Fardo

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Aquele era um dia completamente maluco para mim, não que eu não estivesse tendo dias assim ultimamente, eu estava tentando colocar tudo no eixo mas acabava me perdendo mais.

Sentindo a textura do quadro onde estava a garota estudante, sentia já ter vivido aquilo antes, era como uma lembrança quase apagada em minha mente.
Eu realmente admirava a literatura inglesa e já havia lido alguns livros de romances inacabados e terrores arrepiantes.
Eu estar pintada em um quadro, com meu casaco predileto, uma expressão facial típica minha, era realmente estranho, mas o que mais me deixava confusa era a pintura do outro quadro, eu tinha quase certeza que aquela mulher com seus traços esculpidos naquela tela era minha vizinha de infância Odete, a senhora meio estranha que adorava flores e sempre me olhava brincar pela janela de sua casa. Ela me oferecia docinhos de leite toda vez que eu voltava apressada da escola, eu tinha lá meus treze anos de idade, sempre alegre Odete parecia gostar da minha presença, mas as vezes era muito rabugenta, seus cães não eram muito legais comigo.

Odete, o que escondia? Me lembro de sua carta, me lembro de suas frases estranhas logo após Ares ter me levado a força, ela sabia algo, eu sentia. Sentia que ela realmente estava envolvida em meu passado, meu presente e talvez meu futuro, mas como eu poderia saber? Ninguém me falava nada, ninguém me dava satisfações sobre tudo que acontecia comigo. Eu estava em um labirinto sem saída e sem opções de ajuda, todos tentavam me poupar de algo que eu tinha o direto de saber.

Seria ela uma aliada? Ou outra pessoa maluca que desejasse arrancar minha cabeça, sem dó nem piedade, realmente precisava encontrar Ares e questiona- la sobre o caráter de Odete e saber qual era a ligação entre nós duas, porque era muito estranho ver que eu estava ilustrada em um quadro ao lado de uma idosa, agora misteriosa para mim.

Talvez Ares não falasse, ela era excepcional em seguir as regras, era quase impossível abrir a mente dela para isso, mas talvez Edgar pudesse me dizer algo, ele era mais aberto, mais livre para falar, cheio das gracinhas, mas até que era atraente admito.
Oi? No que eu estava pensando? Foco Jully! Mas onde estava Edgar? Eu não o via fazia um bom tempo, ele não estava na operação que me tirou daquele hospício que Aurora chamava de cativeiro.
Só de lembrar daquele lugar meu corpo ia se arrepiando e eu me lembrava de tudo que eu havia sofrido lá, eu não imaginaria ser tão forte para suportar tudo e ainda estar de pé.

- Jully? O que está fazendo aqui?

Ouvi sua voz e rapidamente me virei em direção a porta, era Dominik que me olhava, devidamente apoiado na porta, seus cabelos estavam brilhando e caiam sobre seu rosto, meu Deus como ele era lindo, eu não tinha palavras para expressar minha atração por aquele homem.
Estava vestindo uma calça preta e justa, uma blusa preta de  manga longas, mas dobradas até o cotovelo, um casaco de couro marrom e  sapatos pretos.
Ele era a imagem perfeita de um Deus grego, um Zeus mas sem poderes, um rei, mas sem coroa, era realmente um fenômeno da natureza.

Correr para seus braços era a única coisa que eu queria fazer naquele instante, mas me controlar era a solução, afinal ele havia me dando um gelo antes de eu ser raptada por Aurora. Seria recíproco o que eu sentia por ele? Ele poderia me ver com outros olhos que não fosse de um guarda- costas preocupado somente em proteger alguém e receber por isso?!

- Não vai me responder Evangeline?
Ele disse me retirando de meus pensamentos amorosos.

Eu sorri meio curiosa, era praticamente a primeira vez que ele me chamará pelo meu segundo e estranho nome.
Sorri para ele, meio sem graça admito, mas era um sorriso de carinho, de felicidade por saber que ele estava lá, e que eu também estava ao seu lado, pois a pouco tempo eu pensei que estaria morta.

- Estou explorando esse quarto estranho, senhor guarda- costas!
Falei sorrindo.
Ele sorriu alto, como se estivesse rindo de uma piada muito boa.

