Capítulo vinte e cinco - Sobreviventes (Parte 2)

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Um copo de café surgiu diante dos olhos azuis, arrancando-a do labirinto em que seus pensamentos estavam. Anne aceitou a bebida e olhou para aquele que a oferecia, forçando um sorriso para agradecer:

— Obrigada, Eric.

O norte-americano, que também trazia um café para si mesmo, sentou-se na cadeira vaga ao lado da cunhada na pequena sala de espera e comentou:

— Tá demorando essa cirurgia, né?

Anne concordou, embora soubesse que ainda demoraria algum tempo a mais. A médica que os atendeu contou que seria uma operação complexa, delicada e demorada.

— Ainda vai demorar mais algumas horas. Por que não volta pra base? Não tem necessidade de ficar aqui. Eu ligo logo que tiver notícias.

— Meu brother não ia querer que eu te deixasse sozinha em um momento como esse.

Anne sorriu, dessa vez comovida pelo amor que aqueles dois tinham um pelo outro.

— Não ficarei sozinha. Sofie, Marco e Maire estão todos aqui no hospital também. Sei que está louco para rever a Erika e ligar pra casa. Faça isso.

— Quero mesmo, Anne. Mas... Não quero sair de perto do meu brother em um momento desses. A gente já fica longe um do outro em momentos demais.

— Mas não vai fazer diferença você ficar aqui. Provavelmente nós não conseguiremos vê-lo hoje. E pensa na Erika, no tanto que ela deve estar sentindo a sua falta. Sarah e Andrew tiveram o retorno dos irmãos mais velhos; Alexia teve o retorno da Live. Erika precisa desse conforto também.

Ele sabia que ela estava com a razão. Por mais que doesse ter que deixar seu irmão naquele hospital, precisava mentalizar que ele não estaria sozinho.

— Promete que vai me dar notícias? Eu volto de manhã, mas se ele acordar antes disso você me liga que eu venho correndo.

— Pode deixar.

Os dois trocaram um forte abraço e Eric foi embora, deixando Anne sozinha. Não demorou mais do que alguns minutos até que Marco chegasse. Ele vinha servindo de ponte entre as três salas de espera, já que Ryan, Hikari e Micaela estavam em áreas separadas do hospital, estando Ryan e Mic do terceiro andar, enquanto Hikari estava no segundo. Logo que o avistou, Anne se levantou e foi de encontro a ele, nervosa.

— Notícias da Hikari? Da Mic?

Ele respondeu de forma tensa:

— Ainda nada da Hikari. Quanto a Mic... a cirurgia terminou agora há pouco.

— E aí?

Apenas a expressão no rosto de Marco, aliada ao seu momentâneo silêncio, já dava a Anne a noção de que as notícias não seriam nada boas. E a confirmação veio quando ele contou:

— Foi uma cirurgia complicada, mas por sorte conseguiram tirar a lança sem atingir nenhum órgão vital. Só que...

— "Só que" o quê, Marco? Pelo amor de Deus, diga logo.

— A infecção se espalhou, comprometendo o funcionamento dos rins e dos pulmões.

— Qual é exatamente o estado dela no momento, Marco?

— Coma induzido. Respirando por aparelhos. O estado é grave.

Anne levou a mão à boca, em choque. E não aguardou por qualquer outra palavra de Marco antes de sair correndo, indo até a outra sala de espera que ficava na outra extremidade do mesmo corredor.

Maire estava completamente sozinha ali, sentada em uma cadeira, com o olhar perdido a vagar pelo nada. Seus olhos azuis se focaram em Anne assim que esta chegou e, rapidamente, se encheram de lágrimas. A loira apressou-se em ir até ela e se abaixar à sua frente.

— O Marco me contou... — Anne começou a falar, embora não conseguisse terminar a frase. Apenas recapitular o que ouvira já lhe corroía por dentro.

Maire movimentou a cabeça em uma negativa.

— A Mic é forte. Tenho certeza de que está lutando muito para se recuperar. E tenho fé nela. — Ela respirou fundo, ao mesmo tempo segurando o choro e se concentrando em toda a situação atual. — E o Ryan? Alguma notícia?

— Nada. Ele ainda está em cirurgia. Mas é muito provável que tenha que amputar a perna.

Maire já esperava por algo assim. Mesmo em meio à própria dor, segurou as mãos de Anne junto às suas. Mas, antes que dissesse qualquer palavra de consolo, a loira se adiantou:

— Neste momento, tudo o que me importa é que ele saia vivo daquela sala de cirurgia.

— Vai sair. E eu sinto muito que esteja passando por isso, minha querida.

Anne sabia o quanto ela sentia. Na verdade, naquele momento, ninguém compreendia melhor a dor dela do que Maire, e vice-versa.

— E o bebê? — Anne perguntou.

O leve esboço de um sorriso surgiu nos lábios da irlandesa.

— Estava aqui comigo até agorinha há pouco. Uma enfermeira o trouxe para mamar e fiquei com ele um pouco. Levaram-no há alguns minutos para o berçário.

— Eu ainda não o conheci. Farei isso daqui a pouco.

— Faça. Bebês são capazes de nos trazer uma sensação de paz. E por falar nisso, notícias da Hikari e do bebê?

— Nada ainda. Estão fazendo vários exames.

— Hikari já se safou dessa uma vez. Certamente vai ficar bem, e desta vez sem qualquer sequela grave. Ela está mais velha, com um melhor controle de sua energia... Sei que ficará bem.

Anne se perguntou como Maire conseguia se manter tão otimista em um momento como aquele. Porém, sabia que aquela força exterior era uma mera fachada. Por dentro, a ruiva estava despedaçada.

— Volte para a base, Maire. De nada adiantará você ficar aqui. Você acabou de dar à luz, e passou por tanta coisa... Leve Enzo para casa e descanse um pouco.

Enquanto ouvia a fala de Anne, Maire movimentava a cabeça numa negativa. Pelo tempo em que o doutor Tamura pudesse garantir que Enzo ficaria seguro e confortável no berçário, ela permaneceria ali, o mais próximo de Mic que pudesse ficar.

— Assim como você, Anne, eu não estou disposta a sair daqui. Não enquanto não puder ver a Mic acordada. Quero olhar nos olhos dela dizer o quanto a amo e garantir que ela ficará bem.

Anne sorriu. Compreendia bem aquilo. Afinal, era o mesmo que desejava fazer com Ryan.

— Ela com certeza ficará bem. Como você mesma disse, Maire, a Mic é forte. É uma das pessoas mais fortes que conheço.

Em meio às lágrimas, Maire não conseguiu conter um breve riso, que deixou a loira intrigada.

— É engraçado... A Mic acha o mesmo de você.

Após alguns instantes de perplexidade, Anne também riu.

— Eu? A guardiã "fraquinha"?

— Você passou por muitas coisas, Anne. Mais do que muitos de nós aguentaríamos. Mic admira muito isso em você.

Agora, era Anne quem não suportava e acabava deixando os soluços virem à tona. Era ela quem admirava demais a prima... E descobrir a reciprocidade daquilo era tanto surreal quanto emocionante.

Como sabia que ainda demoraria a ter notícias de Ryan, Anne optou por passar mais algum tempo ali com Maire. Era reconfortante, em um momento tão difícil quanto aquele, ter a companhia de uma amiga.

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Guardians II - MetamorfoseOnde histórias criam vida. Descubra agora