Capítulo 64 Apenas uma prova de amor

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Haviam se passado quase dois meses desde a chegada de Derek ao Brasil. O suor escorria pelas suas costas. Acordou assustado cinco minutos antes do despertador tocar, o alarme tinha sido programado para as sete horas da manhã.

Abriu sua mala, retirou uma bermuda jeans nova, ainda com etiqueta, escolheu uma camisa de manga curta amarela e foi tomar um banho rápido. Levantou a porta da loja de livros e se deparou com um dia ensolarado, tão comum em São Paulo, ao menos quando comparado com cidades europeias onde ele já havia morado.

Encontrou, na porta, um dos trabalhadores encarregados de restaurar o piso de madeira da loja.

— Bom dia — falou em português.

Já se sentia mais seguro com a língua. Concluiu que a aprendizagem do idioma era apenas um pouco mais complicada que a do francês; até mesmo achou muitas palavras similares entre as duas línguas.

— Bom dia, patrão. Posso entrar? — perguntou o moço de cabeça raspada e com braços musculosos.

— Fique à vontade. Vou na malharia e já volto — disse ele.

— Padaria, chef, malharia é outra coisa — corrigiu o rapaz chamado Pedro e que já estava trabalhando com Derek há mais de três dias.

— Obrigado, Pedro! Vou padaria! — disse ele, esquecendo-se de usar preposição na frase. Dessa vez, Pedro não o corrigiu.

Depois de tomar café da manhã, Derek voltou para o sebo e o que viu o deixou animado. As duas geladeiras que ele encomendara chegaram, um caminhão estava parado na frente do sebo com o pisca alerta ligado.

Tudo estava praticamente pronto no que se referia à parte de móveis. Agora faltavam os detalhes. Depois que os entregadores deixaram os eletrodomésticos dentro da loja e já saíam com o caminhão, o carro de Rafael estacionou no lugar. O brasileiro tinha pedido demissão do trabalho há duas semanas e agora ajudava Derek em período integral com as obras.

Mas quem saiu de dentro do carro de Rafael foi a irmã dele, Carolina. Derek não a via desde quando tinha saído de Dublin.

— Carol! Que bom te ver — disse ele, surpreso.

— Eu digo o mesmo! Pensei que nunca mais veria o senhor mal-humorado na minha vida! — disse ela, abraçando-o afetuosamente.

— O que faz aqui?

— Meu irmão precisou ir ao médico e mandou te avisar que vem pra cá à tarde. Eu cheguei ontem de Campinas e vim ajudar.

— Ajudar em quê? Tá tudo quase pronto.

— Eu sou ligada em design de interiores. Quero ajudar com a decoração tanto do restaurante quando do sebo. Não vou cobrar nada, quero fazer isso pela minha amiga Lisa e, lógico, pelo babaca do meu irmão.

— Perfeito! A ajuda será bem-vinda — disse ele, alvoroçado. Apesar de ter noções de decoração, estava tão cansado ultimamente que uma ajuda a mais não seria nada mal.

— Então vamos lá! Quero conhecer o lugar para entender a proposta disso aqui — disse ela, entrando na loja.

— Vou te explicar tudo — disse ele, a seguindo.

— Essa área é a do sebo?

— Isso mesmo. É um conceito livraria-restaurante. Tem essas portas de vidro, que dividem os dois ambientes, mas elas são de correr e são intercaladas nessa parte e, se arrastadas, dão um conceito aberto, unindo o restaurante ao sebo para eventos diversos. O restaurante e o sebo viram um espaço só, ao menos aqui nessa parte. É um empreendimento híbrido.

— As pessoas podem tomar café em meio a livros antigos! Também podem ocorrer lançamentos de livros, saraus, clubes do livro. Tudo isso que a Lisa gosta — sugeriu.

— Essa é a ideia.

— Bem que Rafael falou que a sociedade que você ofereceu a ele era a melhor coisa que poderia acontecer, que o espaço seria único na cidade, revolucionário. Isso aqui está lindo! — disse ela, reparando nas estantes recém-chegadas de madeira escura, mesmo material do balcão.

