Capítulo 18 Habilidade de mentir

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Não havia um palco, o palestrante estava no mesmo nível do chão do público, ele apenas tinha uma posição de destaque à frente dos presentes. Lisa agora estava grudada na parede quase como que uma mancha de extrato de tomate que respingou, enquanto observava o garoto recém-saído da puberdade recolher o aparelho do chão e tentar reconectá-lo. 

Tudo pareceu uma eternidade para Lisa, até que finalmente conseguiu encarar Derek e dar algumas palavras para uma plateia que a olhava em silêncio. Não se lembrou de nenhuma palavra em francês que se encaixasse no momento vivido. Então, optou pela língua inglesa.

— Desculpe! Eu... Foi sem querer. Eu abri a porta errada e... 

— Senhores — interrompeu-a Derek, projetando sua voz através do microfone de lapela. 

— Tivemos um problema com o retroprojetor. A jovem parece que não se sente bem — disse Derek, em francês.

— A senhorita precisa de ajuda? — perguntou ele, de maneira solícita, em inglês. Um alívio brotou do peito de Lisa, que pensou que ele iria ridicularizá-la como fizera da primeira vez em que se viram, mas, pelo jeito, ele havia resolvido ser gentil, ao menos na frente de muitas pessoas. 

— Não! Estou melhor. Foi apenas um acidente.

— Tudo bem — disse ele polidamente a ela, logo voltando-se para a público e falando em um francês fluente. No final de sua fala, Lisa sentiu-se mais sem graça ainda quando os presentes começaram a rir, questionou-se se era dela. Viu, horrorizada, Derek se aproximando de forma rápida; para fugir dele, Lisa se esgueirou ainda mais pelas paredes e se afastou o máximo que conseguiu. 

Ele não teve como chegar muito perto. Percebendo que ela, de forma bem visível, fugia, o chefe se contentou em conversar com o rapaz responsável pelo retroprojetor. Lisa colocou uma mão úmida de suor na testa, lamentou que tinha grandes chances de ter que pagar por um aparelho novo, pois pelo jeito ela havia quebrado a máquina. 

Não queria ficar sentada na frente de todos, mas atravessar o salão sendo observada por ser a garota calçando tênis que arruinou a palestra lhe pareceu ousadia demais. Sentou-se na única cadeira vaga na segunda fileira e torceu para logo ser esquecida, o que desconfiava que seria impossível. 

Tão logo Lisa se acomodou, Derek voltou a falar em francês. Ela não entendeu completamente o teor da fala dele, mas, com certeza, não era que o aparelho voltou a funcionar, porque a máquina foi carregada para fora do espaço pela mesma porta que ela drasticamente havia feito sua entrada memorável. 

Como se nada tivesse acontecido, Derek palestrou por mais uma hora, a todo instante pedindo a participação do público e sendo correspondido. Rodeado de taças de vinhos e garrafas, ele habilmente explicava sobre como escolher um bom vinho, assim como as diferenças entre as bebidas feitas das uvas Chardonnay, Pinot Noir, Tannat, Merlot, Malbec e Cabernet Sauvignon. Também tratou sobre as cores e o teor de açúcar das bebidas. 

Apesar de pouco entender o que ele falava, Lisa chegou a ficar com certa inveja da eloquência dele. Lembrou-se de que, no último ano do ensino médio, fez uma apresentação de trabalho; engasgou com uma bala e teve de ser socorrida pela professora, que foi obrigada a enfiar dois dedos em sua boca e retirar uma goma colorida e melequenta que quase a sufocara. 

Já Derek sorria com frequência, olhava as pessoas nos olhos e fazia a plateia rir! O ambiente era dominado pela sua energia e liderança. As pessoas nem sequer conversavam entre si ou se distraíam. Absorviam cada palavra dele como se fosse algo vital para a vida. Pela primeira vez, Lisa reparou na elegância das pessoas ao redor. 

A maioria dos convidados estava de traje social. As mulheres usavam calças sociais ou vestidos elegantes, acompanhados de sapatos de saltos que pareciam saídos de propagandas de revistas, o que fez Lisa enfiar os pés embaixo da cadeira. Já os homens estavam de calça e camisa, alguns até mesmo de terno.

Foi com alívio que Lisa presenciou Derek agradecer os presentes, abrir a degustação de vinhos da casa, assim como liberar o coquetel, depois de uma chuva de aplausos. A brasileira aproveitou o momento para ficar nas pontas dos pés e tentar ver onde Carolina estava sentada. Ela viu a amiga do outro lado do restaurante, sentada ao redor de uma das poucas mesas ainda disponibilizadas. 

Após alguns empurrões leves, Lisa sentou-se na cadeira vazia ao lado de Carolina, que a recebeu com um abraço sufocante.

— Pensei que você não viesse mais!

— Acho que não deveria ter vindo mesmo!

— Depois da sua entrada marcante, terei que concordar com você, mas, já que está aqui, acho que devemos nos divertir!

— Não estou a fim! Vou embora, antes que o Derek me encontre. Se eu tiver muita sorte, pretendo não ter que vê-lo nunca mais. Mas avisa seu irmão que pagarei pelo estrago. 

— Eu acho o Derek um arrogante, mas devo admitir que o cara é um orador nato. 

— Você, que arrasa no francês, me fala o que ele disse para o público depois que eu quebrei o treco de projeção! 

— Ele apenas se desculpou por não poder mais mostrar os slides e continuou com a palestra como se nada tivesse acontecido — relatou Carolina. 

— Com licença, esse lugar é meu, fui apenas no toilet — disse uma voz atrás de Lisa, que se virou e se deparou com Carmem, a francesa que ela havia encontrado há alguns dias no bistrô.

— Desculpe, eu não sabia — disse Lisa um pouco constrangida, levantando-se de forma brusca e arrastando os pés da cadeira no chão. Conforme levantava, chamava a atenção de algumas pessoas ao redor. Olhou para onde havia visto Derek pela última vez e não mais o viu. Ficou receosa dele estar por perto e resolveu ir embora o quanto antes. 

— Até logo, meninas — disse Lisa para Carolina e Carmem. 

— Eu preciso ir — continuou, fingindo não escutar os protestos de Carolina. Estava a menos de quatro metros da porta quando sentiu um leve roçar de dedos em seu antebraço direito. Derek mal a tocara, mas ela sentia como se ele a chacoalhasse com agressividade, diante dos batimentos compulsivos de seu coração. 

— Preciso falar com você — disse Derek que, com precisão, conduziu-a na direção da mesma porta que Rafael a havia feito atravessar mais de uma hora atrás. 

— Eu não posso, estou indo embora — protestou ela, tentando se desvencilhar dele. 

— Ou você entra por essa porta ou vai chamar a atenção, e acho que você já fez muito disso hoje. 

— Eu vou gritar — ameaçou ela. 

— Pode começar, mas saiba que eu vou dizer que você está tendo uma crise de ciúmes quando eu não te liguei depois de um péssimo encontro. Péssimo para mim, diga-se de passagem, já que para você foi memorável ao ponto de você quebrar o retroprojetor de propósito, para dar vazão a sua frustração por ter sido rejeitada — disse ele de maneira serena. 

— Isso é uma mentira! 

— Grite então. E teste a minha habilidade de mentir perfeitamente. 

Ela não conseguiu protestar, apenas abriu a boca surpresa com a audácia dele e se deixou levar para dentro do mesmo escritório que ela tinha visto da outra vez. 

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