Capítulo 11 Micropartículas

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Um homem de terno passou apressado e esbarrou nela, que estava ainda parada em uma esquina com o rosto erguido, olhando para as pontas dos prédios. 

Pardon! — disse o homem, virando-se para trás, mas sem diminuir o passo. Lisa queria falar algo, mas não lembrou como dizer que não tinha sido nada, que não estava machucada. Então, sem refletir muito, gritou para o rapaz: 

Pardon! — Parecia que o homem não tinha escutado, continuava em seu passo voraz. A garota ouviu uma risada próxima, olhou ao redor e viu um rapaz magro e encurvado fumando, sentado em um dos degraus de uma pequena escada do prédio de esquina. 

— Você deve dizer impoli — aconselhou, em português, o desconhecido, que soltou fumaça fedorenta para cima, atingindo o rosto de Lisa. — Não se responde a um pedido de perdão concendendo perdão. 

 — Impoli. Vou lembrar disso. Como sabe que sou brasileira? — perguntou formando uma ruga no meio da testa, expressão que sempre surgia no rosto dela quando se sentia intrigada. 

— Eu sou brasileiro. Conheço outros brasileiros e você com essas blusas finas uma em cima da outra tem cara de quem vem de um país tropical. Deve estar morrendo de frio, está toda encolhida. 

— Tá totalmente certo. Não tive muito tempo pra planejar a viagem ou me preparar pra ela. Mas eu vou comprar algum casaco decente por aqui e voltar a saber o que é não sentir frio. Conhece alguma loja que tenha um preço bacana e um casaco bem quente nessa rua? 

— Nem eu nem ninguém conhece, porque nessa rua é tudo muito caro. Se é isso que você está procurando, vá em frente. Se não, te aconselho a dar um pulo na Rue de Rivoli. 

— É muito longe daqui? 

— Não, mas, para facilitar a sua vida, acho que posso te oferecer um guia — falou o rapaz, apagando a bituca de cigarro com as mãos, para a surpresa de Lisa, e a jogando em um lixo próximo. 

— Você seria esse guia? — perguntou Lisa, quando ele retornou do curto trajeto feito para se livrar da bituca. Calculou que não seria bom, logo no primeiro dia de viagem, confiar em estranhos assim. Na verdade, não deveria fazer isso em nenhum dia. 

— É minha irmã, Carolina. Ela veio me visitar semana passada. Vai ficar mais uns dois meses aqui comigo. Amo ela, mas ela é muito agitada, não para no lugar e vive me perturbando no meu trabalho. Não gosta de ficar sozinha — disse ele, arregalando os olhos e acendendo um novo cigarro.

— Ela já visitou muitos lugares? 

— Já conhece até que bem a cidade; subiu na Torre Eiffel mais de duas vezes, está querendo ir pela terceira vez; tá me deixando louco. Falei pra ela sossegar e ficar mais em casa, ela tá dividindo o quarto comigo, mas acorda com as galinhas e já sai cantando porta afora antes que eu consiga abrir os dois olhos. 

— Queria ter metade da energia da sua irmã — disse Lisa, mordendo o lábio inferior e cogitando se deveria aceitar a oferta do rapaz. Não tinha noção se saberia lidar com alguém com tanta energia assim. 

— Vocês poderiam fazer companhia uma pra outra. Quer dizer, a não ser que você vá encontrar alguém... 

— E cadê ela? — perguntou Lisa. 

Talvez fosse uma boa ideia. Afinal, ela precisava de um casaco urgente e tinha alguém que sabia onde ela poderia comprá-lo por um preço promissor. Sempre foi de pensar exaustivamente para decidir alguma coisa, queria passar a ser um pouco mais livre e buscar novas experiências. Aceitaria a companhia da garota, por mais que isso a deixasse apreensiva. 

— Ela tava aqui agora há pouco. Tenho um intervalo, no final da tarde, de 20 minutos. Daqui a pouco preciso voltar ao trabalho. A gente se despediu faz menos de dez minutos. Ela não deve estar longe. Quer que eu ligue pra ela? 