De um tom de marrom mais claro, vinha lustroso o quase totalmente reformado chão de madeira. Mesas brancas redondas e pequenas se espalhavam pela loja, que além de livros usados, tinha uma revistaria. Em cima de algumas mesas, pendiam lustres baixos.

Nos fundos da loja, havia os banheiros, além de uma seção de discos de vinil usados à venda e uma vitrola antiga exposta.

— Depois eu vejo o restaurante, primeiro eu quero entender o que você quer passar pra Lisa. O que quer que eu faça aqui?

— É um local rústico chique. Quero delicadeza em meio à madeira, que simboliza o forte. A Li gosta de uma máquina registradora antiga. Eu preciso que você ache algum lugar para consertá-la e restaurá-la. Ela dará um ar retrô ao espaço, assim como a vitrola antiga. Nos fundos, eu ampliei o escritório dela. Lá, quero que ela tenha uma cadeira confortável. Comprei uma mesa de segunda mão antiga, precisaria ser lixada e envernizada. Também quero uma poltrona pra quando ela precisar descansar e ler um pouco.

— Certo.

— A Li gosta de coisas antigas. Não sei se percebeu, mas há móveis brancos, estilo colonial, espalhados por aí, misturados com objetos modernos. Nos banheiros, quero espelhos emoldurados de branco, ovais. No lugar de pias tradicionais, quero lavabos em cima de gabinetes de madeiras. Saboneteiras combinando com louça branca.

— Vai ficar lindo. Posso ter liberdade pra dar meu toque, né?

— Com certeza, só estou apontando o que eu acho que ficaria bom, mas você tem total liberdade pra mexer em tudo.

— E esse espaço vazio? — perguntou Carolina, aproximando-se da única prateleira branca no meio das demais de cor marrom. A prateleira era grudada na parede e cabia poucos livros, era toda torneada, com detalhes em alto-relevo. Tinha uma iluminação especial ao redor dela.

— Aqui ficará toda a mística desse lugar. É o que dará nome ao estabelecimento, que regerá também o restaurante que fica do outro lado. Essa prateleira é o que representa como tudo começou.

— Estou morrendo de curiosidade. Me conta.

Derek explicou para Carolina a sua intenção, e a garota terminou de ouvir seu relato com lágrimas nos olhos.

— Já vi muitas provas de amor, não necessariamente pra mim, mas em filmes, e essa é uma das mais bonitas.

— A questão da prateleira? — perguntou ele, confuso.

— Isso também, mas o fato de você estar aqui, montando isso para uma pessoa que dorme profundamente, que pode não acordar. E você fez pensando em cada detalhe. Como se ela fosse reparar em cada canto desse lugar. Eu só posso dizer muito obrigada por amar a Lisa dessa maneira. Você é especial.

— Eu não sou especial. Sou tão ordinário que o que mereço é não tê-la, mas sou tão egoísta que insisto. Insisto porque não quero perder, porque não aprendi a perder.

— Talvez seja essa sua teimosia que a trará de volta. Quem sabe? Nunca sabemos.

— É o que eu mais quero. Se isso não acontecer, nada disso fará sentido.
— Derek, tudo isso aqui... — disse ela, olhando ao redor — é uma das coisas que mais fazem sentido, porém poucos ousariam fazer. É amar de uma maneira pura, verdadeira, é renunciar a si em prol do outro.

— Mas eu tenho medo de ela nunca ver isso aqui!

— Mesmo que ela nunca veja, Derek, e me dói ao menos cogitar essa possibilidade, ela estaria extremamente orgulhosa de você. Eu estou muito orgulhosa de você por amá-la mesmo ela não podendo te retribuir.

— Ela não precisa retribuir, pois tudo o que ela já me ofereceu, tudo o que ela já curou aqui dentro — disse ele, apontando para o peito. — É muito mais do que um dia cogitei merecer e muito mais do que alguém fez por mim ou fará.

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