Por mais que as intenções de Maurício tivesse sido as melhores possíveis, Maire logo percebeu as falhas que deixara no tratamento às feridas de Micaela. Usara uma planta certa que, contudo, não fazia efeito sozinha, precisando ser socada junto a outra para extrair um líquido que auxiliaria na desinfecção. Dessa vez, ela mesma cuidou de tudo. Refugiados em outra gruta – que deram sorte de encontrar, já que uma intensa chuva ameaçava cair a qualquer momento, ela despiu a parceira, limpando e medicando todas as feridas. Também preparou um chá com uma das plantas utilizadas e conseguiu fazer com que ela bebesse um pouco, o que contava que ajudasse a baixar um pouco a febre. Enquanto isso, Maurício acendeu uma fogueira. A noite ainda não tinha começado a cair, mas não podiam seguir caminho com Micaela do jeito que estava. Especialmente com a chuva que estava prestes a começar.
Logo que os dois finalizaram suas atividades, sentaram-se lado a lado diante da fogueira. Maurício segurou a mão da amiga junto a sua e, enfim, conseguiu lhe dizer:
— Que bom ter você de volta, querida.
Maire olhou por um momento para a mão dele sobre a sua, sem segurá-la de volta. Depois soltou um profundo suspiro, vendo-se obrigada a fazer uma confissão:
— Eu consegui chegar até a gruta onde estavam na noite passada. E aí eu vi... vocês dois.
Ela não precisou completar o relato para que Maurício compreendesse exatamente o que ela devia ter visto. E isso lhe causou um desespero em explicar tudo, em evitar que Maire continuasse a achar que tivesse acontecido qualquer coisa diferente do que realmente aconteceu.
— Ouça, Maire... Aquilo não foi nada, eu juro! Mic estava delirando, certamente sonhando com você, não parava de repetir o seu nome, e então...
Mas a ruiva o interrompeu:
— Eu sei, Mau. Não tem nada o que explicar, é sério... Eu sei bem o que aconteceu.
— Sabe? Sabe mesmo?
— É, eu sei. Bem, eu não sabia dessa parte a respeito de ela estar delirando, mas... suspeitei que tivesse sido algo desse tipo. Porque tudo o que sei é que Mic jamais me trairia.
— E eu também não, Maire.
— Teoricamente não seria uma traição se você achava que eu estivesse morta. — Ela forçou um sorriso. — Bem, não importa mais. Na hora eu fiquei um tanto desnorteada e optei por me isolar um pouco mais. Mas, mesmo com a confusão daquele momento, eu não tinha em mim qualquer dúvida sobre a fidelidade da Mic. Eu sei bem o que nos une... E sei o quão forte isso é.
Ele respirou aliviado. Jamais se perdoaria caso fosse o responsável por qualquer afastamento das duas.
— Que bom, minha querida. Fico feliz que...
— Mas eu também sei que você ainda a ama.
Novamente, ele se calou, mais uma vez surpreso. Sabia que não era o melhor dos mentirosos, mas não podia imaginar que Maire já tivesse percebido que seus sentimentos por Micaela tinham permanecido intactos durante a última década. Afinal, a própria italiana não parecia ter reparado nisso.
Contudo, por mais que amasse Mic, não permitiria que Maire pensasse que ele seria capaz de agir tão baixo. Abriu a boca para tentar se defender, mas a libriana o deteve, voltando a tomar a palavra:
— Juro que, quando vi tudo, meu primeiro pensamento foi que você era um péssimo amigo por fazer isso comigo. Por fazer isso com ela. Ainda nutrir esse sentimento, mesmo sabendo o quanto nós nos amamos, mesmo vendo que estamos juntas, felizes, e que formamos a nossa família...
Ele foi tomado pela mais profunda sensação de vergonha.
— Maire, eu... eu nem sei o que dizer ou fazer para você me perdoar.
— Mas aí eu pensei um pouco mais e percebi que... Talvez nós é que não sejamos amigas tão boas assim. Por não termos percebido isso. E no quanto eu fui tola por te condenar pelos seus sentimentos, sendo que ninguém manda nisso.
— Eu realmente sinto muito.
— É... eu também. Mas não consigo deixar de pensar... O que você teria feito se eu realmente estivesse morta?
Aquele era o momento de ser completamente sincero com ela.
— Maire... A dor que eu senti foi tão insuportável que, eu juro... Em momento algum sequer passou pela minha cabeça que eu agora teria o caminho livre com a Mic ou qualquer coisa parecida. O momento que você flagrou... eu juro, foi o meu único de fraqueza com relação aos meus sentimentos por ela. O que sinto pela Mic é amor, mas... o que sinto por você também é, embora de forma diferente.
Ela desviou os olhos, fitando as mãos dele e, enfim, também segurando-a com a sua.
— É uma droga ter que dizer que eu amo você também, Mau. Assim como é uma droga que você tenha que sair ferido disso tudo.
Ele sorriu. Ouvir que ela ainda o amava, que ainda o considerava um amigo, mesmo depois de tudo, ainda era o maior conforto que poderia ter.
— Eu quero que vocês duas sejam felizes, Maire. Bem... Vocês quatro, né? A família de vocês é linda. E precisam cuidar disso. Você tem que voltar o quanto antes para o Mundo Humano. Todo esse esforço que tem feito nesses últimos dias pode estar sendo péssimo para o bebê.
Ela assentiu. Não tinha mais argumentos para debater com relação a isso.
— Pela manhã Mic já deve estar melhor. Não estamos longe da barreira e provavelmente os generais responsáveis por nos atacar já fizeram o seu trabalho. Quero que você siga para o castelo. Mic me acompanhará até o Mundo Humano.
Maurício ainda não gostava da ideia de deixá-las a sós naquelas condições, mas sabia que esse era o certo a ser feito. O assunto sobre o planejamento para o dia seguinte teria continuado, se um vulto não tivesse surgido na entrada da gruta. Maurício se levantou subitamente, estendendo o braço diante de Maire na tentativa de protegê-la. Porém, os dois respiraram aliviados quando o visitante adentrou a gruta e, ao se aproximar do fogo, teve suas feições iluminadas e reconhecidas.
— Meu Deus, Ryan! — Maire se levantou, indo abraçar o outro Guardião.
— "Meu Deus" digo eu, Maire. O que está fazendo aqui?
— É uma longa história. Como conseguiu nos achar?
Ryan terminava de dar um rápido abraço também em Maurício, e respondeu:
— É uma longa história também. Mas uma amiga sua me ajudou.
Maire sorriu, emocionada.
— Lyri?
— É, ela mesma. Mas o que estão fazendo aqui? Onde está a Mic?
Maurício apontou para o local onde Mic dormia. Ryan se preocupou ao ver que ela estava ferida e Maire teve que resumir toda a história para ele.
Logo a chuva começou a cair, e foi ainda mais forte e violenta do que prometia.
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Guardians II - Metamorfose
FantasiaDez anos depois. Uma nova ameaça. Uma nova aventura. Todas as quartas-feiras, a partir de 26 de abril. Enquanto isso, ainda não conhece Guardians? Leia também no wattpad: https://www.wattpad.com/story/5029608-guardians