__ Nao force a vista para nao ficar estrabica, por favor.
Aquilo nao era um pedido , mas uma ordem , e Clarissa ja estava farta das ordens da madrasta.
Se ao menos permitisse que ela usasse os oculos, nao precisaria estreitar os olhos .
Nao ficaria tampouco tropeçando nas coisas e nas pessoas.
Mas nao podia usar os oculos porque afastaria os pretendentes.
Como se seus modos desastrosos nao os afastassem, refletiu Clarissa cansada , e intimamente riu dos pequenos "acidentes" que tivera desde que chegara a Londres.
Alem de nao enxergar as mesas em que deveria colocar as bandejas de cha, tivera um tombo feio na escada.
Por sorte , nao havia se machucado muito, so alguns arranhoes e algumas manchas , mas nao quebrara nada.
Houvera tambem o pequeno incidente de cair na frente de uma carruagem em movimento , sem falar de ter posto fogo na peruca de Prudomme.
Um novo suspiro escapou dos labios de Clarissa ao lembrar do sermao de Lydia depois do ultimo acidente .
A madrasta havia decidido que se ela era tao cega e desastrada sem os oculos , so havia uma alternativa .
No futuro , quando na presença de outras pessoas , teria de ficar sentada quieta.
Nao poderia tocar em castiçais , xicaras, pratos , ou seja basicamente em nada .
Nao poderia mais participar das refeiçoes com as visitas , e sim dizer que nao estava com fome.
Mesmo que estivesse .
Tampouco devia beber.
Sair para caminhadas estava fora de questao se uma criada nao estivesse junto.
Sempre que Lydia terminava tais discurssos, so restava a Clarissa , quando havia outras pessoas presentes , sentar -se ao lado da madrasta , procurando parecer serena .
O que significava nao estreitar os olhos.
Com um suspiro , Clarissa voltou a olhar para os vultos que desfilavam pela pista de dança .
Cansada , abaixou os olhos para as propias maos.
Seria mais uma noite entediante.
__ Posso ter o prazer desta dança?
Apesar de ouvir o convite, Clarissa nao se deu ao trabalho de levantar os olhos .
Para que? Nao ia conseguir ver nada direito mesmo.
Em vez disso, aguardou que a madrasta respndesse, perguntando a si mesma quem seria o estranho que ainda nao ouvita falar de seus desastres .
Se tivesse ouvido , com certeza nao se aproximaria.
Percebendo que Lydia ainda nao havia declinado o convite em seu nome, alegando que ela estava muito cansada , ou qualquer outra desculpa polida, Clarissa olhou de lado e viu que Lydia , ou melhor , o borrao rosado como conseguiria identifica -la .
Nesse instante um borrao preto ocupou a cadeira , sobressaltando -a.
Forçando os olhos , ela tentou em vao ver vestigios rosa forte, cor que a madrasta usava , a sua volta.
__ Acredito que a dama que estava sentada aqui ate um minuto atras saiu em busca de algo para comer .
O estranho disse -lhe tao proximo ao ouvido que Clarissa pode sentir sua respiraçao.
Contendo um estremecimento , voltou de imediato a atençao para o homem a seu lado.
Ele era dono de uma voz grave, muito agradavel , e pelo que conseguia entrever de sua figura , era bastante grande.
Pela milesima vez , desejava estar de oculos para poder enxergar.
__ Ela nao lhe disse aonde ia?
Perguntou o estranho.
__ Me pareceu ve -la falando com voce antes de sair.
Clarissa corou um pouco, e tornou a fitar a mancha colorida que se movimentava pela pista de dança admitindo:
__ Talvez tenha dito.
__ Acho que eu estava distraida com meus pensamentos e nao prestei atençao.
Embora tivesse uma vaga lembrança de Lydia ter comentado alguma coisa, Clarissa estava mergulhada demais em autocomiseraçao para prestar atençao.
Era muito humilhante ficar sentada, tendo como distraçao apenas fragmentos de conversa das pessoas que passavam, muitas veses tecendo , indelicadamente, comentarios a seu respeito.
Seus desastres aparentemente eram a piada da temporada .
Tinha ganho o apelido de esbanada Clarissa , e todos ficavam na expectativa de qual seria o proximo "acidente" para se divertirem.
__Dizem que voce e tao cega quanto um morcego, e futil de mais para usar oculos.
Clarissa piscou os olhos surpresa diante dessa inesperada declaraçao .
Se a indelicadeza das palavras dele a surprienderam, ela pode perceber que surpreenderam seu interculor ainda mais.
A respiraçao dele ficou suspensa como se estivesse se dado conta do que havia dito .
Olhando de soslaio , deu para perceber que ele levantara a mao para cobrir a boca.
__ Perdao , acho que estive tempo de mais longe da sociedade.
__ Nunca deveria....
__ Ora , nao se preocupe .
Clarissa dispensou as desculpas e afundou na cadeira com ar desanimado.
__ Esta tudo bem.
__ Sei o que as pessoas falam.
__ Acham que , alem de ser desastrada , eu sou surda , pois nao se preocupam de falar na minha frente ou por traz de seus leques.
__ Falam bastante alto para que eu ouça.
Ela imitou o modo como as pessoas falavam , fazendo caretas.
__ Oh , vejam , la esta a coitadinha , a estabanada Clarissa.
__ Peço desculpas.
Ele disse baixinho.
__ Nao precisa se desculpar.
__ Pelo menos voce disse na minha cara.
__ Sim, mas...
O rapaz pareceu relaxar um pouco agora que as maos dela nao significavam mais uma ameaça.
__ Na verdade , era mais uma pergunta.
__ Eu queria saber se voce e mesmo como dizem.
__ Bem , nao sou tao cega assim.
Clarissa sorriu tristonha.
__ Enchergo bem de oculos.
__ Mas minha madrasta os tirou de mim.
Ela arriscou um sorriso na direçao dele e esclareceu:
__Lydia parece acreditar que terei mais sorte de incendiar o coraçao de um bom partido sem oculos.
__ Embora a unica coisa que pus fogo ate agora foi na peruca de lorde Prudomme.
__ Como ?
Julian perguntou , espantado.
__ Na peruca de Prudhomme?
__ Sim.
Ela confirmou recostando-se na cadeira e tentando afastar a lembrança.
__ Pois e.
__ Mas , se quer saber , a culpa foi inteiramente minha.
__ Ele sabia que eu nao enxergava bem sem meus oculos.
__ Por que cargas 'da agua tinha de me pedir para levar a vela mais proxima ele?
Clarissa fez uma pausa e olhou de soslaio na dereçao dp estranho .
__ Sem peruca , ele e careca feito uma bola de bilhar, nao e?
Pareceu-lhe ele aquiesceu com a cabeça , mas era dificil dizer.
Tambem parcebeu sons abafados , como se ele estivesse lutando contra o riso.
__ Vamos pode rir .
Clarissa disse , sorrindo .
__ Eu tambem ri, so que nao na hora.
Ele entao relachou um pouco mais e , como estivessem sentados a lado , Clarissa pode sentir o vigor de seu braço e de sua perna que encostaram ligeiramente nela.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Duque Sombrio
Fiction HistoriqueInglaterra 1720 Amor Perigoso Julian Montefort, o duque de Mowbray , sabia que a bela e estabanada lady Clarissa Grambray poderia ser perigosa . Ela era na verdade , um desafio . Mas era exatamente o desafio que ele precisava... Clarissa sempre dese...