"Tu não prestas..."

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"Wow... vieste." Foi a primeira coisa que disse quando abriu a porta. "Deves ser mesmo maluca da cabeça." Soltou uma risada.

"Sim... suponho que sim. Posso entrar? Está a nevar aqui fora, caso não tenhas reparado." Ele voltou para dentro eu entrei e fechei a porta.


"Dá para fazeres menos barulho? O Allen acabou de adormecer e quero que continue assim até amanhã de manhã." Sentou-se à mesa da cozinha e eu sentei-me à sua frente.

"Sim, desculpa."
"Eu nunca pensei que viesses... estamos a falar de South Side Chicago... Se eu achasse que viesses tinha ido buscar-te a algum lado... podias ter-te fodido no caminho para aqui. Vieste de comboio?"
"Aham..."
"Foi díficil achares a morada?"
"Perguntei a um homem altamente alcoolizado que estava sentaddo na estação do comboio... ele até foi prestável."
"Já fizeste a verificação?" Franziu a testa, como se lhe custasse acreditar no que disse.
"Verificação?"
"Sim... já verificaste que tens tudo o que tinhas quando vinhas para cá? Telemóvel? Carteira? Dinheiro? Tudo..."

Eu abri a mala para verificar que a carteira continuava lá dentro com o mesmo dinheiro que tinha quando saí de casa e o telemóvel continua no meu bolso. 

"Sim, acho que está tudo no lugar. Podemos começar? Já fizeste o trabalho de casa que o professor mandou hoje?"

"A sério que estás a pensar em começar pela matéria que estamos a dar agora?" Riu-se. "Achas mesmo que eu sei alguma coisa do que já demos que preciso de saber para conseguir fazer um exercício que seja desta matéria?"

"Ok... não há problema. Podemos começar no início do livro." Abri o livro na primeira página de matéria e expliquei devagar, resolvi um ou dois exercícios para lhe mostrar a lógica e pedi que fizesse outro. Ele acabou e virou o caderno para mim. "Está certo."

"Han?" Franziu a testa. 

"O exercício. Está certo. Porque é que não fazes mais estes dois, que são um bocado mais difíceis?" Ele resolveu e mostrou-me novamente o caderno. "Estão certos. Vamos à próxima matéria."

"Tens a certeza que estão certos?"

"Tenho."

"Não podes verificar outra vez?" 

"Turner, é quase meia-noite e eu quero muito acabar isto e ir para casa. Os exercícios estão certos e eu não vou perder o meu tempo a vê-los de novo." Comecei a explicar a matéria seguinte, seguindo o mesmo método, resolvi três exercícios e passei-lhe mais três para fazer. Corrigi-os. "Ótimo. Estão certos. Amanhã continuamos." Coloquei as minhas coisas na mala para me ir embora. 

"Vais voltar de comboio?"

"Aham."

"Precisas que eu te leve à estação?"

"E deixares quatro crianças sozinhas em casa? Não me parece." Ele soltou uma risada enquanto acendia um cigarro. 

"Estas quatr crianças sabem defender-se melhor que tu, Nathie..."

"O meu nome não é Nathie, mas como queiras..." Encolhi os ombros. 


"E o meu não é Turner..."

"É claro que é."

"Não... esse é o meu apelido. O meu nome é Kev."

"Errado. O teu nome é Kevin... por isso, até amanhã Kevin." Abri a porta da frente para sair. 

"É Kev!" Levantou a voz.

"Como queiras. Até amanhã."

"Tenta não morrer no caminho até ao comboio, yah?"

"Esse é o objetivo." Saí pelo portão da frente e ele ficou à porta a ver-me ir embora. 

Seria mentira se eu dissesse que não tenho um medo do caraças de andar neste bairro a estas horas, mas ele não precisa de saber disso. Ele é a fera lá da escola... uma fera que os professores não conseguiram domar em cinco anos, e para eu conseguir fazer isso em alguns meses tenho de ganhar o seu respeito... e uma das formas de o fazer é não me mostrar frágil ou amedrontada pela vida dele, ou pelo lugar onde mora... E por isso estou a arriscar-me a ser assaltada... às vezes questiono a minha inteligência... não é lá muito inteligente andar por aqui, à meia-noite e meia, sozinha. Já vejo a estação do comboio e isso deixa-me um pouco mais calma. Abrandei o passo... Está um frio que até corta, e um silêncio absurdo. Tudo o que oiço são os meus passos na neve e o latir dos cães ao longe. 

Rule BreakersOnde histórias criam vida. Descubra agora