Desta vez, Lyri tinha sido um pouco mais ousada. Ao contrário do que fizera com Maurício, teletransportara Ryan para mais perto do castelo, algo acerca de um quilômetro de distância ou um pouco menos. Mas não estava disposta a ficar muito tempo por ali para correr o risco de ser vista, por isso logo se afastou na intenção de ir embora. Contudo, antes que desaparecesse, Ryan a chamou.
— Espere! Preciso agradecer pelo que fez. Muito obrigado, de verdade.
— Já disse que não fiz isso por você. Além do mais... A criança que está prisioneira de Cyane-sama não tem culpa dos problemas do Mundo Youkai com o Mundo Humano.
— Estes problemas vão acabar logo que reestabelecermos a ordem por aqui.
— Não sei como pretendem fazer isso, mas... boa sorte.
— E você? Para onde vai agora?
— Maire me deu a sugestão de ir até a barreira e aguardar do lado humano até que tudo se resolva. Disse que lá eu ficarei em segurança.
— Talvez nem tanta assim... Parece que tem youkais indo para lá. Já sabem que a barreira está aberta.
— Ainda que tenha... ainda são menos do que do lado de cá.
Ryan sorriu, embora ela se mantivesse séria.
— Sim, tem razão. Nós vamos resolver tudo e logo você poderá voltar.
— Assim espero.
— Boa sorte.
— É... pra vocês também — dito isso, ela desapareceu.
Ryan imediatamente correu em direção ao castelo. Ao chegar nas proximidades, percebeu, surpreso e grato, que passar pelos portões seria mais fácil do que imaginava. Não haviam mais do que dez youkais de guarda ali.
*****
— Uma general da Cyane? — Marco franziu a testa ao terminar de ouvir a história que Maire lhe contava. — Maire, você está louca em confiar em uma general da Cyane?
Micaela movimentou a cabeça, concordando com o tio.
— Pois é... eu disse a mesma coisa. Mas tenho que confessar que Maire tem alguma razão nesta confiança. A tal Lyri salvou a vida dela. E foi ela quem ajudou Ryan a nos encontrar.
Segurando o filho recém-nascido nos braços, Maire completou:
— E não duvido que tenha ajudado ele e Mau a chegarem ao castelo. Ela tem um bom coração. Foi apenas contaminada pela devoção a Cyane. Como aparentemente todos os generais.
Sofie, que até então ouvia a tudo em silêncio, olhou para o neto, deixado junto a Mei a uma certa distância deles, exatamente para não ouvir a conversa, e questionou:
— Ainda que eu cometa a insanidade de permitir que o meu neto seja levado por uma general da Cyane... O que nos garante que ela realmente virá para cá?
Maire sorriu, esperançosa.
— Estou certa de que virá. Ela está muito assustada com toda a perseguição que vem vivendo. A ideia de um abrigo seguro enquanto tudo se revolve será levada em consideração.
Sofie olhou para o marido, numa forma silenciosa de perguntar o que ele achava daquela ideia. Ele, após pensar por um momento, indagou às duas guardiãs:
— Vocês confiam mesmo nessa tal de Lyri? Acham que podemos confiar Henrique a ela?
Micaela suspirou, sendo sincera em sua resposta:
— O que eu acho é que não temos alternativa. O cerco está se fechando, Cyane sabe disso e fará de tudo para sobreviver. E dominar o corpo de Catherine, em um momento como este, seria uma jogada inteligente. E se Henrique é o único capaz de salvá-la, ele precisa tentar.
Sofie, no entanto, não estava convencida.
— Mas ele é só uma criança.
— Ele é um Guardião, Sofie — Maire rebateu. — E pode ser a salvação da irmã.
Sofie sabia que elas estavam com a razão, embora os riscos disso fossem altos demais.
A conversa teve fim quando mais um youki foi sentido, crescendo rapidamente, em níveis absurdos. Era como se um grande número de monstros se aproximasse da barreira. E era exatamente o que acontecia. Maire apressou-se em se afastar o máximo que podia, levando Enzo junto. Henrique fez menção de se preparar para lutar, mas Marco gritou para que ele protegesse Maire e o bebê, e ele assim o fez, indo para perto da libriana e se posicionando à sua frente, com a katana em mãos. Mei ficou logo a frente deles, também se armando com seus nunchaku. Micaela, Sofie e Marco se prepararam para recepcionar os monstros que não demoraram a surgir.
Micaela imediatamente dizimou uma parte deles, os que vinham a frente, com um disparo de energia. Eram youkais bem fracos, mas estavam em um número grande. Entretanto, ela logo percebeu que não conseguiria usar sua energia mais vezes. Sentiu-se fraca e mesmo apanhar as adagas foi algo que fez com esforço. Seu corpo queimava em um sinal de que a febre estava aumentando.
Os que vieram na segunda leva foram recepcionados por Marco, com suas adagas, e por Sofie, usando uma espada. Devido à quantidade de monstros, alguns conseguiram passar direto por eles e foram detidos por Micaela. Mais alguns, embora poucos, chegaram até Mei, que os impediu de seguirem adiante e alcançarem Henrique e Maire.
A libriana observava a tudo com apreensão, protegendo, como podia, o filho. Parecendo compreender o que acontecia, Enzo despertou, começando a chorar. Maire sabia que não era fome, já que ele tinha sido amamentado há muito pouco tempo.
— Calma, meu amor... — ela sussurrou, embora ela própria sentisse seu corpo de tremer de aflição. — Tudo vai ficar bem.
Mas isso não era o que o coração dela lhe dizia. Maire voltou a sentir aquele aperto no peito que a incomodava há dias, a sensação de que algo de ruim iria acontecer. Talvez, e certamente, fosse apenas o medo de estar expondo o filho a uma situação de risco como aquela.
Porém, ela logo percebeu que aquela sensação não vinha do medo de algo acontecer a Enzo. Seus olhos se mantinham fixos na parceira que lutava, notando que os movimentos de Micaela estavam bem menos precisos do que costumavam ser. Havia certo desequilíbrio, deixando claro que a loira sofria com vertigens ocasionadas pelo estado febril. Quando golpeou um dos monstros, o braço parou antes que fizesse o movimento completo e, em seu rosto, surgiu uma breve expressão de dor. O ombro parecia doer, mostrando que o ferimento não tinha sido corretamente tratado. Com os reflexos debilitados, Micaela não percebeu quando um youkai se aproximou por trás, correndo, com uma lança em mãos, e a atirou contra ela.
Maire gritou o nome da esposa, mas esta não teve tempo para qualquer reação. Apenas sentiu o impacto nas costas, acompanhada da dor de um objeto perfurando sua carne. Abaixou os olhos, ao mesmo tempo em que levava as mãos à barriga, sentindo a ponta afiada que havia atravessado o seu corpo. A imagem do sangue escorrendo por entre seus dedos foi a última visão que ela teve antes de tudo ficar escuro.
Enquanto caía, ainda ouviu mais uma vez a voz de Maire a gritar, em desespero, pelo seu nome. E viu-se mergulhada na mais completa escuridão e silêncio.
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Guardians II - Metamorfose
FantasiDez anos depois. Uma nova ameaça. Uma nova aventura. Todas as quartas-feiras, a partir de 26 de abril. Enquanto isso, ainda não conhece Guardians? Leia também no wattpad: https://www.wattpad.com/story/5029608-guardians