30. Ausência

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Havia lutado para ficar acordado, pois velar pelo sono de Jungkook era uma tarefa que causava um tipo de calma que não estava acostumado a ter a muito tempo. Aquela era a última vez que veria o outro, então queria vê-lo dormindo tranquilamente, sabendo que era por escolha e não por estar influenciado pelo controle de Jimin ou tentando obter benefícios que Jungkook estava ali. Finalmente caíra no sono quando se perdeu olhando fixamente o lábio superior, fino mas macio, levemente apoiado sob o lábio inferior, um pouco mais cheio e com aquela pinta abaixo do contorno rosado que definia aquela boca que ele gostaria muito de beijar de verdade, algum dia.

Jungkook acordou tateando a cama. Agora, Jimin se deparava com a cama vazia. Sabia muito bem que Jungkook poderia ter ido embora sem dizer nada pois agora já era noite e haviam concordado em passar só mais um dia juntos. Quando a noite caísse, não se veriam mais. Era o que haviam dito, simplesmente porque era o que deveria ser feito. Jungkook precisava ao menos tentar voltar a sua vida normal e pelo menos pôr um fim à agonia de seus pais, mesmo que não conseguisse voltar à normalidade. Jimin havia decidido não compelir o outro a ficar em silêncio sobre seu desaparecimento. Havia deixado Jungkook em total liberdade para escolher se revelaria ou não o que havia acontecido com ele durante seu sumiço. Obviamente, Jimin tinha planos para escapar de prisão ou mesmo dos hyungs que pudessem tentar resgatá-lo quando dessem falta dele, mas honestamente, não havia muito que temesse. Ele não poderia morrer mesmo, e embora fosse doloroso passar por qualquer tipo de castigo, em algum momento ele chegaria ao fim. Ter passado esses momentos a mais com Jungkook, que o fazia se sentir vivo de verdade, valia o risco de cair em uma daquelas alternativas.

Aqueles momentos com Kookie o faziam se sentir mais vivo do que em toda sua longa existência, até então sem nenhum sentido. Então, por mais que tenham sido conturbados os tempos que haviam passado juntos, ele queria se despedir. Jimin sabia que a agonia pela qual Jungkook havia passado nos tempos recentes era diretamente culpa sua, e doía mais ainda saber que a vida já curta daquele rapaz cheio de energia havia se tornado mais sofrida e possivelmente mais frágil por culpa dele. Era mais um arrependimento que carregaria para toda a eternidade ou até encontrar um jeito de encontrar a paz de finalmente morrer.

Os hyungs aprenderam a lidar com toda a culpa e os erros que traziam consigo, mas eles eram também capazes de se redimir com outros atos, compensatórios, ao longo do longo tempo de vida que tinham. Jimin não queria mais viver sob o domínio deles, mas traria dos mais velhos muitos aprendizados sobre como existir de forma mais digna mesmo sendo condenados a essa forma de vida cruel e sem fim. É por isso que insistira em dar a Jungkook aquela pequena experiência de puro prazer. Era uma forma de compensá-lo.

Ele próprio sabia que se enganava com essa história, foder o outro não o redimia de nada, por mais prazer que pudesse fazer Jungkook sentir. No fundo, Jimin sabia que estava apenas encontrando uma maneira de usar o outro que o fazia se sentir menos culpado pelo egoísmo de desejar o mais novo. Podia pelo menos sentir-se desejado e amado por Jungkook por alguns minutos, algo tão raro já que todos os seres humanos com os quais havia se relacionado o desejavam por estarem compelidos por seu próprio veneno. Deparar-se com a cama vazia era triste. Doía pensar que Jungkook nem sequer havia se dignado a se despedir, porque essa saída sem um adeus apagava toda a história que Jimin havia criado em sua mente de que Jungkook o desejava, e talvez até gostasse dele, apesar de todos os abusos que havia cometido contra o mais novo.

