Anne cerrou os olhos logo que as duas lâminas se chocaram. Mas o tilintar prosseguiu, insistente, fazendo com que ela, vencida, acabasse por abrir as pálpebras e visualizar o que acontecia ali. Cyane atacava com a destreza e rapidez adquiridos no decorrer dos séculos em que se mantinha viva, passando de um corpo a outro. Já Hikari, não demonstrava qualquer movimento que viesse a sugerir algum ataque. Usava seu sabre apenas para se defender, num mero instinto de autopreservação. Observando aquilo, Anne não pôde deixar de se surpreender com o fato de sua irmã conseguir manter o autocontrole. Poderia jurar, a cada golpe rebatido, que ela iria se irritar e contra-atacar de forma a ferir a adversária. Mas nem toda a raiva do mundo seria capaz de fazer com que Hikari se esquecesse que aquele corpo pertencia à sua sobrinha. E que sua alma ainda estava ali dentro... presa, assustada, já com pouca ou nenhuma esperança de ser libertada.
Em determinado momento, Anne voltou a fechar os olhos quando a espada de Cyane foi de encontro à barriga de Hikari. A ariana conseguiu se desviar, fazendo com que a lâmina passasse de raspão pela sua cintura, abrindo um corte que, além de rasgar suas roupas, também foi o suficiente para que um filete de sangue começasse a escorrer. Sentindo a dor do ferimento, viu sua raiva aumentar mais um pouco e, enfim, esboçou algum ataque. Ameaçou golpear a menina com a espada, mas, ao invés disso, passou-lhe uma rasteira com a perna, fazendo com que ela caísse com as costas contra o chão.
— Menina malvada! — Hikari gritou.
No chão, Cyane riu, encarando Hikari, que se posicionou à sua frente, encostando a ponta da lâmina do sabre contra o seu peito.
— Sabemos que não terá coragem de finalizar isso.
Hikari tinha a respiração pesada, muito mais pelo nervosismo do que propriamente do cansaço da luta. Sabia que a outra tinha razão e que ela não teria coragem de finalizar aquele ataque. Contudo, estava disposta a atacar de outra maneira. As palavras ditas por Alexia dias antes, na base, ecoavam em sua mente...
A única forma de libertar Catherine de Cyane era de dentro pra fora. Isso, inicialmente, não fazia o menor sentido... Mas, agora, Hikari começava a ver algum significado naquelas palavras.
A libertação vinha de dentro... Era Catherine que precisava lutar e não ela.
Hikari fechou os olhos, sentindo um misto de raiva, tristeza e medo. Aquilo precisava dar certo. Sentia-se prestes a dar um mergulho em águas profundas sabendo que teria pouco oxigênio disponível e que precisava voltar puxando Catherine junto consigo... ou morrer lá embaixo junto com ela. Voltar sozinha não era uma opção que ela aceitasse.
Mas como faria isso? Como segurar uma mão que não estava estendida? Hikari queria gritar o mais alto que pudesse... Repetir o seu "menina malvada!" que berrava quando ainda morava com a mãe e o padrasto, e os gêmeos ficavam aos cuidados dela para a irmã ir para o trabalho ou a faculdade. Henrique era o comportado da dupla. Ou a criança que mais facilmente se distraía com uma mera tevê ligada em um canal infantil. Já Catherine era curiosa e gostava, especialmente, de vasculhar as coisas da tia. Não eram poucas as vezes que Hikari entrava em seu quarto e surpreendia a garota mexendo em suas gavetas de acessórios ou maquiagem. Sempre que levava a bronca, a pequena corria até a tia e se sentava em seu colo sobre a cadeira de rodas. Hikari bem que tentava se manter firme, mas, quando se dava conta, já tinha perdoado a travessura e arrumado um novo jeito de entreter a menina, colocando um CD de alguma de suas cantoras pop-rock favoritas. E as duas cantavam juntas as músicas, como se fossem duas coleguinhas da mesma idade.
Quantos anos Cat tinha naquela época? Três ou quatro... não mais do que isso. Logo que Hikari avançou na recuperação de seus movimentos, passou a ficar menos tempo em casa. Arrumou trabalhos, cursos, amigos, ocupações... e logo se mudou de cidade para iniciar a tão sonhada faculdade. O contato com os sobrinhos diminuiu, mas não o seu amor por eles. Sempre que ligava para a casa da irmã, passava um tempo conversando com cada um deles. No caso de Catherine, as duas mais cantavam do que falavam. Cat gostava das músicas mais "antigas" que marcaram a adolescência da tia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Guardians II - Metamorfose
FantasyDez anos depois. Uma nova ameaça. Uma nova aventura. Todas as quartas-feiras, a partir de 26 de abril. Enquanto isso, ainda não conhece Guardians? Leia também no wattpad: https://www.wattpad.com/story/5029608-guardians