redor, intrigada.

No chão ao lado de onde o corpo de Anne pendia, começou a surgir uma youkai de aparência feminina. Tinha os cabelos bem vermelhos, presos por um rabo de cavalo no alto da cabeça e uma aparência bem jovem, de alguém que não deveria ter sequer dezoito anos de idade. Hikari notou que usava uma armadura bem parecida com a dos generais de Cyane, embora, ao invés de preta, fosse azul-escuro. Em mãos, ela trazia um punhal.

Cyane fez as devidas apresentações:

— Vocês dizimaram os meus generais e praticamente todo o meu exército, mas alguns de meus guerreiros mais poderosos foram reservados para o caso de vocês acabarem vindo um pouco além do que eu previa de início. Anya é uma de meus subgenerais. Bem... Tão logo tudo isso acabe, ela será devidamente promovida, claro.

Hikari se perguntava qual era a necessidade daquela youkai ali. Cyane sabia que estava em vantagem. Ironicamente, o corpo frágil que usava a dispensava completamente da necessidade de algum defensor.

Contudo o desespero tomou conta dela ao perceber que não era ela o foco daquela youkai. Anya usou o punhal para, com a facilidade de quem corta uma folha de papel, abrir um corte do lado esquerdo, na altura da cintura de Anne. Com a dor, a loira despertou, gritando.

Hikari também gritou, em desespero:

— Pare! Pare agora!

Anya parou, observando, encantada, o sangue que escorria da lâmina do punhal. Novamente a risada de Cyane ecoou pelo ambiente.

— Eu pretendia começar a brincadeira usando sua outra irmã. Eu a mantive viva durante todo esse tempo apenas para isso. Mas tive a notícia de que ela conseguiu escapar, então preciso esperar que venha, por conta própria, até mim. E sei que virá. Posso apostar qualquer coisa que já está a caminho. Enquanto isso, tive a sorte de outra irmã sua vir até mim. Começamos com uma irmã, terminamos com outra. O que acha desse jogo, titia?

Hikari cerrou os dentes, em fúria, preparando-se para xingar Cyane. Mas se calou, voltando a olhar para Anne quando esta voltou a gritar devido a mais corte que era feito em seu corpo.

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Guardians II - MetamorfoseOnde histórias criam vida. Descubra agora