lembranças

UM

JANEIRO,2019.

Quando o velho Daniels faleceu a última coisa que pensei foi em voltar para casa.
Não depois de dez anos na Califórnia,minha intenção nunca foi colocar meus pés nesta terra amaldiçoada.

Nunca imaginei que ele deixaria metade da casa para mim,jamais pensei que ele teria essa coragem.Talvez ele tenha feito isso para me lembrar de onde vim,de como eu não valia nada para ele,bem pior foi deixar a metade para Elizabeth Cooper,como se ela merecesse.
O que mais me deixava irritada era saber que possivelmente ela voltaria pelo dinheiro,mas não voltou por mim e nem por Alisson. Ela nos deixou sofrer por anos esperando uma carta,uma notícia e nada veio desde nossa infância.

Depois da ligação de Christopher Evans o advogado do meu avô não tive alternativa a não ser voltar.Deixei tudo pronto no escritório para estar aqui,minhas férias merecidas teriam um gosto amargo.

Meses atrás quando soube da morte de Wes eu não me abalei,sequer conseguiu derrubar uma lágrima,não me sentia infeliz,morrer nunca seria um castigo para ele. Mas saber que ele não estaria mais aqui para diminuir as pessoas me deu um certo alívio.Eu jamais voltaria aqui se Chris não insistisse com tanta veemência,não que eu quisesse algo desse lugar,nada aqui me interessava.

Wes Daniels deve estar queimando no inferno,pode ser muito cruel da minha parte,mas pensar dessa forma me deixava no mínimo confortável.

Sempre dizem que o lar é onde o coração está,então esse lugar no fim do mundo nunca foi minha opção de lar,foi onde passei meus maiores tormentos e aprendi uma lição valiosa,o amor não existe,ele destrói e corrói diminuindo qualquer coisa boa que temos,eu sabia agora.
Que graças a esse lugar,ao que vivi aqui eu me tornei vazia por dentro.

Tudo aqui me traz lembranças,seja na casa ou fora dela..tudo me lembrava do amor de um homem,do ódio de outro.Acho que Wes Daniels me odiou até o dia que morreu,foi o que pensei quando Chris ligou para me informar que meu avô tinha partido,ele também me disse que sabia o que eu estava sentindo,que Kevin foi a única pessoa que se despediu dele.

Meu andar pesado quando coloquei as malas no piso da antiga fazenda do meu avô denunciava minha vontade de não estar nessa casa,o chão ainda era brilhoso,assim como as cadeiras da mesa da sala e as paredes,bem cuidado,meu avô sempre se gabava e dizia que cerejeira era a melhor madeira,me lembra da última vez que estive aqui,quando meu avô me expulsou por ser uma impura,por ter me entregado ao "primeiro homem que me seduziu".
Nunca esqueci de como ele me bateu por horas no antigo celeiro,querendo descobrir quem era o infeliz para fazer o que era "certo",eu devia me casar apenas com dezenove anos de idade?

Com um homem que depois do sexo dizia que era errado,que ninguém poderia saber das coisas que fazíamos?

Definitivamente não.

Eu estava assustada,tinha me entregado para ele,um amor que cultivei desde os quinze anos de idade quando ele mudou para a casa ao lado,eu me entreguei por que o amava e naquele momento ele parecia sentir o mesmo.
Quando ele anunciou o casamento com Alisson eu sabia que ele não sentia nada,que era horrível, algo errado e escondido.Um homem como ele nunca teria nada com uma mulher como eu,eu não servia para ele,Alisson sim.

Eu sabia no momento que recebi a notícia,sabia que não tive importância na vida dele.Mesmo sendo mais velho ele parecia sentir o mesmo quando estávamos juntos,ele parecia estar feliz..porque?

Porque eu vivi anos na esperança de que era certo?.

Ainda bem que conheci o gosto amargo da desilusão antes que piorasse ,eu imagino como seria viver nessa cidade com Kevin como cunhado,como seria ver a felicidade dele e da minha irmã.