17. Planos de libertação

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Jimin havia saído da cela, mas tinha deixado para trás um Jungkook intrigado com o fim daquela história. Agora ele se via repetindo mentalmente tudo que o outro lhe contava nas longas horas que passava sozinho. Espantava o tédio relembrando aqueles casos tão surreais quanto a sua condição de alimento de vampiro. Ansioso para ouvir o fim daquele caso e, depois, o tal plano que confiava que o tirasse dali, Jungkook agora esperava atentamente o retorno do outro.

Jimin viu que Jungkook já estava sentado esperando por ele. Eles sequer falaram de outra coisa. Partiram diretamente para o que interessava.

-O tempo de quem se torna alimento é curto. E eu não sabia, mas estava com meus dias contados. Assim como você, eu vivia trancado, numa espécie de celeiro junto a alguns outros homens que Sada mantinha como reféns, dos quais ela se alimentava. Eram todos homens jovens como eu, em sua maioria coreanos também. Sada nos usava de maneiras diferentes, cada um parecia ter uma especialidade que ela apreciava mais, mas no fim da noite, Sada nos trancafiava novamente, todos juntos, exaustos e inertes por causa do vício e do enfraquecimento que você mesmo sentiu na pele. A diferença é que os outros eram homens com talentos menos chamativos que os meus, e por isso, como um brinquedo favorito, ela me deixava limpo, bem alimentado e bem vestido para acompanhá-la. Eu estava constantemente entorpecido pelos beijos, enfraquecido pelo consumo constante dela do meu sangue e ainda assim, bastava que ela me tocasse e ela compartilhava comigo aquele desejo incontrolável de dançar, que eu não tinha muita escolha se não obedecer. Ela me levava a muitas festas para exibir meu talento na dança. Naquela época, a sociedade era muito mais tradicional, mas os círculos que Sada frequentava não pareciam se importar que uma mulher mais velha andasse por aí com meninos mais jovens que aparentemente eram seus amantes.

-Vocês não eram amantes?

-Não, Kookie. Ela só queria dançar comigo. Tinha outros homens que ela usava pra esse fim. Mas eu percebia, nos dias que passei lá, que a vida deles ia se esgotando, assim como a minha, e haviam vezes em que eles saíam para acompanhar Sada e não voltavam mais. Eu estava quase sempre entorpecido pelo ópio, pela bebida ou pelos beijos dela, mas começava a tomar consciência de que precisava fazer algo para sair de lá. Em uma dessas festas que ia para acompanhar Sada, conheci Kim Seokjin. O dinheiro que ele possuía parecia tornar o fato de que ele também era coreano insignificante, e ele fez uma grande celebração em um hotel em Tokyo, mesmo que nós ainda tivéssemos nossas diferenças com o povo japonês. Não havia como implicar com Seokjin, não só porque sempre foi perigoso comprar briga com homens cheios de dinheiro. Ele era também a alma da festa. Divertido, e sempre animado, ele vivia rindo, se misturando aos seus iguais e tentando resolver tudo com uma boa risada. Seokjin estava hospedado junto a três outros homens.

-Os hyungs?

-Sim. Kim Namjoon era observador e circulava discretamente pelas festas, conversando com todas as pessoas em um japonês fluente. Ele era mais político, não chamava muita atenção. Além dele, Min Yoongi também era mais quieto. Ele não se misturava muito às pessoas. Ele só bebia no canto dele, sem conversar muito com ninguém além dos três homens que o acompanhavam. O último homem era Jung Hoseok. Assim como Seokjin, ele era o centro das atenções, não pela maneira como interagia com as pessoas, mas por ser também um excelente dançarino. Ele era tão cheio de energia que era difícil não vê-lo dançando em algum momento. Ele chamava todas as mulheres e homens para dançarem, e quando todos descansavam, ele continuava movendo seu corpo com uma maestria hipnotizante. Sada o desafiou a dançar comigo. Eu já estava cada vez mais fraco, mas ela me compeliu a participar do desafio. Ao contrário de nós, Sada não se importava em ter um alimento criado com dignidade, nem se importava que nós durássemos pouco. Ela só nos usava até o nosso fim. Eu comecei a dançar com o maior entusiasmo possível. Não que eu quisesse agira daquele jeito, mas era essa a imposição que ela havia deixado gravada em minha mente. E aquele seria meu fim. Sada se decepcionou porque havia apostado dinheiro em mim, mas não se importou com minha sobrevivência ou saúde quando desmaiei antes mesmo de terminar a música. Hoseok me tirou do salão de dança e me levou para tomar um ar. Eu sentia que estava morrendo. Eu ia perder totalmente as minhas forças quando fui beijado por Hoseok. Era a segunda pessoa que me beijava daquele jeito. Só que além da alucinação, eu percebia que o beijo de Hoseok me revigorava e foi então que percebi, olhando no sorriso encorajador embora preocupado dele, que o beijo curava, embora as mordidas enfraquecessem. Eu esperava por mais uma mordida, para perder toda aquela vitalidade que ele me doara, mas ela nunca veio. Hoseok só queria que eu vivesse um pouco mais. "Porque você me salvou?" Perguntei, desejando na verdade ter morrido e chegado ao fim daquela vida miserável como escravo de Sada. "Porque quero terminar essa dança." Eu me lembro do sorriso brilhante de Hoseok iluminando aquela noite sombria. Então ele se tornou ainda mais radiante. "E porque queremos destruir Sada. Você não quer se livrar do domínio dela?" A proposta era irrecusável.