- Eu vi que na porta tem um bilhete pedindo para não entrar aqui, mas cá está você senhorita!

- Eu não sei ler.
Falei rindo mais alto, e sentindo uma leve dor na boca.

Ele entrou no quarto e deu um leve toque em minha testa e sorriu, mas seu sorriso se foi quando ele viu minha figura gravada no enorme quadro que estava a sua frente. Sua expressão era de preocupação, inquietação e seriedade.
Voltando seu olhar para mim, me pegou pelo braço e praticamente me arrastou do quarto, eu sem saber o porque daquela atitude grotesca de Dominik, apenas tentei me soltar e gritei " Está Louco?!".

Fora do quarto ele me soltou e consertou seu cabelo que estava meio bagunçado, eu sem mais delongas comecei a questionar sua atitude.

- Por que me arrastou daquele jeito?

- Me desculpe, mas você só viria comigo se fosse assim.

- O que há com você Dominik?

- Comigo? Eu? Nada!

- Está escondendo algo de mim?
Perguntei com um olhar desafiador.

- Não, é que não podemos sair entrando assim onde não é permitido.

- Conta outra! Algo está errado e eu quero saber o que é.

- Não há nada de errado Jully!

- A não? Um quadro com uma pintura minha e de minha vizinha mais antiga em uma casa estranha que eu apareci do nada, não é estranho?!

Ele estava sem resposta para minha pergunta, ele sabia que não teria como mentir sobre algo que estava lá, que era real, que podia ser tocado, examinado e questionado, ele apenas deu um leve suspiro e começou a se aproximar de mim.

- Você deve estar exausta!
Ele disse entrelaçando sua mão grande e macia em meu cabelo.

- Sim, estou. -Mas estou ainda mais confusa.
Eu disse dando um leve suspiro.

Ele sorriu meio que de lado e se aproximou mais de mim, olhou no fundo dos meus olhos e logo após um silêncio constrangedor ele me abraçou bem forte, colocando minha cabeça cansada sobre seu peito enorme e cheio de calor humano.

Seu cheiro era tão bom que eu tive que fechar os olhos para apreciar mais o aroma que vinha de seu peito.
Ele era bem mais alto que eu, tão másculo e sensual, era inevitável não se atrair por ele, após alguns segundos ele desfez o abraço e se afastou de mim.

- Tive medo de não te ver mais!
Ele disse, com um tom sensível em sua voz.

- Eu também, tive medo de nunca mais te ver Dominik, não me deixe sozinha de novo!
Falei com a voz trêmula e com medo de tudo acontecer novamente.

- Eu não vou deixar Jully, você sabe que...

- O que?

- Eu daria a minha vida por você!

- Não diga isso!
Falei encostando minha mão sobre sua linda boca vermelha.

- Eu não quero que morra.
Acrescentei.

Ele sorriu e segurou em minha mão fortemente, seus olhos pareciam vermelhos e eu sentia sua emoção a flor da pele.
Ele não poderia morrer, jamais! Como seria minha vida sem ele para deixá-la mais suave?!

Comecei a andar pelo corredor, sentia uma angústia enorme em meu coração, deixei Dominik para trás que logo em seguida veio andando.
Eu estava cansada de ser o motivo de todo o caos, cansada de ser um fardo para ele e para Ares que por sinal estava machucada por minha culpa.
Era tudo culpa minha, eu era um fardo inútil na vida de todos eles, e nada poderia mudar aquilo,
ou talvez, não, isso seria muito improvável, pensei.

Olhei para trás e observei Dominik caminhar, seus olhos, sua postura, eu queria me tornar uma pessoa como ele, como Ares, ser alguém autossuficiente e inteligente, ter força, garra e coragem, ser capaz de proteger quem eu tanto amava.

- Dominik?
Falei, cessando todos os meus passos.

- Sim?!

- Posso te pedir algo?

- Sim, o que quiser!
Ele disse com um tom de segurança.

- Me ajude?

- A?

- Seja meu professor?

- Como assim?-Eu não estou entendendo!

- É simples, quero ter uma arma, quero ser como você, me ensine a lutar?!


...

Aos 18Onde histórias criam vida. Descubra agora