Capítulo 31 Tão clichê

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Eles estavam sentados no chão da cozinha, ela encostada na geladeira e com a pernas esticadas; no colo, estava um prato com restos de um risoto de queijo que Derek lhe preparara, quando não havia mais clientes para atender. 

Com as costas apoiadas no armário da pia e as pernas dobradas, ele tomava uma cerveja e comia iscas de peixe empanadas fritas. Comeram em silêncio, cansados para fazer qualquer coisa que não fosse levar comida à boca. 

Do nada, Derek começou a rir, no começo era um riso leve, que foi crescendo até ficar incontrolável. Ela não sabia o motivo, mas vê-lo rindo daquela maneira tão livre a fez começar a rir também. Após algum tempo, ela conseguiu se controlar. 

— Do que a gente tá rindo mesmo? — perguntou, enxugando lágrimas dos olhos. Com o comentário, ele riu mais alto. 

— Lisa... — ele interrompeu a fala e respirou fundo, tentando se controlar. 

— O que você pensou que aconteceria jogando um monte de detergente dentro de uma máquina? Cara, eu nunca vi tanto sabão na minha vida. Você quase acabou com a cozinha! 

— Mas eu sequei tudo! E aquelas bolinhas caíram sem querer, não sabia que iriam causar tanto problema. E, na verdade, te ver caindo de bunda foi bem engraçado — disse ela, voltando a rir. 

— Pois eu devia dar umas palmadas no seu traseiro para ficar tão dolorido quanto o meu. 

— Você não se atreveria! 

— Não, não me atreveria. Palmadas para mim, só entre quatro paredes, de leve, valendo para ambas as partes, desde que prazerosa e, lógico, consensual. 

— Eu não preciso saber das suas preferências sexuais, me poupe. 

— Aposto que imaginou a cena na sua cabeça — disse ele. 

— Volte a rir que estava mais interessante do que suas ideias idiotas. 

— Falando sério, Lisa, muito obrigado por me ajudar. Depois que você quase imaginou que eu coloquei fogo na cozinha, gritou por socorro, quebrou o prato, alagou o pub, me fez cair no chão, finalmente, você passou a agir como uma pessoa normal e lavou panelas gigantescas, frigideiras queimadas, pratos nojentos e até cortou cebola sem chorar. Você é um espetáculo. 

— Eu sabia que viveria para ouvir você falar isso. 

— Sobremesa? — ofereceu. 

— Por favor. 

— O que você quer? — perguntou ele, levantando-se com custo do chão. 

— O que você tem?

— Tudo aquilo que você me viu montando em pratos de sobremesas nas últimas horas. 

— Na verdade, eu gostaria de algo mais leve, nada de tortas, bolos, pudins ou sorvetes. Tem frutas com alguma cobertura ou algo do tipo?

— Vou ver o que posso fazer por você — disse ele, abrindo a porta da geladeira. Lisa aproveitou para checar se seu celular tinha ligações de Carolina e de Ethan. Visualizou o horário que ele havia ligado e constatou que havia sido há trinta minutos. Sentiu vontade de ligar e falar um monte para ele. 

— Gosta de manga, abacaxi e morango? — perguntou Derek. 

— Lógico! — respondeu ela, antes de voltar a pensar nas atitudes de Ethan. Não somente por tê-la deixado esperando, assim como a vez que não fora buscá-la no aeroporto, mas principalmente por permitir que seus funcionários trabalhassem em condições precárias. Tentando esquecer as atitudes do irlandês, resolveu mandar mensagem de voz pelo celular para Carolina. 

— Oi, Ca. Respondendo a sua pergunta, não houve encontro. Te explico depois. Podemos nos encontrar daqui a vinte minutos. Pode ser na frente do St. Stephen's Green Park. 

— Aqui está sua sobremesa, Li — disse Derek, sentando-se perto dela e entregando uma taça com frutas, cobertas com chantilly e raspas de chocolate. 

— Nossa, você leu minha mente. Era tudo o que eu precisava. 

— Ela começou a comer o chantilly. A taça estava perto do rosto dela. Após alguns segundos, ela viu, de canto de olho, que Derek olhava fixamente para a taça. 

— O que tá planejando? — perguntou ela, desconfiada. 

— O quê? Tá imaginando que eu vou jogar chantilly na sua cara? Que eu seria capaz dessa brincadeira idiota? Isso só acontece em filmes bobos de romance, com palhaços em circos ou programas de televisão antigos de perguntas e respostas. 

 — Confesso que, quando vi você olhando para o chantilly, isso me passou pela cabeça, mas é tão clichê, né? 

— Totalmente, e eu fujo de clichês. 

— Que bom! 

— Apesar de que hoje o dia foi bem atípico. Acho que posso não ser tão adorável e racional como sempre, né? 

— O que quer dizer?

— Que detestar clichês não te impede de cometê-los, quando estritamente necessário — disse ele, empurrando de leve a taça ao ponto do chantilly borrar o nariz dela. 

— Cara de pau! — reclamou ela, limpando o creme com as costas da mão direita. 

— Você mereceu, por todos os danos psicológicos e físicos que me fez passar essa tarde! — Assim como você merece o que vou fazer com você — disse ela enfiando alguns dedos na taça e esfregando na cara dele o creme branco. 

— Que delícia! — disse Derek passando a língua em um pouco do doce que estava no canto da sua boca.

— Você é muito imbecil! 

— E, para ficar mais clichê, podia rolar um beijo. É o que acontece depois de morangos e chantilly — disse ele, ficando sério e a encarando. Lisa rapidamente concluiu que realmente tinha vontade de beijá-lo, mas olhou ao redor e lembrou-se de que estava na cozinha do restaurante de Ethan e, além do mais, as coisas estavam ficando complicadas. Cada vez mais, ia se sentindo perigosamente confortável ao lado de Derek.

— Acho que é muito clichê para um dia só. E, além do mais, eu tenho que ir embora, chef — disse ela, abaixando a cabeça. Eles ficaram alguns segundos sem nada dizer. Ele falou primeiro. 

— Bem, obrigado pela ajuda — disse ele, levantou-se com um pulo e estendeu a mão para ajudá-la a se levantar. Os dois ficaram frente a frente, em pé na cozinha. Ela, meio sem jeito, agachou-se para pegar a taça da sobremesa que estava quase vazia no chão e a colocou em cima da pia.

— A gente se vê em casa à noite, acho — disse ela indo em direção à porta. 

— Ele te deixou esperando, nem deu notícias. Você acha que ele é o cara certo pra você? — perguntou ele, quando Lisa estava para sair da cozinha. 

— Olha quem fala... E você, por um acaso, pode ser o cara certo pra mim? — perguntou ela, saindo da cozinha antes de ouvir qualquer reposta. Quando já se despedia de Catriona, ele sussurrou: 

— Talvez eu possa.

As casas dos 7 escritores (LIVRO COMPLETO!)Onde histórias criam vida. Descubra agora