Capítulo 29 Biblioteca fantástica

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Após poucos minutos andando, eles chegaram a uma enorme universidade; ao passar pelos portões, Lisa se deparou com uma vasta área, um arco central e prédios no entorno.

— Esse lugar é simplesmente fantástico! — disse Lisa.

— Essa é a principal universidade da Irlanda. E, em um desses prédios, tem a Trinity College Library, considerada por muitos a biblioteca mais deslumbrante do mundo.

— Biblioteca? — perguntou, animada, Lisa.

— A gente pode ir lá primeiro?

— Por mim tudo bem — respondeu ele. Os livros não tinham fim, eram prateleiras e mais prateleiras de obras diversas. Em destaque, estava um dos livros mais antigos do mundo, o Livro de Kells, manuscrito feito cerca de 800 anos antes de Cristo, por monges celtas.

Lisa havia se afastado um pouco da área onde as pessoas se aglomeravam para ver o livro famoso. Agora estava em um espaço mais reservado. Tentava encontrar alguma obra conhecida entre os muitos livros.

— Engraçado, eu já vi muitas garotas arregalarem os olhos diante de uma joia, marejarem os olhos em frente a um closet e pares de sapatos, mas seus olhos brilham quando você encontra livros! É isso mesmo? — perguntou Derek, curioso.

Lisa ficou surpresa por ele tê-la seguido até ali.

— Não vou negar, livros são o que eu mais gosto de comprar ou ganhar, são meus sonhos de consumo. E eu estou encantada com isso aqui, porque eu nunca vi tanto livro junto em um mesmo lugar.

— Dá para sentir essa sua fascinação.

— Ainda mais em um local como esse, com essas prateleiras altíssimas! Olhe as escadas necessárias para alcançar os livros do alto! Quantas histórias estão aqui? Chega a me assustar.

— Mas você prefere as histórias baseadas em fatos reais, digo os livros de história, que contam as trajetórias das civilizações, dos países, das guerras, ou você prefere ficções? — perguntou ele, especulativo.

— Acredito que aqui deva ter de tudo.

— Você não me respondeu. Qual dos dois?

— Eu prefiro ficção, com certeza.

— E, quando o assunto é você, quando o título do livro é o seu nome, isso, hipoteticamente, quando as páginas contam a sua vida... O que você prefere? Realidade ou ficção? — perguntou ele, fitando-a intensamente, como que a provocando a responder.

Lisa chegou a perder o fôlego. Parecia que ele conseguia ir aos recantos profundos da sua alma com aquela pergunta, como se soubesse os motivos que a levaram a viajar, como se conhecesse a sua vontade de viver as histórias criadas ao invés da sua, de buscar as alegrias em vidas de papel.

Ela só ficou sabendo que tinha derramado algumas lágrimas quando sentiu o gosto salgado delas ao secar os lábios com a ponta da língua. Derek não perdeu o gesto dela, assim como ficou fascinado com seus olhos escuros, molhados, profundos.

Parecia que eles revelavam os segredos dela e até mesmo os dele. Era como se eles o avisassem da dor de Lisa e, mais do que isso, do quanto ela era fascinante em seu ordinário, em sua simplicidade.

Ele já havia conhecido muitas garotas, chegara até mesmo a ficar noivo, mas nunca vira um olhar tão desnudado, tão revelador. E isso o perturbou.

Estava acostumado a criar muros e cercas, de tamanhos diversos diante do quanto as pessoas o afetariam e o que ele sentiria por elas, mas parecia que nenhuma dessas barreiras impedia um certo aperto do peito quando a via assim, tão exposta. ]

Aos poucos, Lisa voltou a perceber as coisas ao seu redor, olhou à sua direita e lembrou-se de que estava procurando alguns livros. Não sabia como isso tinha acontecido, se tinha sido ela ou ele que havia se aproximado, mas estava a um palmo dele.

— Acho que essa conversa tá muito alta, sei lá... muito espiritual ou algo do tipo — disse ela, um tanto confusa.

— O que você está fazendo? — perguntou, quando sentiu os dedos dele na sua mão. Ele não respondeu, apenas segurou a mão dela e levou até o seu rosto. Lisa sentiu nos dedos a aspereza da barba, chegou a sentir cócegas.

Ela queria interromper o gesto, mas deixou sua mão ser guiada pela dele por alguns segundos. Depois, tentou retirar a mão, mas ele a puxou para os lábios e pousou leves beijos na palma dela.

— Gente! Vocês dois têm que se controlar mais. No próximo passeio turístico, coloquem uma fantasia de leprechaun, a figura mitológica do folclore irlandês, quem sabe chamam mais atenção. Que indecência! — disse Carolina, em um sussurro praticamente gritado, como se ela realmente respeitasse a necessidade do silêncio em uma biblioteca. Lisa puxou com força a mão, dessa vez Derek não a impediu.

— Não tem nada de indecente, ninguém tava se pegando aqui, Carol. Deixa de ser exagerada.

— Esse é o problema! Era melhor ficar se pegando do que ficar se olhando como se fosse comer o outro, pega na mão, acaricia o rosto, toca na barba, aí ele beija a mão — disse Carolina fazendo mímicas.

— Colegas fazem isso, não tem nada demais — tentou se defender novamente Lisa.

— As pessoas estão acostumadas com cenas fortes. O que vocês fizeram parece coisa do século retrasado, por isso é que é estranho, tipo brega e antigo.

— Carolina, desculpe te decepcionar, mas, às vezes, o antigo volta a ficar na moda — disse Derek, afastando-se das duas garotas.

— Pensei que você estivesse interessada no Ethan, mas você está querendo os dois? — perguntou Carolina. Lisa deixou a garota falando sozinha, como se não comandasse as próprias pernas, e foi até Derek.

Ele estava de costas para ela agora, de frente para uma prateleira lendo os escritos na lateral de um livro azul.

— E você, me diga, como é a sua vida, ficção ou realidade? Não acho justo você sair dessa sem responder — disse ela, sem se conter.

— Realidade. Crua e nua. Racional demais, prático demais. Indiferente demais, a tudo, a mim também.

— Acho que somos os extremos. Eu fugindo da realidade, e você a abraçando e se envenenando por ela. As costas dele se enrijeceram; Derek continuou olhando para a prateleira.

— Quem sabe a gente podia se ajudar? Se fundir e ver no que pode dar? — disse ele, logo se arrependendo de sua proposta, quando ela não respondeu de imediato. Ele se virou para Lisa e viu o rosto delicado.

O cabelo dela estava trançado e jogado para frente. Sentiu vontade de enfiar os dedos no meio dos nós da trança e desmanchá-la, deixar o cabelo dela em ondas serenas, como no dia em que a beijara, em Paris.

— Sei que não dá, desculpe ter tocado nesse assunto. Você veio aqui por causa de Ethan, e eu fico no caminho com esses meus comentários idiotas. Ele chegou primeiro, né? Ou melhor, eu cheguei, mas te tratei de forma rude, e ele não. Azar o meu.

— Não quero falar sobre isso!

— Apesar de ele ser um completo idiota... — continuou Derek.

— Não sou de ficar no caminho de ninguém, mas eu me pego pensando naquele beijo e não consigo não querer aquilo de novo e de novo...

— Eu gostei também, mas não pode acontecer de novo. Eu não quero causar problemas entre você e o Ethan. Eu tô de passagem por aqui, vou embora logo. Isso não tem sentido, entende?

— Não se preocupe, não vou forçar a barra, vou me afastar, não era nem pra estar aqui hoje. — Derek respirou fundo.

— Enfim, está claro que você e Ethan têm alguma coisa ou terão — continuou ele.

— Eu sei quando devo me retirar — disse, afastando-se e saindo da biblioteca. Gostou do que viu no espelho. Lisa havia escovado o cabelo com o secador de Carolina, usado todo o seu conhecimento em maquiagem — que não era muito grande — para realçar seu rosto, e o resultado foram lábios bem vermelhos, maçãs do rosto coradas e uma sombra que misturava cinza com azul-escuro.


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