Capítulo 25 O ancião do vagão de terceira classe

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Depois de aspirar fundo, Lisa segurou o ar por alguns segundos e depois expirou. Queria sentir aquele ar puro. A visão era de tirar o fôlego. Um lago que refletia as copas de diversas árvores que estavam plantadas na margem. Lisa preferiu primeiro conhecer a parte externa da casa de campo de Liev Tolstói. 

Acreditava que o escritor encontrava a serenidade para escrever ao olhar para o lago, passear pelo parque ao redor da casa. Sabia que Tolstói acordava cedo, fazia exercícios físicos e, às vezes, participava da colheita da propriedade para sentir como era a vida simples do trabalhador. 

Lembrou-se de uma foto do escritor em que ele estava sentado em uma cadeira no jardim, era maio de 1908. Era o primeiro retrato colorido tirado na Rússia. Tolstói estava com barba, longa e branca, e bigode. Usava botas pretas de cano alto, calças de uma cor que Lisa não tinha conseguido definir se era marrom ou cinza. Camisa de mangas compridas azul e um olhar para a câmera que desafiava. Era como se ele perguntasse: O que você quer?

— O que você quer? — perguntou-se em voz alta Lisa. Após cinco minutos em silêncio, ela respondeu para si mesma, olhando para o lago: — Eu não sei. Talvez eu queira gostar de quem sou. Talvez eu ainda não seja o que realmente tenho que ser. 

Há alguns anos, ela havia lido uma biografia do escritor que contava que o Tolstói vivia insatisfeito com uma vida de significativo conforto. Na velhice, tornou-se um pacifista e anunciava a importância de uma vida simples e em proximidade com a natureza. 

Lisa havia viajado na tarde do dia anterior de Paris para Moscou, na Rússia. Logo que desembarcou, dirigiu-se para Iásnaia Polyana, nome abreviado de Iasseneva Polyana, que significa, em português, Clareira Límpida, local onde nasceu e viveu por certo tempo o russo. Lisa se hospedou em um hotel perto da casa, localizada a 200 quilômetros a sudoeste de Moscou. 

O escritor russo tinha também uma casa na capital da Rússia, que foi transformada em museu. Lisa planejava visitar a residência nos próximos dias; preferiu começar pela casa de campo onde ele escreveu seus principais livros. 

Ela escutou vozes sussurradas de um grupo de senhoras russas. Elas se aproximavam do local onde ela estava e ficaram em silêncio absoluto por alguns minutos. 

Uma das senhoras usava um vestido florido azul e um casaco de lã verde com rosa, além de um pequeno chapéu branco de tecido com pequenas abas. O rosto enrugado era sério. A senhora puxou conversa com Lisa em um inglês difícil e cheio de erros. 

— Você é espanhola? — perguntou a senhora baixa, que batia no ombro de Lisa. 

— Não, senhora, sou brasileira. 

— Brasil! País quente! 

— Põe quente nisso! — disse Lisa, animada, percebendo que o olho esquerdo da mulher era diferente do outro, tinha uma enorme mancha branca. 

— Sou cega de um olho — explicou a senhora, percebendo o olhar de Lisa. 

— Me desculpe! Eu não estava reparando! — tentou se expressar, sentindo-se acanhada. 

— Deixe isso para lá. É a verdade! Só enxergo de um olho e é muito mais do que muita gente tem — disse, voltando a ficar em silêncio. 

— A senhora é de Moscou? — perguntou Lisa, tentando mudar de assunto. 

— Sim. Vim com uma excursão organizada por um grupo de senhoras. Nosso ônibus está parado não muito longe daqui. Você mora em Moscou também? 

— Não, vim só conhecer a casa de Tolstói. Muito em breve voltarei para o Brasil. 

— Quer dizer que gosta dos escritos russos? — perguntou a senhora logo em seguida, tossindo. 

As casas dos 7 escritores (LIVRO COMPLETO!)Onde histórias criam vida. Descubra agora