Apesar de ter dito que detestava museus, Carolina estava cansada de ficar sozinha enquanto o irmão trabalhava e resolveu acompanhar Lisa na visita que ela faria à antiga casa do escritor francês Victor Hugo. Lisa não estava muito contente com a companhia da garota. Ir a um museu requer tempo, paciência e paixão por aquilo.
Carolina esbanjava impaciência e tédio no passeio, e elas ainda estavam dentro do metrô. As duas desceram na estação Bastille e logo chegaram à praça de mesmo nome. Depois de caminhar mais um pouco, Lisa parou na frente de uma residência familiar. Ela checou o endereço: 6, Place des Vosges.
— Maison de Victor Hugo! — exclamou ao avistar um casarão de tijolos vermelhos e brancos intercalados, com janelas altas, estreitas e brancas. No último andar de três, o telhado era de um cinza-escuro e tinha janelas menores; as molduras em volta delas eram de um bege claro. Para entrar no prédio, tinha que passar por arcos ovais que davam acesso à entrada da casa.
— É aqui! — disse Lisa, lembrando-se de ter pesquisado na internet sobre o casarão.
Sentiu um calafrio, estava conhecendo pessoalmente um local visto por fotos. Imaginar como é um lugar e sua atmosfera é uma coisa, andar pelo espaço era outra. Esqueceu-se de Carolina, passou por um dos arcos e foi em busca da entrada da casa.
— Espera, amiga — gritou Carolina, correndo para alcançar a companheira.
Lisa respirou fundo quando, já no segundo andar do prédio, passou a conhecer cômodos da antiga casa do escritor. Observou, atenta, a mobília clássica. Essa seria a primeira visita das sete planejadas. Pensava se conseguiria finalizar a lista antes que o lúpus voltasse a dar os sinais de que estava na ativa. Terminaria o que havia começado alguma vez na vida ou abortaria seus planos, como sempre? — questionou-se.
— Quais os livros mais famosos dele? — perguntou Carolina, falando alto, mas como se estivesse sussurrando.
— Ele escreveu vários, mas os mais conhecidos são O Corcunda de Notre Dame e Os Miseráveis.
— Ele era casado?
— Sim, mas tinha diversas amantes, a mais duradoura era uma atriz chamada Juliette Drouet.
— Esses homens, filhos da...
— Fale baixo, Carol! Pelo amor de Deus!
— Não importa a época, esses homens estão sempre aprontando! Tô revoltada! — protestou Carolina, no mesmo tom de voz de antes. Pessoas ao redor olharam para as duas garotas como que incomodadas, para depois voltarem a contemplar o cômodo. Lisa repreendeu Carolina com o olhar.
— Tá bom! Me desculpe. Falei que não me dava bem em museus!
— Após alguns segundos de silêncio, ela quis tirar uma dúvida com Lisa.
— Além de trair a esposa e escrever, ele fazia mais alguma coisa? Lisa estava ficando irritada com a forma de Carolina falar, prometeu a si mesma que, da próxima vez que fosse a um local que exigia silêncio, não convidaria a garota.
— Ele foi um grande intelectual — disse ela, respirando fundo para não ser grosseira.
— Combateu a pena de morte e denunciou muitos problemas sociais. Seu livro Os Miseráveis retrata bem a pobreza extrema em que viviam muitos franceses. Você nunca assistiu ao filme desse livro?
— É um que tem o gato do ator que faz o Wolverine, o X-Men de garras? Só que todo mundo fica cantando?
— Isso. O Hugh Jackman fez o papel de Jean Valjean, um homem que, mesmo inocente, passou quase vinte anos na prisão. Ele não perde a esperança e acaba ficando rico.
— Não estou lembrando...
— Ele acaba conhecendo a sofrida Fantine. Ela trabalhava para Valjean. Lembrou?
— Na verdade, eu parei de assistir logo no início. O filme não tem nenhuma fala, só cantoria. Me dava nos nervos.
— Desisto — falou baixinho Lisa, enquanto dava as costas para Carolina e entrava em outro cômodo da casa.
Era o quarto de Victor Hugo. Lisa ficou impressionada com as cores do aposento, parecia o bordado do tapete das escadas do hotel em que ela estava hospedada. As paredes tinham desenhos em tom avermelhado e detalhes na cor bege. A mobília era de madeira escura. Tinha uma escrivaninha e uma cômoda. Imaginou que fora naquele local que o francês escrevera as histórias que ela e muitas outras pessoas, de diversas épocas, passaram horas lendo.
Ao se aproximar da escrivaninha que costumava ser usada pelo escritor, perguntou-se se havia sido naquele móvel que os primeiros diálogos dos personagens principais do autor foram escritos. Tentou imaginar o escritor com sua barba branca, como nas imagens espalhadas pela casa, inquieto com o destino de algum personagem; deitado em sua cama de madeira mais escura do que os outros móveis, ou sentado na poltrona vermelha, pensando se suas histórias chegariam a outros continentes.
— Chegou até mim, Victor Hugo. Eu as li, e elas me tocaram — disse Lisa, enquanto via a caneta de pena branca em cima da escrivaninha, a que ele havia usado para escrever algumas de suas obras. Lisa sabia que não era para mexer nos objetos, havia esse aviso em vários locais do museu, mas não resistiu, tocou de leve na pena da caneta. O momento foi quebrado com a voz estridente de Carolina:
— Cara, esse quarto não é tipo quadrado, é retangular, parece uma caixa de sapato. Não curti.
— Se não se importa, estou tentando ter um momento reflexivo aqui e agora. Pode ser ou tá difícil?
— Nossa! Tá bom, vou dar uma voltinha. Sua grossa!
— Obrigada — agradeceu Lisa, pensando quando foi que uma simples desconhecida tinha se tornado íntima a ponto de a chamar de grossa e ela não se importar com isso.
— Mas, antes de ir, preciso comentar: que papel de parede é esse? No mínimo, sinistro — disse Carolina.
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As casas dos 7 escritores (LIVRO COMPLETO!)
ChickLitQuando Lisa perde a sua avó Rose, a única pessoa que entendia seu amor por livros, ela repensa o seu relacionamento nada saudável com um viciado em jogos digitais, o tratamento contra a lúpus que enfrenta, seu emprego sem futuro e sua tendência a pr...