21. Carnificina

55 8 0
                                    

Jimin encerrou aquela parte da história e foi embora. Jungkook estava com a saúde cada vez mais recuperada, a mente mais distante das sensações trazidas pelo veneno de Jimin, que já não o intoxicavam. Já não sentia tanto cansaço, nem tanto desinteresse pela vida. O caso que Jimin vinha lhe contar o deixava na expectativa, mas também com medo. Ele já suspeitava o que Jimin tinha a lhe propor, mas precisava ouvir toda a história para pensar no que faria, caso a proposta fosse mesmo a que ele pensava.

Ao ouvir o clique na porta, anunciando a chegada do mais velho, se pôs sentado prontamente ao lado da mesa. Ao ver a comida, agarrou a colher de imediato, começando a comer e indicando com a cabeça que o outro prosseguisse de onde havia parado.

-Os hyungs haviam me dito para pensar na decisão que eu deveria tomar. Mas não foi muito fácil pensar. Durante aquela viagem de volta à Coréia, que parecia durar uma eternidade, eu estava, na verdade, lutando contra os novos instintos que eu descobria. Eu constantemente tinha que combater o desejo pelo sangue humano. Meu corpo era dominado pelo anseio que sentia pelos humanos que trabalhavam no barco, os únicos aptos a navegar durante o dia. Minha mente tentava em vão resistir aos pensamentos obsessivos sobre o sangue humano. Dormi um sono inquieto, acordando com a boca seca e sedenta. Eu só pensava em quão apetitoso seria matar aquela sede com o sabor metálico do sangue em minha língua. Um sabor que eu só conheceria em terra firme.

-Você não provou sangue humano durante a viagem?

-Não, Jungkook. Eu ainda não sabia se queria viver para sempre, já que eu não tinha mais ninguém no mundo. Por outro lado, eu não queria exatamente morrer... não ainda ou não racionalmente. O que eu faria depois de me vingar de Sada? Meu lado racional dizia não à ideia de viver para sempre. Meus instintos só queriam saber de sangue.

Até desembarcarmos em Busan, naquela noite fria, eu conseguia ter algum controle daquele desejo. Eu sabia que teria pouco tempo para escolher. Em breve eu deixaria de existir de vez, caso não bebesse do sangue humano. Hoseok havia prometido me segurar caso eu perdesse o controle e havia dito também que só me deixaria prosseguir com ações que eu tomasse conscientemente. Embarcaríamos na noite seguinte para um esconderijo na região central do país, arranjado às pressas via telegrama com os contatos dos hyungs. Lá, nos esconderíamos melhor de quem quer que quisesse se vingar de nós. Por mais que os hyungs tivessem planejado aquela ação ao máximo, haviam exposto sua posição contrária ao regime Japonês com aquele ataque. E agora era de se esperar que Sada e aqueles que tivessem sobrevivido ao ataque buscasse vingança também. Assim que voltamos à nossa terra, soubemos que todos os imortais haviam escapado às tentativas dos hyungs de atear fogo a eles. Só estavam com mais raiva, e provavelmente se articulariam à Sada.

A ideia deles nunca fora ficar no país depois do ataque à casa de Sada e agora aquilo se tornava ainda mais urgente. Em Geochang, entregariam o dinheiro aos camaradas que lutavam contra os japoneses e depois rumariam a Incheon, onde embarcariam em mais uma fuga para fora do país. Namjoon e Yoongi haviam se comprometido em ajudar o país pelo lado de fora, assim que expusessem suas identidades como rebeldes contra o Japão. Hoseok e Seokjin concordavam e faziam o melhor para aterem-se ao plano. Mas nenhum deles contava com um recém transformado e isso pedia ao menos alguns dias para que a viagem não se tornasse desastrosa.

Eles só queriam ter libertado a todos nós, escravos de Sada e permitir que voltássemos à Coréia. Alguns dos homens que serviam Sada estavam retornando no mesmo barco que nós. Um deles havia morrido e um outro preferira ficar no Japão, e eu, que deveria acompanhar os hyungs para entender melhor o que estava se passando comigo precisava de um tempo para isso. Eu tentava me conter e justamente por isso, estava enlouquecendo por sangue humano.

Durante o dia, nos escondemos em um hotel. Seokjin tinha amizade com a dona do Hotel Glory e teríamos passado um dia tranquilo de descanso caso não houvesse lá bebida e ópio. Para Seokjin, eles pareciam ser uma distração. Talvez ele fosse viciado também, mas não tanto quanto eu, que tinha amarras mentais muito mais fortes me ligando àquelas formas de escape. Para mim, era um vício já incontrolável. Tanto quanto meu desejo crescente de provar a carne humana. Na esperança de combater o desejo que eu não sabia se queria, me entreguei ao vício que já conhecia. Foi o meu erro.

