Capítulo 53 Tempo em um relógio quebrado

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Era uma sexta-feira à tarde, o bistrô estava com movimento fraco, e Derek buscava aprimorar sua receita de clafoutis, doce típico da França, feito com cerejas cozidas inteiras em um creme de farinha, leite, açúcar e ovos. Ele buscava fazer a receita com outras frutas. Certo dia, tentou até mesmo com cogumelos, uma espécie de versão salgada da iguaria.

Liam entrou na cozinha. Ele vestia terno e segurava uma garrafa de vinho.

— Sócio, o que você achou desse vinho italiano? O fornecedor acaba de ligar e quer saber se a gente vai querer mais um lote. Preciso da sua ajuda, ele é bom, mas não sei...

— Eu achei o valor caro para um vinho malbec de três anos. O malbec argentino com três anos está bom, agora um europeu precisa ter cinco anos. O valor que a gente tá pagando é por um de cinco anos e não de três.

— Não tinha pensando nisso.

— Acredito que, no momento, é melhor não fazer mais pedidos dele. Eu pretendo viajar para a Itália atrás de novos fornecedores, novas marcas. Acho que posso passar um final de semana lá, daqui a um mês. Posso conseguir novos fornecedores. Algo diferente.

— Beleza, sócio. De vinho você entende. Vou cancelar o lote que eu havia encomendado.

— Certo — disse Derek, voltando a dar atenção para a sua receita.

— O que você vai fazer hoje? Sair com a Désirée?

— A gente terminou há duas semanas, pensei que tivesse te contado.

— Não contou não. Terminou o quê? Você nem começou a ficar com a garota. Eu mesmo vi ela só duas vezes.

— A gente era amigo. Ela começou com uma história de morar comigo e, sinceramente, eu não estou a fim de dividir meu espaço com ninguém.

— Você sempre vem com o mesmo papinho. Essa já é a terceira garota em menos de um ano que, quando a coisa começa a ficar séria, você pula fora. Eu gostava daquela que foi com a gente pra Aspen. Você dispensou a garota logo depois da viagem, ela tinha ficado bem amiga da minha namorada.

— Agora eu preciso namorar quem se dá bem com a sua garota? — perguntou Derek, debochado.

— Você nunca fica satisfeito. Quisera eu chamar atenção das gatas que você chama, mas você arrasta a fila de uma maneira um pouco rápida demais para o meu gosto.

— Não sabia que estava ferindo seus sentimentos com a minha vida amorosa.

— Eu sinto falta de sair com você, mas, como eu estou namorando sério, não dá pra ficar levando você de vela.

— Olha pra minha cara e veja se eu pareço uma pessoa que se presta a ser vela.

— Sei que não! Por isso, quero que arrume uma namorada, pra gente sair de casal, essas coisas. Estou ficando louco de só sair com os amigos da Augustine. Dá pra acreditar que eles gostam de assistir seriados reprisados no sábado à noite?

— É o fim da linha, mas, como disse, não tenho ninguém em vista no momento. E arrumar uma garota legal pra assumir algo sério é mais difícil do que você imagina.

— Nem sempre você foi assim tão exigente.

— Quando você teve algo muito bom e de repente não tem mais, você passa a ser mais exigente, procura algo para superar aquilo. E se frustra diante da constatação de que, talvez, o que você viveu não foi real, não é base pra nada. Mas vai falar isso pro cérebro? Vai convencê-lo a se contentar com aquele beijo mais ou menos, com aquele gostar morno, com aquela entrega pela metade?

— Já entendi tudo, a brasileira te estragou, brother! Faz mais de um ano, Derek, que vocês terminaram.

— Mais uma razão pra eu detestá-la.

— Ou correr atrás dela.

— Prefiro passar a vida com o mais ou menos do que ir atrás dessa garota. Agora para de falar disso, que me deixa de mau humor.

— Pensei que você já estivesse de mau humor desde segunda-feira — provocou Liam, porém Derek limitou-se a pegar a garrafa de vinho da mão do sócio. Abriu-a e serviu duas taças, pegando uma para si e entregando a outra para o amigo. — Quero te ver feliz! — disse Liam. — Uma garota pediu minha ajuda pra se reaproximar de você. E eu vou ajudar. Por isso, a minha ideia é a seguinte: hoje a gente vai sair, eu levo minha gata e o casal chato de amigos dela e encontramos essa garota misteriosa.

