Mentiras

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Minha mãe era linda. Cabelos cacheados  modelados perfeitamente. Um sorriso que encantava qualquer um. Eu não havia convivido muito com ela. Eu a perdi muito cedo em um acidente de carro. Fui deixada sozinha para trás, com apenas 4 anos de idade. Não me lembro bastante de seus traços e beleza ou de sua voz, a me chamar.
Minha tia Carla era irmã de minha mãe. A irmã mais velha que não podia ter filhos.
Quando minha mãe se foi, ela ficou responsável por mim. Meus tios sempre me disseram que minha mãe era uma mulher guerreira, que lutou para cuidar de uma filha sozinha.

Agora entra em cena o homem que destruiu minha família. Ele abandonou minha mãe grávida sem nenhum recurso. Sumiu pelo mundo sem dar uma notícia se quer.
Eu não o odiava completamente, mas sentia uma vazio quando pensava nele. Ele me deixou sozinha, não se importou se eu e minha mãe estávamos bem. Ele não fez seu papel de pai! Um pai normal que leva a filha para a escola, que tem medo da filha dar o seu primeiro beijo.
Um pai que está lá para vê-la sorrir.
Qual o problema dele ter vivido isso com a gente!?
Talvez minha mãe ainda estivesse viva, brigando comigo por entrar em casa com o tênis sujo.
Talvez eu teria uma família de verdade.
Meus tios sempre me falaram tudo que meu pai fez de mal para minha querida mãezinha.
Eu não sabia se ele está vivo ou se havia morrido em algum beco de viela, não sabia nada sobre onde ele se meteu.

Me deu um aperto no coração ao ouvir daquele velho a palavra pai.
Senti um rancor enorme que me espancava mentalmente.
Fechei os olhos e abri lentamente olhando para Romero. Não pensei em Ares, pensei em espancar aquele velho mentiroso.
Como aquele homem da foto poderia ser o meu pai? Meu pai sumiu eu nem era nascida. Ele estava taxando meus tios de mentirosos?!
Como esse homem que eu nem conheço aparece assim na minha vida e diz que eu conheci o meu pai.
Eu fiquei mais ou menos 5 minutos em silêncio. Trêmula e sem acreditar.
Ares tocou meu ombro derrepente mas eu tirei a mão dela violentamente.
Ela sabia daquela mentira toda?
Ela havia me tirado da minha cidade para contar mentiras! Sobre alguém que eu não considero nada?!
Eu comecei a chorar sem perceber, as lágrimas escorriam e molhavam a foto em minha mão.
Romero me olhava fumando seu charuto fedorento. A fumaça invadia meus pulmões sem pedir licença.
Suspirei pronta para questionar tudo que havia acontecido.
- Como? Como!!! Esse homem não é o meu pai.
Falei indignada.
- Jully, sei que você está confusa, mas tente entender que...
Não esperei ele terminar de falar. A raiva estava me consumindo.
- Cala a sua boca! Você não sabe nada sobre mim!
Falei limpando as lágrimas.
- Jully, você conheceu o seu pai. Tudo que você acha que sabe não é a verdade.
Ele disse pegando outro charuto e acendendo.
- Você está mentindo!! Falei com raiva.
- Por que eu mentiria?
- Eu não sei! Mas meus tios não são mentirosos!
Falei com um olhar triste.
Ares me tocou novamente no ombro e disse:
- Os seus tios te disseram o que eles queriam que você acreditasse que fosse real.
Pisquei repetidas vezes sem conseguir parar de chorar.
- Mas Ares, por que eles fariam isso comigo?
- Eles culpam o seu pai pela morte de sua mãe Helena.

