Eles não falaram mais nada. De súbito, parecia que não havia mais assuntos amenos a serem tratados. Lisa ficou aliviada quando o telefone que ficava ao lado do caixa tocou. A garota moveu a cadeira alguns metros e, depois, atendeu a ligação. Começou uma conversa com a pessoa do outro lado da linha, e Derek resolveu olhar os tipos de livros ao seu redor.
— Derek, você pode me fazer um favor? Há uma planilha que deixei em cima da mesa do escritório. Pode pegar pra mim? — pediu Lisa.
— Mas é claro — disse ele, andando apressado para o escritório.
Viu algumas folhas empilhadas em cima da mesa. Pegou todas. Foi quando reparou que havia um pequeno aquário na mesa de Lisa, com um peixe betta azul. Por detrás do vidro, viu uma folha grudada na parede, e o nome Tolstói se destacou, em uma letra redonda e bonita.
Desviou o olhar do vidro do aquário e olhou direto para a folha na parede, havia sete nomes. Derek reconheceu a maioria deles. No topo da folha, estava escrito algo em português que ele não entendeu, mas deduziu que a palavra projeto deveria ser project. Tinha o número sete. Ele viu o nome de Tolstói, Jane Austen, Victor Hugo e Oscar Wilde e lembrou-se que Lisa tinha visitado as casas desses escritores, ou ao menos tentado.
— Ela tem um projeto de conhecer as casas desses sete escritores! — deduziu Derek. — Ela viajou por isso — concluiu.
De forma rápida, com o celular, tirou uma foto da página na parede. Correu para levar as planilhas para Lisa, que, depois de apenas um minuto, encerrou a chamada.
— Lisa, como o Rafael não vai poder me fazer companhia, pensei de eu e você viajarmos pra algum lugar. O que acha? Apenas alguns dias — propôs Derek.
— Agradeço o convite, mas eu tenho uma consulta muito importante para fazer no sábado. Não posso perder, de jeito nenhum.
— Entendi — disse ele, esgotando suas ideias de como poderia vê-la novamente. — E antes disso? Poderíamos sair pra algum lugar?
— Eu tenho que trabalhar aqui e não sei se seria uma boa ideia. Você precisaria ficar me ajudando com a cadeira. Não seria nada muito divertido pra você.
— Não é novidade pra mim te carregar, posso me virar com isso — avisou ele, para desespero de Lisa.
Ela não queria ter que ficar sozinha com ele, não sabia como iria se portar. Tudo estava ficando muito complicado.
— Acho estranho isso, a gente brigou da última vez que se falou. E agora você está aqui como se nada tivesse acontecido. Quem me garante que você não está planejando algum tipo de vingança, sei lá? Eu não estou confortável com tudo isso.
— Bem, seu raciocínio é certo. Pela lógica, você me trocou pelo seu ex, eu te disse coisas duras pelo telefone e, depois de um ano, apareço aqui. Poderia ser vingança, mas não é, simplesmente porque descobri que você mentiu que voltou com o amigo do Sonic.
— Amigo de quem? — perguntou ela, sem entender.
— Seu ex-namorado, o jogador. Sonic é um personagem de videogame — explicou, mostrando certa impaciência por fugir do assunto principal.
— Ah...
— Simples assim, senhorita Lisa — disse ele, cruzando os braços.
— Não sei do que você está falando — desconversou ela, sentindo as mãos ficarem levemente úmidas de suor.
— O jogador de Pac-Man. Você nunca voltou com ele. Mentiu para me afastar .
— Você ficou louco?
— Para de fingir. Vou refrescar sua memória. Você sentiu-se no direito de decidir por mim, porque achou que eu não iria querer ficar com você por causa da sua doença. Vai continuar negando? Queria filmar a sua cara agora desmascarada pra você ver o papelão que está fazendo — disse ele com um sorriso vitorioso.
— Como você descobriu isso? Quem te falou?
— Não estou acostumado a divulgar minhas fontes. Não vim aqui pra brigar, só queria saber como você está, sem mágoas, e, já que está tudo esclarecido, não há motivos pra gente se evitar. Podemos muito bem ter um momento juntos. Não quero jogar na cara, mas, quando você viajou, eu bem que te acompanhei em muitos pontos turísticos da Europa.
— Não vai me fazer bem me aproximar de você agora. Não sei se me entende... Faz um ano, a gente só teve um namorico inconsequente e sem vínculos, no entanto...
— É o seguinte, tenho apenas alguns dias aqui. Não conheço quase ninguém. Preciso de companhia. E você me deve isso. Mentiu pra mim. Teve um tempo que a gente se dava muito bem, não acho que você vai morrer se apenas sairmos um dia.
— Tudo bem — disse Lisa, enquanto uma parte dela a chamava de estúpida.
Tentou sufocar a razão, deixou, pela primeira vez desde muito tempo, ser guiada pela sua vontade. Ela não podia negar que queria mais tempo com ele, independente da sua situação, ela queria um pouco mais de Derek.
— E onde você quer que eu te leve? Na Avenida Paulista? No Parque Ibirapuera? É lindo lá! Poderíamos ir no Museu de Arte de São Paulo, o Masp, ou na Pinacoteca — disse ela de forma rápida, tentando não voltar atrás e dizer que não podia.
Ele apenas tinha um leve sorriso nos lábios, como uma criança que faz travessuras.
— Eu não sei ainda. Posso pensar primeiro? Vou pegar algumas dicas com o Rafael. Pode ser na quinta-feira?
— Tá, eu vou avisar a Jéssica, minha funcionária, e o meu sócio, o senhor Jonas. Ele vem ficar aqui quando não venho; e está me devendo muitos dias.
— Ótimo, porque, assim, você pode cobrar o que ele te deve e programar uma viagem rápida. Seria perfeito dois dias, ao invés de um. A gente sai na quinta e volta na sexta. Pode ser?
— Acho que minha mãe não iria... Tá. Eu aceito — disse ela, mordendo a própria língua como forma de se repreender por ser uma pessoa fraca e não conseguir negar os pedidos do escocês. Era justamente o que ela achava que deveria fazer, mas não o que ansiava.
— Perfeito! — disse ele, encostando o cotovelo na máquina registradora, que abriu de forma barulhenta. Derek levou um susto. — É brincadeira, né? Você devia se livrar disso.
— Eu gosto dessa geringonça, ela precisa apenas de um conserto — disse Lisa. — Sobre a viagem — voltou ao outro assunto —, eu só preciso conversar com minha mãe primeiro, quando estou aguardando resultados de exames, ela fica uma pilha de nervos, não me deixa fazer nada. Tá bem neurótica.
— Se você quiser, eu posso conversar com ela.
— Não! Ela te detesta.
— Como assim? Eu nunca vi sua mãe antes! Você falou mal de mim pra ela? — perguntou ele, desconfiado.
— Não precisei falar. Digamos que ter mentido pra você e terminado não foram uma coisa muito boa pra minha recuperação. Fiquei bem mal por um tempo, e ela acabou ficando com bronca da sua existência, sabe?
— Compreendo, eu mesmo não lidei muito bem com isso. Digamos que foram tempos difíceis.
— Foram, mas passou. Superamos!
— Superamos? — perguntou Derek, fitando-a nos olhos.
— Eu... eu preciso fazer uma rápida ligação — disse Lisa, apertando esbaforida o botão errado de sua cadeira e quase atropelando Derek, que deu um pulo para o lado para não ser atingido.
— Desculpe, pensei que era o botão para dar ré — explicou ela.
— Tudo bem — disse ele.
— Já volto — disse ela, aparentando estar perdida.
O barulho irritante da cadeira antiga voltou a ecoar no sebo.
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As casas dos 7 escritores (LIVRO COMPLETO!)
ChickLitQuando Lisa perde a sua avó Rose, a única pessoa que entendia seu amor por livros, ela repensa o seu relacionamento nada saudável com um viciado em jogos digitais, o tratamento contra a lúpus que enfrenta, seu emprego sem futuro e sua tendência a pr...