— Eu conheço?

— Não vou dar dicas.

— Não gosto dessas coisas armadas. Geralmente é gente desesperada que aceita esse tipo de armação.

— No seu caso, a tática tem que ser de guerra. Não vou aceitar desculpas, passo de táxi na sua casa, às 22. Esteja pronto e, pelo amor de Deus, abra esse coração de rocha escocês de vez em quando. Deixe-se surpreender, brother.

_____


Derek estava na fila para entrar no mesmo barco em que havia beijado Lisa pela primeira vez. Não havia ficado nada feliz quando descobriu, dentro do táxi, aonde Liam planejava ir. Uma vez lá dentro, ele se esforçou para não ser antissocial com o casal de franceses amigos de Augustine.

— Cadê a sua amiga? Estou aqui de vela de dois casais, eu vou acabar com a sua raça se ela não aparecer — reclamou Derek para Liam.

— Calma. Ela me mandou uma mensagem, tá a caminho — explicou Liam.

— Eu vou dar uma volta — disse, pegando sua cerveja long neck e se afastando.

Ainda estava na área da pista de dança quando viu uma garota de cabelos ondulados na altura dos ombros subindo as escadas, tinha a mesma altura de Lisa. Ele sentiu as mãos ficarem frias.

Perguntou-se se tinha visto Lisa ou alguém parecido com ela. Seria a brasileira a garota que Liam disse que pediu a ajuda dele para se reaproximar?

O amigo havia comentado que era pra ele amansar o coração. Até mesmo falou de Lisa horas mais tarde.

Tentou pensar no que faria se encontrasse com ela. Cogitou dar as costas para ela, afinal, Lisa o havia trocado pelo ex-namorado, mas e se ela tivesse se arrependido? Ele não sabia se seria capaz de perdoar, considerava-se orgulhoso.

Seguiu o caminho feito pela garota de cabelos nos ombros. Cogitou ao menos conversar com Lisa, olhar o rosto bonito novamente. Ele tinha apenas uma foto dela, que tirou quando ela visitava a casa de Jane Austen.

Havia apagado a foto do celular, quando percebeu que não parava de olhar a imagem depois do término. No entanto, salvou-a no computador. Também havia bloqueado ela de suas redes sociais. Por mais que em alguns momentos tivesse a vontade de desbloqueá-la para conseguir ver postagens recentes, ele resistia.

Não sabia se ela ainda namorava o jogador, não sabia no que ela trabalhava. De repente, uma curiosidade intensa se alastrou dentro dele. Precisava vê-la, mesmo que isso não significasse estar com ela ou mesmo voltar com ela. Queria reavivar as lembranças dos poucos dias vividos ao lado da garota que gostava de ler.

Estava na popa do barco, olhava por cima da multidão. Não a via em nenhum lugar. Após ter percorrido boa parte da área e não tê-la achado, seguiu para a proa do braço. O sofá onde eles tinham compartilhado alguns momentos agora era ocupado por outro casal.

Ele parou exatamente no ponto onde havia primeiro segurado ela pela cintura e depois a beijado. Ele segurou com a mão esquerda a grade de proteção do barco, ela havia encostado as costas ali — relembrou ele.

Vários minutos haviam se passado, ele já estava convencido de que, pelo fato de ter voltado ao barco e ter visto uma garota de cabelos parecidos com Lisa, tinha imaginado erroneamente que ela estava ali.

Havia decidido ir ao encontro de Liam quando sentiu um toque nas suas costas. Imediatamente, tensionou os nervos dos ombros. Virou-se, devagar, sentindo o peito apertado. Logo decidiu se controlar, tinha receio de olhar pra ela, abraçá-la e esquecer todo o mal que ela o fez.

— Eu precisava te ver — disse uma voz harmoniosa e já conhecida por ele.

As casas dos 7 escritores (LIVRO COMPLETO!)Onde histórias criam vida. Descubra agora