Quando meus ouvidos captaram aquelas ondas sonoras vindo da boca de Ares eu fiquei sem reação, meu coração acelerou de um modo, que eu achei que teria um infarto.
- Ares! Você está maluca? Como isso pode ser verdade?
- Logo você saberá a verdade de uma vez por todas.
Ares disse limpando minhas lágrimas.
Eu não falei mais nada. Aquela mulher que parecia fria e indiferente comigo estava muito diferente.
Eu não conseguia acreditar que meus tios haviam feito isso comigo. Eles cuidaram de mim e me educaram, me ensinaram a ser uma pessoa de bem.
Por que mentiria sobre uma coisa tão importante para mim?!
Ares me envolveu em seu peito me consolando.
Eu soluçava sem parar. Fechei o olhos e apertei seu tórax fortemente me envolvendo em seu abraço.
Não vi quando Romero saiu da sala, não sei quem ele era na verdade. Não sei se ele queria o meu bem e com certeza  eu não sabia mais quem eu era.
Ares me levantou dizendo:
- Jully, você está com fome?
- Não. Respondi triste.
- Tem certeza?
- Sim Ares.

Ela assentiu e me pediu para segui-la. Eu me levantei e fui em direção a um corredor cheio de portas, e quadros de Tarsila de Amaral nas paredes ao redor.
Paramos em frente ao último quarto e Ares abriu a porta.
Era um quarto estranho. Cheio de fotos de gatos na parede. Gatos pretos com os olhos verdes reluzentes. Uma cama enorme cheia de travesseiros azuis, com uma escrivaninha bem antiga ao redor.
Um enorme guarda-roupas branco com um espelho bem grande. A janela estava aberta e o ar gelado e úmido estava dominante naquele local.
- Entre.
Disse Ares apontando o dedo para dentro do quarto.
Eu entrei e sentei-me sobre a cama macia. Meus olhos ardiam e eu os esfregava sem parar. Ares sentou-se ao meu lado me olhando com olhar de pena.
- Tome um banho e durma um pouco Jully.
Eu não respondi, apenas assenti com a cabeça.
Ares levantou-se e abriu o guarda-roupas pegando toalhas e uma peça de roupa. Eu ainda me assustava com essas coisas, comida predileta e  roupas do meu tamanho. Me parecia que eles me espionavam a um bom tempo.

Ela veio em minha direção e me entregou as roupas. Apontou para uma porta de madeira escura perto da janela. Indicando que era o banheiro. Assenti e fui em direção do mesmo.
Olhei pela janela, não havia mais sol. Apenas um azul negro do anoitecer. Era inacreditável como as horas passavam tão depressa depois que Ares havia me levado para longe. Estrelas inundavam o céu o deixando resplandecente. A lua brilhava com cristais brancos sobre a luz.
Era lindo de se ver. Virei-Me e abri a porta.
O banheiro era sofisticado e fresco.
Azulejos preto e branco com um box mais largo que o normal.
Um cheirinho doce de lavanda que me deixou mais leve.
Tirei minha roupa devagar. E entrei embaixo d'água. Senti a água fria batendo em minha costas, e molhando meu cabelo.
A dor veio de imediato.
Não dor externa, mas sim interna. No coração. Imaginei uma família feliz sorridente e linda, queimando por dentro. O rancor por meu pai só aumentou.
Se ele realmente me conhecia, por que não ficou comigo?
Por que nos abandonou do mesmo jeito?!
Eu estava frustrada e muito magoada.
Até meu aniversário não era mais importante para mim. Nada mais fazia sentido.

Assustei com Ares batendo na porta do banheiro. Apressei-me em sair e ir ao seu encontro.
Ares estava sentada na cama quando eu a vi. Ela estava com aquela caixinha em que vi a foto.
Tinha um semblante cansado e frustrado.
Olhei no espelho do quarto e me chamei de fraca mentalmente.
Toquei meus cabelos molhados, observando Ares através do reflexo.
Ela me chamou com o olhar e eu me aproximei.
- Agora tudo ficará mais confuso ainda Jully. Ela afirmou.
- Eu não sei como estou de pé.
Falei desapontada.
- Antes de eu te mostrar estes envelopes, quero que pergunte algo que tenha vontade de saber.

Sinceramente eu estava cheia de dúvidas. Mas meu coração so pensava em uma coisa. Aflita apertei meus dedos uns contra os outros e abri a boca:
- Eu tenho uma pergunta. Falei.
- Diga?! Ares respondeu curiosa.
- Meu pai. Ele está vivo ?
Ares sorriu torto e respondeu:
- Lógico querida.
Eu arregalei os olhos e antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, ela acrescentou.
- Eu trabalho para ele.

Aos 18Onde histórias criam vida. Descubra agora