Capítulo dezesseis - Obstáculo inesperado (Parte 7)

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                As contrações foram se tornando mais frequentes e menos espaçadas, o que indicou que chegava o momento.

Sussurrando que voltaria logo, Mic se levantou e foi até a fogueira. Uma das vasilhas de água que deixara aquecendo já estava bem quente e ela retirou o recipiente do fogo. Tirou os únicos acessórios que usava: a aliança e uma pulseira dada de presente por Live, e lavou as mãos e os antebraços. Não havia álcool ou sabonete, então tentou esfregar o máximo possível, para reduzir o risco de uma contaminação. Depois, apanhou outra manta dentro da mochila e voltou para perto da gestante.

— Maire, quer se levantar?

Maire fez que sim, aceitando a ajuda da parceira, até se posicionar de cócoras, apoiando-se em Micaela. Com o nervosismo, a ruiva não percebeu que já começava a hiperventilar. Só se deu conta disso ao ouvir a voz suave junto ao seu ouvido:

— Respire devagar, Mai. Aspire pelo nariz, vamos... Isso... agora solte devagar pela boca.

O próprio corpo de Maire lhe indicou o momento certo de começar a fazer força e ela assim o fez. Micaela deixou que ela se apoiasse em uma pedra e se abaixou para aguardar a chegada do bebê. O grito de dor de Maire foi substituído por um choro aflito.

— E se eu não conseguir, Mic?

Micaela voltou a se levantar e acolheu o rosto da parceira com ambas as mãos.

— Mai, olha pra mim. — Ela aguardou até que a ruiva levantasse os olhos, fitando-a. Então, sorriu. — Você vai conseguir. Eu estou aqui com você e tudo vai dar certo.

Um movimento aflito com a cabeça foi toda a resposta que Maire pôde dar. Olhando nos olhos verdes da mulher que amava, sentiu como se suas forças fossem renovadas e o medo, aos poucos, fosse perdendo espaço para a sensação boa que inundou o seu peito. Ela sabia bem o que era aquilo: o amor que sentiam uma pela outra era tão forte que parecia preencher todo o ambiente e, naquela simples troca de olhares, transbordar o seu corpo de uma plena sensação de paz. E isso pareceu apenas aumentar quando Mic segurou a sua mão.

Novamente, Maire tornou a fazer força. Tantas vezes quantas foram necessárias, até que seu bebê começasse a vir ao mundo. Foi só então que Micaela a soltou e usou a manta para acolher a cabeça do recém-nascido, seguida pelos ombros, braços, tronco e, por último, as perninhas. Em sua testa, o símbolo do signo de libra surgiu por alguns segundos.

Ouvir o som baixinho daquele choro fez Maire soltar o ar dos pulmões numa sensação extrema de alívio e felicidade. Voltou a se deitar e acolheu, com as mãos trêmulas, aquele pequeno ser que Micaela depositava sobre seu peito, mãe e filho ainda ligados pelo cordão umbilical. O bebê parecendo se conectar às duas naquela atmosfera de puro amor.

— Oi, meu amor... — Foi a primeira coisa que a ruiva conseguiu dizer. E, durante um longo tempo, também foi a única. Ficou em silêncio sentindo as lágrimas escorrerem pelo seu rosto, o contato da pele de seu filho, sua respiração tranquila e os leves movimentos que fazia.

Quando olhou para Micaela, a encontrou observando o bebê também com lágrimas nos olhos e um sorriso de pura felicidade entre os lábios. As duas se entreolharam, instantes antes de trocarem um beijo breve, porém apaixonado.

— Ele é lindo, não é? — a ruiva sussurrou, já sabendo o que a parceira responderia.

— Bebês quando nascem são sempre iguais.

— "Mas..."

— ...Mas ele realmente é lindo.

— Você disse o mesmo sobre a Alexia.

Mic apenas riu, sem resposta. A verdade é que o que sentia naquele momento era a mesma felicidade e o mesmo amor que sentiu quando sua primogênita veio ao mundo. Em momentos como aquele, era impossível deixar de pensar em todos os conceitos com os quais fora criada por seus pais: o modelo "padrão" de família e a importância vital do sangue. Era sempre interessante perceber o quanto nada disso fazia mais o menor sentido. Enzo não tinha o seu material genético, mas o amor avassalador que sentia por ele era o mesmo que tinha por Alexia desde o momento em que a segurou nos braços pela primeira vez.

— Alexia vai ficar louca quando te conhecer... — Maire falou com a voz baixa, dessa vez olhando para o bebê. — E a Live também. Você tem duas irmãs, sabia? Elas são maravilhosas. E tem também duas mães, que vão sempre te proteger.

Novamente, um sorriso surgiu nos lábios de Micaela, ao mesmo tempo em que seu coração apertou, numa sensação de urgência de tirar logo a mulher que amava e seu filho dali.

Ao mesmo tempo, outros pensamentos vieram à sua mente e, quando se deu conta, já desabafava seus sentimentos em duas pequenas palavras:

— Me perdoe.

Maire deixou de olhar para o bebê para fitar a companheira, sem compreender.

— Pelo que está se desculpando, Mic?

— Na verdade, eu adoraria que você me contasse. Sei que está sendo assombrada por pensamentos ruins, Maire, e o tanto que o medo de perder Enzo te deixou desnorteada. Mas, desde que nos reencontramos, toda vez que você olha para mim, eu sinto que... Não sei... É como se sua mente a levasse a algum outro lugar, a alguma lembrança... como se eu, em algum momento, tivesse feito algo para te magoar. Eu não faço ideia do que seja, mas... Peço que me perdoe por seja lá o que eu tenha feito.

A ruiva sorriu, pensando no quanto a parceira era, ao mesmo tempo, incrivelmente perspicaz, embora não fosse nenhuma especialista em denominar sentimentos. O que a machucava era somente o clássico ciúme. Lembrar daquela visão dos lábios de Micaela tocando os de outra pessoa era algo que a machucava. Mas não havia perdão a ser concedido. Não havia culpa. E, agora, já não havia nem mesmo a dor pela lembrança daquele momento. Tudo o que havia era a paz e a felicidade por estarem as duas ali, junto ao filho que acabara de vir ao mundo, apesar de todas as adversidades.

E respondeu isso por meio de outro beijo. Dessa vez, mais demorado e intenso que o anterior.

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Guardians II - MetamorfoseOnde histórias criam vida. Descubra agora