— Tá bom — respondeu rapidamente Lisa. Se pensasse muito, sabia que ia ponderar e não aceitar. Poderia ser a única chance de ter uma companhia na sua viagem, nunca foi de conseguir puxar assuntos com estranhos e fazer amizades de forma rápida. 

— Tá feito — disse ele, depois de fazer a ligação para a irmã. 

— Ela tá correndo pra cá. 

— Ótimo! Obrigada... Qual é o seu nome? — perguntou Lisa. 

— Rafael, moro em Paris há dois anos, pulo de um bistrô ao outro, fazendo estágios, estou para terminar meu curso — explicou ele.

— Você estuda gastronomia? — perguntou ela, curiosa. 

— Ah, a propósito, me chamo Lisa. 

— Então, Lisa, estudo sim. Na verdade, daqui a seis meses, termino meu curso e pretendo voltar ao Brasil, meu sonho é montar algo por lá. Fora que bate a saudade da família.

— Sua cidade é no Estado de São Paulo? 

— Campinas. E você é da capital?

— Sou sim — disse Lisa, que, em seguida, tossiu copiosamente ao aspirar um pouco da fumaça da última baforada de cigarro do brasileiro. 

— Desculpe, eu não queria... — tentou se desculpar ele, ao mesmo tempo que a segurava pelo braço e tirava a garota do meio da calçada, aproximando-a das grades que circundavam o prédio. 

Quando ele pegou no braço dela, a dor espalhou-se de forma intensa, como se dentro do braço explodisse um pedaço de vidro em micropartículas e, com isso, um dos ossos se estilhassasse. 

— Ah! — berrou Lisa, no que Rafael deu um pulo para trás, assustado com a reação dela. Algumas pessoas ao redor olharam para eles, tentando entender o ocorrido. 

— Eu nem te apertei tanto assim — protestou, encabulado. Lisa não respondeu, apenas massageou o braço, tentando amenizar a dor que se dissipava aos poucos. Havia ficado assustada com a própria reação ao toque. Imaginou se a sua doença não estaria afetando seus membros. Seus pensamentos foram interrompidos com outro grito, dessa vez mais estridente.

***

— Meu Deus! O que fez com ela? Não posso te deixar um minuto sozinho, Rafa? — bradou uma loira com sardas, magra como o irmão, parecendo uma modelo, com um vestido rosa curto, meias finas, bota de cano alto e um casaco longo preto. Lisa não conseguia parar de olhar o casaco, sua vontade era de tocá-lo, vesti-lo e sair do frio que começava a ficar insuportável.

— Eu não fiz nada com ela, Carol! — defendeu-se, amuado, Rafael, cruzando os braços.

— Desculpe o meu irmão, ele é bem desengonçado, estranho mesmo. Ele parece um boneco inflável em um vendaval, não tem controle sobre os membros do corpo, vive esbarrando em todo mundo! — gritava a menina, arregalando os olhos azuis, coroados com cílios postiços enormes.

— Não foi culpa dele, foi apenas um mal jeito no braço — desconversou.

— Eu sou Carol, sua nova guia e companheira para todas as horas — disse ela abraçando forte Lisa e apertando o braço dolorido. Dessa vez, Lisa mordeu os lábios e tentou não gritar.

— Certo, meninas, já vi que se acertaram... Meu intervalo já acabou, tenho que voltar para o bistrô — avisou ele, dando um suspiro desanimado.

Hoje é dia de happy hour, o pessoal do restaurante vai fazer um jantarzinho de sobras hoje, apareçam as duas por volta das 22 horas. Vai ser divertido! — disse ele antes de se virar e atravessar a rua correndo.

— Liga não, ele é esquisito assim desde sempre.

— Sem problemas, todos temos uma cota de esquisitice. Não concorda, Carolina?

— NÃÃOOO! — gritou dramaticamente a garota.

— Jesus! Não o quê? — perguntou, assustada, Lisa.

— Não me chame de Carolina! Carol, Carol, repita comigo: Carol. Vamos lá... — insistia, arregalando os olhos e se inclinando para Lisa de uma forma que ela achou assustadora.

— Ca... Carol — disse Lisa, dando um passo para trás, perguntando-se se teria arrumado uma guia louca que a jogaria de cima da Torre Eiffel.

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