-E você aceitou?

-Sim. Os quatro haviam acabado de retornar à Coréia, depois de uma longa temporada viajando pelo mundo. Indignados com o domínio do império Japonês, os hyungs estavam trabalhando como espiões, se misturando à alta sociedade japonesa para desmantelar o comando deles. Sada era a jovem viúva de um oficial e herdeira de uma família nobre. Ela havia viajado com seu marido em uma missão militar na Rússia, embora não fosse comum que mulheres acompanhassem seus maridos naquelas missões. Ela era mimada, influente e sempre conseguia o que queria, de um jeito ou de outro. No entanto, retornou viúva e... transformada. Apesar de não ter mais envolvimento direto com o exército Japonês, os contatos que fizera quando casada se mantiveram. As festas que ela dava eram na verdade para arrecadar dinheiro entre a classe nobre e abastada para financiar direta ou indiretamente o exército Japonês. Nessas festas ela também recrutava seu exército particular de jovens, dando preferência para nós, que ela considerava subalternos. A ideia dos hyungs era destruir uma mulher como eles, que além de prejudicar seu país, estava expondo a existência da espécie deles para o mundo, se alimentando de forma descontrolada e não se importando em levar alguns humanos à morte para isso. Em algum momento, as pessoas começariam a procurar os jovens desaparecidos, e Namjoon, que desde muito tempo era o líder informal deles, já vinha lutando contra essa atenção vinda das pessoas comuns.

-Vocês... intervinham na história?

Jungkook estava impressionado, mas Jimin tinha um tom monótono na voz.

-A história é feita por todas as pessoas, o tempo todo. Nós estávamos lá, então interferíamos, é claro.

-Mas vocês participaram diretamente na resistência contra o império Japonês!

-Kookie, nós só tínhamos um pouco mais de dinheiro acumulado, então podíamos interferir mais. Mas você também está aqui fazendo sua interferência na história, acredite. Todos os pequenos atos fazem diferença. Mas só entendemos isso depois de viver por muitos e muitos anos.

Jungkook encolheu os ombros. Poderia ser. Mas a estória com a qual Jungkook se importava agora era outra.

-E o que vocês fizeram com a Sada?

-Seokjin seduzira Sada com suas habilidades sociais para que ela continuasse frequentando as festas que ele dava. Hoseok havia deixado claro que queria outras oportunidades de dançar com um outro dançarino que ele dizia ser tão bom quanto ele. Nas festas seguintes, Hoseok me passava algumas instruções e me fazia perguntas para saber mais sobre a rotina e a casa de Sada. Namjoon havia começado a se aproximar de Sada discretamente e a convencera a serem convidados a sua casa. Com as informações que eu havia dado, eles tinham armado um plano para eliminá-la, saquear a fortuna dela e mais o dinheiro que ela vinha arrecadando para financiar o exército ou comprar favores no governo corrupto deles. Eu sabia que ela guardava tudo em um cofre, que Yoongi descobrira em um dos pequenos jantares na mansão dela em que Seokjin se autoconvidava e ainda trazia seus companheiros. Mas eles precisavam de mais uma coisa.

-Que você se transformasse?

Jungkook havia terminado de comer e agora bebia água, segurando o copo com as duas mãos, sem tirar por um segundo sequer os olhos de Jimin.

-Exatamente.

-Os hyungs te transformaram?

-Não exatamente.

-Como foi isso, hyung?

-Kookie, eu não estou fazendo isso por suspense, juro. – Jimin tocou o ombro do outro, compartilhando com ele o sentimento de pesar por ter de ir – Mas não posso me estender muito por aqui, e você já sabe porquê.

Jimin se levantou, recolhendo a bandeja com a louça usada por Jungkook, que o encarava chateado não só por ter de esperar para o fim da história mas porque agora que recuperara um pouco o gosto pela vida e as esperanças, as horas que passava só eram mais solitárias. Jimin não se alimentava dele, nem o usava sexualmente e ainda vinha para contar histórias que o mantinham entretido. Ele estava realmente gostando da companhia do mais velho.

-Até mais, hyung.

Jimin sentiu ainda mais pesar em deixá-lo, mas não podia mesmo ficar mais.

-Até mais, Kookie.

Noites vivas - JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora