"Tu és capaz"

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O Verão está a voar porta fora como se não fosse nada. Ainda ontem deixámos o ginásio decorado do baile de finalistas e já é uma noite quente de finais de Julho. 

Estamos a concretizar com sucessos os meus planos de renovar o jardim e a entrada da casa. Já pintámos o varandim e montámos uma cerca de madeira branca que há de ser colocada pela parte de fora da vedação de arame que circunda a casa. A relva foi acabada de semear hoje, e portanto temos de ir buscar os tacos de cimento de calçada que estão a umas ruas de distância. No entanto, se os vizinhos nos vissem fazer essa atividade à luz do dia eram capazes de ter a mesma ideia, ou até mesmo reclamar que os tacos lhe pertenciam, e por isso vamos na calada da madrugada... Não que estivessemos a dormir, embora tenha sido um dia cansativo, ainda estávamos no sofá da sala a fazer maratona de filmes quando eu olhei para o relógio de parede, que está ao lado de um quadro bastante imponente, com a nossa foto da formatura, e me dei conta de que eram três da madrugada, a hora ideal para praticarmos a atividade ilícita de roubar tacos de calçada abandonada. 

O bairro tem estado calmo ultimamente. Há muito tempo que não se houvem tiroteios à noite, nem nenhum outro conflito a registar com a polícia, a não ser quando putos inexperientes armados em espertos decidem tentar roubar umas garrafas de bebida da loja de conveniência... já não se fazem putos de South Side como antigamente... é uma vergonha que não saibam sequer roubar uma garrafa de vodka da porra da loja de conveniência da bomba de gasolina. Eu fazia isso desde os meus doze anos e nunca fui apanhado, no entanto, o meu convívio exagerado com uma certa menina de Regents Park afastou-me desse tipo de atividades, e de outras que não eram lá muito legais. 

Saímos de casa, e nem a madrugada parece conseguir arrefecer o ar quente da rua. Há muitos anos que não vivia um verão tão escaldante... em todos os sentidos. Não se vê uma alma na rua, nem uma luz acesa dentro das casas por onde vamos passando. O único barulho num raio de quilómetros são uns poucos carros a passar na autoestrada a uns dois quilómetros daqui, o latir dos cães vádios e os nossos passos, a restolhar na erva seca que cresceu nas fissuras do passeio. 

Nós seguimos o nosso caminho, como se fosse um passeio matinal. Ela conversa e ri, sobre a mancha de tinta creme que teimou em não sair do meu cabelo e parece uma madeixa loira propositadamente exagerada, e que segundo ela me faz parecer um integrante de uma boy band com tendências sexuais no mínimo questionáveis. 

"Natie, Natie... tu estás a pedí-las... deixa que quando chegarmos a casa eu já te mostro quem é que tem tendências sexuais questionáveis..." Ri-me de mim próprio, sadendo que ela tinha conseguindo atingir o seu objetivo com toda aquela conversa, ao vê-la sorrir, travessa, de peito cheio e com um ar de dever cumprido. 

"Paga o deves Hunter!" Ouviu-se uma voz de barítono ao longe. A sua mão apertou instantaneamente a minha e a sua respiração sofreu um sobressalto. 

"Eu não tenho. Ainda não me pagaram a mim... estou completamente liso!" A voz do Hunter respondeu, com um tom de lamúria.

"Mas para comprares um carro novo a semana passada já tinhas dinheiro!" Gritou a voz sonante.

Puxei mais para mim, com a intenção de virar costas e ir embora, mas no momento em que o fiz vi um dos muitos cães vádios que há por aí... no entanto, tinha de nos calhar na rifa logo aquele que não gosta de humanos... de forma nenhuma que nós vamos andar na direção daquele cão sem levarmos uma mordida... Virei-nos então no sentido que anteriormente tomávamos, muito devagar, e comecei a caminhar, com ela de baixo do braço até à esquina mais próxima. Se o Hunter e o seu "amigo" estivessem numa das muitas ruas paralelas que há na rua principal que fica a seguir à esquina nós conseguiriamos esgueirar-nos para casa por um atalho... Mas não, tinham de estar logo ali, mesmo a uns dez metros da esquina. 

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