Lisa concluiu que, se Carolina, quer dizer, Carol, não era louca, ao menos parecia ser. Nunca em toda a sua vida tinha sido literalmente arrastada como uma boneca de pano para cima e para baixo, aos gritos de uma adolescente com energia de lutadores de MMA.
— A gente pode sentar um pouco? Andamos muito, e meus pés estão sofrendo dentro dessa bota — disse Lisa, sentando em um banco de uma pequena praça. O céu já estava escuro há horas.
— Descanso é para os fracos. E, além do mais, meu irmão está nos esperando no restaurante. Vamos imediatamente. Lisa foi puxada pelo braço por dedos finos e longos de uma garota que parecia ter força para mover um caminhão do lugar. Cogitou qual seria a fascinação desses irmãos em puxar seu braço.
Não demorou muito para a dor ser esquecida no que ela corria pelas ruas de Paris atrás de uma garota de vestido rosa. Lembrou-se de quando era criança e via a cidade de São Paulo, à noite, de dentro do carro Volkswagen Fusca azul da família. Gostava de contar quantas luzes tinham pelo caminho e, quanto mais contava, mais ficava feliz e sorria através da janela do carro, que ficava embaçada com sua respiração, pois sempre apreciou colar o rosto no vidro dos automóveis.
Enquanto corria em Paris, começou a contar as luzes. Eram tantas! Iluminavam prédios tão charmosos, ruelas e grandes ruas. Alumbravam os rostos de pessoas encolhidas em seus casacos, algumas com chapéus. Lisa não sabia explicar, mas ela sentia que naquela corrida ia deixando algumas coisas pesadas pelo caminho.
Talvez frustrações? Medos? Não tinha certeza que pesos eram esses, mas, quanto mais corria, mais rápida conseguia se tornar. Quando chegaram nos fundos do bistrô, ela e Carolina gargalhavam de forma esbaforida. Encostadas na parede do pequeno estabelecimento, tentavam recuperar o fôlego.
Sentiu-se uma criança travessa, que faz coisas sem sentido, sem, contudo, importar-se com isso. Viveu o momento de uma forma simples, correndo e depois absorvendo o ar desesperadamente, encostada em uma parede de tijolos vermelhos a uma distância de mais de nove mil quilômetros de sua casa.
O ataque de riso tinha quase se dissipado quando ela começou a sentir dormência na ponta dos dedos dos pés. Reconheceu que deveria ter comprado meias mais grossas, talvez de algum tecido mais quente. Ainda escorava-se na parede quando sentiu que era observada. Olhou assustada para a direita onde ficava a porta dos fundos do bistrô e viu alguém na sombra, com as mão nos bolsos e um dos pés apoiados na parede.
Não dava para ver o rosto direito, só para ver que era um homem e que o cabelo acobreado era rebelde e quase chegava a altura dos ombros. Lisa deduziu que a pessoa na sombra havia visto seu ataque de riso e começou a ficar envergonhada. Carolina havia sentado no chão e parecia morta, com os olhos fechados e o corpo todo mole.
— Acho que finalmente a pilha dela acabou. — Fez-se ouvir uma voz rouca, em um inglês claro e pausado. A frase foi dita pelo rapaz desconhecido de forma debochada, referindo-se à Carolina.
— O senhor mal-humorado se dirigiu a nós, meros mortais! Uma salva de palmas, minha gente! — disse Carolina, sem voltar a abrir os olhos ou se mover.
— Que desafiante a mente dessa garota... Ela sabe colocar apelido nos outros. É o que faz de melhor — retrucou ele.
— Meu irmão está aí, Derek? — perguntou Carolina, levantando-se de um pulo ligeiro e abandonando a postura defensiva.
— Tá lá dentro — limitou-se a responder o rapaz.
— Você pode chamá-lo? — perguntou. Um silêncio constrangedor bastou para Carolina entender a resposta.
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As casas dos 7 escritores (LIVRO COMPLETO!)
ChickLitQuando Lisa perde a sua avó Rose, a única pessoa que entendia seu amor por livros, ela repensa o seu relacionamento nada saudável com um viciado em jogos digitais, o tratamento contra a lúpus que enfrenta, seu emprego sem futuro e sua tendência a pr...