Jimin puxou cautelosamente a cortina. Era noite, então abriu a janela para olhar do lado de fora da sacada, com a esperança de encontrar Kookie. A brisa do mar fazia as cortinas se balançarem levemente, mas Jungkook não estava ali. Debruçou-se na sacada, chateado e notou que havia uma confusão na avenida abaixo deles, que decidiu ignorar, já que o mais importante o entristecia: Jungkook não estava.

Voltou-se para o quarto e vestiu a cueca e a calça que havia usado na noite anterior. As roupas de Jungkook não estavam mais pelo chão como as suas, mas Jimin estava desanimado demais para vestir-se completamente.

Ligou para a recepção e pediu para chamarem um taxi em meia hora. Tinha um vôo particular reservado em um nome falso em algumas horas e iria deixar seu carro para trás, junto a qualquer evidência da passagem de Park Jimin por ali. Mas queria fazer algo antes.

Ao desligar, apenas pegou uma garrafa de bebida no frigobar e abriu a torneira da banheira, depois de vestir o robe pendurado em um cabide no banheiro, que o hotel fornecia aos clientes. Ele queria sumir do mundo, e era o que iria fazer logo, mas tinha tempo suficiente para se embriagar antes e tornar a ausência de Kookie menos dolorosa.

Lutou contra a tampa da garrafa que insistia em não se desenroscar. Não pôde evitar de pensar como seria agradável ter ali Jungkook, sempre tão forte, para abri-la para ele. Mas depois pensou que nem iria precisar beber se estivesse com ele. Com amargura, imaginou uma cena doce. Depois de abrir a garrafa, Kookie lhe beijaria os lábios com gentileza e passariam um bom tempo abraçados na banheira, jogando conversa fora, como na primeira noite em que se conheceram. Jimin abriu a garrafa, entornando acidentalmente um pouco do conteúdo sobre a calça. Depois, bebeu um grande gole, se amaldiçoando por ser quem era. Se ele fosse só um cara normal, poderia viver com Kookie um romance, ou pelo menos só um caso passageiro mas sem cárcere, se alimentar do sangue do outro ou influenciar os pensamentos e ações dele. Sorveu outro grande gole quando o telefone começou a tocar. Deveria ser a recepcionista. Ele tinha pedido o taxi para mais tarde, mas sabia que erros poderiam acontecer.

Tropeçou na mala entreaberta no caminho, fazendo-a se abrir totalmente e revelando seu conteúdo intacto. Jungkook havia indo embora sem que Jimin tivesse tido a oportunidade de entrega-lo uma quantia generosa de dinheiro ou os documentos falsos que poderiam ajudá-lo a fugir dos hyungs ou recomeçar a vida.

Atendeu o telefone desanimado.

-Por favor, venha até a recepção. – Era a voz de Danbi, agora sem nenhum entusiasmo e com certa urgência - O seu compan... o seu marido acabou de sofrer um acidente em frente ao hotel.

A confusão na rua era por causa de Jungkook? Ele havia sido atropelado? Estava bem? Sem sequer responder à Danbi, Jimin agarrou o casaco e o vestiu por cima do peito nu enquanto corria para fora, abriu a porta e desceu pelo elevador. Chegando à recepção, alguns outros hóspedes e funcionários olhavam para o lado de fora pela porta de vidro. A luz de uma ambulância piscava e curiosos cercavam o corpo de Jungkook, caído no chão. Jimin mal podia vê-lo entre a pequena aglomeração. Primeiro, enxergou em sua mão uma caixa com a logomarca de uma confeitaria e havia café e suco derramados sobre seu casaco. Seu corpo inerte parecia intacto, até que Jimin percebeu o posicionamento incomum do pescoço do outro, ainda envolvido pela gola, dessa vez totalmente fechada, não expondo totalmente o acidente que era evidente para qualquer um que conhecesse a forma do corpo humano: Uma fratura de coluna na altura da cervical. O rosto de Jungkook estava lindo, e havia um sorriso estampado nos lábios que Jimin havia ido dormir desejando beijar, beijar de verdade. Mas era incontestável, pela ausência de brilho naqueles olhos uma vez tão vivos: Jungkook estava morto.

Noites vivas - JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora