Capítulo 9 Janela emperrada

107 24 0
                                    


Pouco mais de uma hora depois, Lisa pulava de dentro de um táxi na frente de um pequeno hotel de quatro andares de esquina. O prédio era branco, com sacadas pequenas com portas brancas e grade de ferro preta. A recepção era clara e consistia apenas em três poltronas e um balcão vazio. Ela apertou uma campainha sobre a mesa de mármore toda arranhada e aguardou. 

Em instantes, apreceu um senhor careca, vestido de calça preta e camisa social azul. Ao forçar um pedido de desculpas, mostrou os dentes amarelados e sobrepostos.       

Minutos após fazer o check-in, Lisa concluiu que não se lembrava da última vez que tinha ficado tão cansada. Primeiro, levou a mala mais pesada até o primeiro andar, depois voltou e pegou sua mochila, que também não estava nada leve. Foi fazendo isso até o quarto andar. Quanto mais subia, mais odiava aquele carpete carmim, os corrimões de madeira velhos e o ar com cheiro de mofo.

— Cadê o charme dos hotéis parisienses, meu Deus? — reclamou, apoiando as mãos nos degraus à sua frente e recuperando o fôlego. — Deve estar distante das diárias de hotéis baratas, compradas pela internet em um instante de desespero — concluiu.

O recepcionista havia dito que não poderia ajudá-la com as malas, pois estava sozinho na recepção e o prédio não tinha elevador.

Quando jogou a chave no pequeno criado-mudo ao lado da cama de solteiro do quarto de hotel, Lisa desabou em um colchão de molas barulhentas e depois ficou inerte. Queria dormir, mas sabia que não conseguiria agora. Ficou de bruços olhando o quarto, com o mesmo carpete das escadas. Além de uma cômoda, havia um pequeno guarda-roupa. O banheiro ficava no corredor, era dividido com outros hóspedes.

 Olhou ansiosa pela janela e o que viu a emocionou.   

— Neve! — reconheceu. — A neve resolveu me visitar — disse, enquanto se desvencilhava dos cobertores e se dirigia à janela. Tentou levantar o vidro sujo, mas a pequena janela estava emperrada. — Não sabia que os franceses colavam as janelas para nunca abrirem, tradição interessante — bufou, contrariada. — Vou reclamar com o gerente e... — Parou de súbito de lamuriar ao ver aquela neve caindo por toda a rua, prédios, carros e árvores. Tudo coberto de um branco nunca visto. — A neve deixa tudo tão surreal, tão emocionante! — celebrou, enquanto se esforçava para não começar a chorar copiosamente.   

Estava muito emotiva desde que descobriu ter lúpus, tentava se controlar diante da família e amigos, sempre dizendo que estava bem, que a doença não a assustava, recusava-se a passar a impressão de estar desesperada e com medo, como muitas vezes realmente se sentia. Agora, do outro lado do mundo, sozinha, em um hotel prestes a desmoronar, vendo aqueles pontinhos brancos caindo de uma janela de vidro, que não era lavada há tempos, ela desabou. Sentia como se aquela paisagem vista de uma janela emperrada a reconfortasse; chorou o que não tinha chorado quando era preciso. 


As casas dos 7 escritores (LIVRO COMPLETO!)Onde histórias criam vida. Descubra agora