Capítulo dezessete - Antiga inimiga, nova aliada (Parte 2)

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                A luta começara de forma contida, mais como uma observação mútua do potencial do adversário. Não era a primeira vez que Leo e Kiara se encontravam, mas era a primeira em que se enfrentavam.

E, ambos sabiam: não havia possibilidade de os dois saírem vivos dali.

Ser o segundo general mais velho a compor o exército de Cyane lhe rendia certos "privilégios", como o de sempre ser escalado, junto a Yachi, para fazer parte da proteção pessoal da comandante e, agora, rainha. Leo tinha a experiência de ser o único remanescente do antigo exército de Kuro, além de ser detentor de uma força física que não parecia enfraquecer com o passar dos anos. E ele já estava com quase cinquenta.

Aquela já era a terceira vez que ele se via frente a frente com Kiara. A segunda tinha sido durante a tomada do castelo, e ele não chegou a enfrenta-la, já que Cyane fez questão de cuidar disso. A primeira tinha sido há mais de três décadas, quando a filha bastarda de Kuro ainda era uma criança.

E Kiara jamais se esquecera do rosto dele. Como esquecer de algo que, mesmo tanto tempo depois, ainda a atormentava em pesadelos? Estar novamente cara a cara com ele não era algo que a agradasse nem um pouco. E, na verdade, também não aparentava ser muito confortável para ele.

— Vou levá-la de volta à torre — ele anunciou.

Sua voz era grave e alta, mas Kiara percebeu que parecia menos assustadora agora que ela era uma adulta.

— Vai ter que me matar primeiro. E você sabe que não pode fazer isso, não é? Cyane ainda precisa de mim viva.

Sempre sério, o youkai de aparência humana movimentou a cabeça em uma negação.

— Ela logo irá executá-la. Cyane-sama não precisa mais de seu sangue.

Kiara estremeceu. Primeiramente, pensou que aquilo poderia significar que tinham encontrado sua filha. Porém, ao se lembrar de que Live lhe garantira que Hina estava em um local seguro, uma outra hipótese se formou em sua mente: Cyane estava se preparando para a troca de corpos. Não poderia permitir que aquilo acontecesse.

— Se Cyane quer me executar, por que quer me levar de volta à torre?

— Cyane-sama prefere que você se mantenha viva. A ordem foi para que permanecesse na torre, sob meus cuidados, até que ela desse as ordens para levá-la até ela. Mas, caso ofereça muita resistência, eu tenho total liberdade para liquidá-la. É uma meio-youkai, seu corpo não irá se desintegrar, e eu poderei levá-lo para Cyane-sama cumprir seu propósito.

— E qual seria esse propósito?

— Parece que a Guardiã de Áries e você mantém algum laço afetivo.

— Entendi. Eu serviria, então, como vingança para Hikari. Posso saber pelo quê?

— Ela matou Eri.

Aquela era uma surpresa. Antes de ser levada para a torre, passara quase um dia inteiro presa ainda no castelo, tempo suficiente para conhecer alguns dos servos de Cyane. E isso a fez compreender o motivo do desejo de vingança.

— Eri é a namoradinha da Cyane, não é? Ou o passatempo dela. Aquela maldita não sabe o que é de fato amar alguém.

Leo deu um passo à frente. Seu tom de voz sofreu uma leve elevação quando ele falou:

— Mais respeito com Cyane-sama!

— Eu apenas devo respeito ao meu povo e às pessoas que eu amo. O respeito que você deveria ter tido pelo seu melhor amigo.

— E eu tive. Duas vezes. Arrisquei-me para ajudá-lo a fugir com aquela humana. E descumpri as ordens de Kuro-sama para te matar quando você era apenas uma criança. Aquele que um dia foi o meu melhor amigo e que a criou como um pai já está morto. Não devo mais nada a ele.

— Deveria ter me matado quando teve a chance. Não a terá novamente.

Ele a encarou em silêncio, lembrando que, se fato, teria sido muito fácil matá-la. Era apenas uma criança meio-humana, frágil, completamente desprotegida. Mas o youkai que a criara como um pai o implorou para que não fizesse isso. Pela velha amizade que os dois tinham desde que eram jovens soldados do exército real, Leo acabara poupando a criança bastarda que Kuro-sama o ordenara executar. Teve que omitir o fato de que a havia encontrado, que sabia onde vivia. Um segredo que guardara fielmente, até que Kuro deixasse de ser uma ameaça à jovem meio-youkai.

Porém, ser fiel ao amigo não o impediu de nutrir suas ideologias próprias. Quando fora designado a ir para a província de Cyane, compor o seu exército, logo viu-se encantado com os discursos dela e, com isso, decidiu que jamais haveria sucessora mais indicada ao trono do que ela. O fato de no passado ter ajudado o amigo a fugir com a prisioneira humana pela qual ele tinha se apaixonado não o fazia mudar sua visão a respeito da raça humana.

— Volte comigo para a torre por sua livre e espontânea vontade, ou serei obrigado a levá-la à força.

— E se eu não deixar?

— Não terei qualquer problema em te matar dessa vez.

— Nada te impede de tentar.

Numa resposta à provocação, ele voltou a avançar contra ela. Usava como arma uma espada de lâmina curta, tão afiada quando as unhas que Kiara usava para se defender e contra-atacar.

O aparente equilíbrio da batalha não duraria muito. Kiara sentia-se fraca e se perguntava até quando aguentaria manter o mesmo ritmo de luta. Mas não se importava tanto com a própria vida. O mais importante era dar tempo para que Eliandyel e a Guardiã de Aquário avançassem. Precisavam se unir aos demais guardiões. Precisavam deter Cyane.

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Guardians II - MetamorfoseOnde histórias criam vida. Descubra agora