Guardians II - Metamorfose

Capítulo dezenove - O passado que deixei para trás (Parte 3)

Lá estava ele. Exatamente da mesma maneira em que ela o vira pela última vez. A mesma camisa azul royal, a mesma calça jeans... o mesmo corpo, os mesmos cabelos, os mesmos olhos, o mesmo rosto... como se tivesse se mantido congelado, imutável. Como se nem um único dia tivesse se passado.

E se deparar com aquela imagem justamente naquele local, onde os dois estiveram juntos antes do desfecho trágico que ele tivera, era algo absurdamente perturbador, que parecia fazer a mente de Anne dar voltas e mais voltas em torno de si mesma, perdendo, por aquele momento, completamente a noção de tempo e espaço.

Era como se ver presa em um pesadelo completamente surreal.

— Como é bom te rever, minha querida.

Anne sentiu uma onda de tremor se apossar de seu corpo. Aquela voz... Era inacreditavelmente igual.

Ela permaneceu imóvel, sentindo-se incapaz de mover um único músculo de seu corpo. Hayato retomou a palavra:

— Estive cuidando muito bem da nossa filha durante esses últimos dias. Ela ficou muito feliz em me reencontrar.

Por mais que seu corpo se mantivesse paralisado, Anne foi capaz de sentir uma lágrima quente rolar de seu rosto, e conseguiu encontrar forças para fazer sua voz sair, embora baixa:

— Onde está a minha filha?

— Está em segurança. Venha comigo, eu te levarei até ela.

Ele caminhou a passos lentos, até parar bem à frente de Anne e estender-lhe o braço. Anne olhou para aquela mão diante de si. E ficou assim, em silêncio, enquanto o turbilhão de lembranças tumultuava a sua mente de forma completamente desordeira.

Toshihiko voltou a falar:

— Vai ficar tudo bem agora, minha querida. Nossa filha está ansiosa por revê-la, não falou de outra coisa durante todos esses dias. Venha comigo, já disse. Eu te levarei até ela.

Com um lento piscar de pálpebras, Anne sentiu mais uma lágrima. Levantou a cabeça, olhando atentamente para aquele rosto diante do seu. Puxou o ar devagar para dentro dos pulmões, ao mesmo tempo sentindo como se sua vida estivesse voltando ao seu corpo. Como se seus pensamentos fossem se realinhando e a realidade se tornando maior do que aquele monte de recordações. Sua boca se abriu e novamente a voz que saiu foi baixa, embora carregada de certeza.

— Eu não vou com você para lugar algum.

Ele foi pego de surpresa por aquela resposta, tanto quanto pela reação dela em apanhar uma das adagas e golpeá-lo, atingindo o pescoço dele e abrindo um profundo corte. Ele saltou para trás, levando as mãos aflitas ao local ferido. Olhou para Anne que, respirando pesadamente, o encarava em fúria e voltava a falar, dessa vez com a voz mais alta:

— Você vai é para o inferno, que é o seu lugar.

Yachi mal conseguia esconder o seu assombro. Seu poder sempre lhe concedera certa imunidade. Raramente alguém tinha sangue frio o suficiente para atacar um ente querido e, ainda que o fizesse, sempre haveria a hesitação. Mas Anne o ferira com precisão e sem demonstrar qualquer dúvida sobre o que fazia. Ele não sabia de tudo a respeito dos guardiões, mas suas fontes lhe concederam as informações que achava que seriam o suficiente: a guardiã de Câncer era a mais fraca dentre o grupo de sua geração, devido ao fato de não ter tido um treinamento como os demais. Mas não era nisso que estava baseada a sua certeza de vitória. Não temia enfrentar oponentes fortes, tinha total capacidade para isso. A surpresa estava na reação. Anne era mãe dos filhos do guardião que morrera uma década atrás. Ele não sabia de nenhum detalhe a respeito do relacionamento que os dois tiveram, mas sabia que, para o bem ou para o mal, a imagem do pai de seus filhos deveria trazer alguma tormenta àquela guardiã. E a cópia dele estava mais do que perfeita. Exatamente a mesma aparência física e a mesma voz. Era para ela estar meramente atordoada, incapaz de atacá-lo. A menos que tivesse a total certeza – tanto mental quanto, principalmente, emocional – de que não era ele.