Seokjin, responsável por me ajudar enquanto os outros descansavam, se distraíra com jogos que pediam bebida, mas havia se tornado um jogador inconveniente e fora mandado pela dona do hotel de volta a seu quarto, para que não perturbasse mais os outros hóspedes com suas brincadeiras sem limite. A bebida despertou a vontade do ópio, que ele arranjou pulando a janela, descendo pela sacada do quarto e retornando após um tempo. Ele começou a fumar e eu não consegui não reagir àquele estímulo, embora quisesse fazê-lo. Não era tão forte quanto o beijo de Sada e aquilo me fez querer mais. Eu e ele acabamos ficando entorpecidos demais. Seokjin não pôde me segurar ou sequer entender o que estava acontecendo.

Uma das camareiras, e antiga conhecida de Seokjin havia entrado no quarto para trazer mais uma garrafa da bebida favorita dele. O cheiro que emanava dela era irresistível, e eu podia ouvir seu coração pulsando. Sua pele parecia mais viva, como eu jamais havia visto alguma pele humana. Ela se aproximou demais de mim para deixar a bebida em uma mesa entre Seokjin e eu. Não me contive. Segurei o braço dela, puxando-a para mim e ela gritou por socorro. Seokjin meramente abriu os olhos e sorriu. "Jiminie, deixe ela ir. Não foi isso que nós te ensinamos." Sua ordem tinha um tom de brincadeira, mas ao me voltar para ouvi-lo, a moça conseguira me empurrar para trás. Tive ainda forças para me conter, mas logo um outro rapaz, também uniformizado como trabalhador do hotel, chegou para defendê-la. Ele parecia ser o namorado dela ou algo assim, porque ele estava protetor e eles se tratavam de forma íntima. Me levantei para pedir desculpas, mas ele tinha o sangue quente. Literal e figurativamente. Entrou em uma discussão comigo, que fez com que Seokjin se aprumasse em sua cadeira, mas nada além daquilo. Eu ouvia o coração dele acelerando e sentia seu cheiro doce. Me aproximei, e mesmo me segurando para não mordê-lo como meu corpo implorava para que fizesse, ele interpretou aquilo como um ataque. Me segurou pelo pescoço e eu não me lembro de pensar muito além daquilo.

Com um pouco de atraso, percebi que eu estava muito mais forte e ágil do que quando era humano. Minhas mandíbulas tinham a exata força para romper a pele profundamente com um só golpe da minha boca, minhas mãos e pernas o imobilizaram facilmente e meus dentes não precisaram de usar muita força para chegar à carne e sugar o sangue que saía diretamente da artéria. Era delicioso e eu sentia um prazer quase sexual. Eu ainda não sabia do que meu corpo era capaz e nem como usá-lo da melhor maneira. Eu não tinha controle, e só parei quando ouvi o grito estridente da camareira horrorizada. Seokjin demorou alguns segundos para se aproximar de mim e me afastar do rapaz, já sem vida em meus braços. Olhei a cena. Havia sangue ainda jorrando pelo pescoço do jovem à minha frente e eu estava com as mãos, o rosto e o peito cobertos pelo sangue daquele corpo sem vida.

Comecei a gritar e me debater enquanto Seokjin me afastava do rapaz. A cena era terrível e eu sentia desgosto de mim mesmo. Eu me lembro de Namjoon e Yoongi chegarem ao quarto. Hoseok pegou as coisas de Seokjin e o puxava junto a ele para fora dali, dizendo que agora seriam procurados, que saberiam quem éramos. Seokjin disse que a dona do hotel ficaria chateada, como se tudo fosse tão simples e pequeno. Namjoon passou a me segurar e me tirava dali. Eu ainda sentia desejo pelo sangue, mas ao mesmo tempo pavor do que havia feito. Não foi um trabalho fácil me tirar dali. Antes que mais alguém chegasse ao quarto, Yoongi aproximou-se da moça em prantos com a desculpa de consolá-la, mas logo a beijou a força. Tocou o braço dela e ordenou que ela se esquecesse da cena e fosse embora. Enquanto Namjoon e Hoseok nos conduziam para fora, Yoongi ficou para trás recolhendo os objetos e a bagagem dos outros. Eu me pergunto quantas pessoas ele teve que beijar no meio do caminho, para que saíssemos tão calmamente da cena de um crime tão sangrento.

Do lado de fora, o sol ainda estava se pondo. Nos cobrimos com nossos casacos e capas e fomos em direção a uma camionete cuja parte traseira estava coberta por uma lona escura. Ficamos lá embaixo esperando. Seokjin pouco se abalara, e logo estava dormindo, entorpecido. Eu chorava ao mesmo tempo que sentia em todo corpo uma enorme satisfação, tendo finalmente saciado aquele desejo que me consumira nos últimos dias. Em pouco tempo Yoongi chegava, também coberto e acompanhado de um humano, tranquilamente exposto ao sol. Ele segurou o pulso do outro que foi para a cabine do caminhão. Trazendo consigo as malas, sentou-se ao nosso lado na traseira da camionete.

Trocando apenas um olhar com Namjoon e Hoseok, eles já pareciam saber o que tinham que fazer em seguida. Isso não significava que estavam satisfeitos.

Noites vivas - JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora