carminho
O desconforto do banco do Citroen C4 da minha mãe tornava-se cada vez maior. O facto de o partilhar com as minhas irmãs, ainda era menos favorável ás minhas costas. Ambas iam adormecidas, encostadas uma à outra.
Estávamos quase a chegar a Madrid, pelo que diziam as placas informativas.
- O teu cão está a ficar maluco. - A minha mãe murmurou baixo, referindo-se a Tyson, o meu pit bull de sete meses.
- Quem não está.
Retorqui. Pela sua expressão, creio que percebeu o duplo sentido do que havia dito. Era só mais um ataque discreto, em relação á mais recente decisão da minha mãe.
Aceitar uma vaga de trabalho numa empresa de advogados em Madrid. Tirar as três filhas da escola, deixar Lisboa e tudo para trás. Por mais que fosse uma boa oportunidade, a sua carreira estava a progredir bastante bem em Portugal, o que tornava desnecessária toda a mudança. No entanto, ali estávamos nós.
Ainda há uns meses tinha recebido um aumento, devido a um caso bastante difícil que conseguiu ganhar. O que mais me intrigou, foi o facto de nada nos ter dito.
Chegou na tarde anterior a casa, atirou a notícia para cima da mesa, sem sequer pedir a nossa opinião sobre a mesma.
Senti-me triste por cancelar a matrícula, nem tive a oportunidade me despedir em condições das pessoas. Nem de raciocinar sequer sobre a mudança que a minha vida estava a ter. Sendo mãe.. Podia ter mostrado alguma preocupação nesse aspeto.
Simplesmente tomou a decisão e pouco ou nada se preocupou com os estudos das filhas e com a própria opinião.
Apenas aceitou o trabalho.
- Vais continuar chateada, Carmo? - Olhou-me pelo retrovisor do carro.
Encolhi os ombros.
- Percebo que não seja fácil deixar os teus amigos para trás, mas tens vinte e dois anos, a vida não acaba aqui.
- Achas que é só isso? E a faculdade? Não sei se sabes, mas tinha uma vida.
- Vida que eu te dei.
Acreditar no que estava a ouvir? Não mesmo. A minha reação foi colocar os headphones, fechar os olhos e voltar a dormir. Ou a tentar. Estava a ficar louca com todo o trabalho e luxúria.
O ordenado não era mau, muito menos as recompensas de casos ganhos. Para além de ter trabalhado para clientes de outros países, que se esmeravam bastante. Ela merecia, sem dúvidas sobre as suas capacidades e o quão profissional a minha mãe era.
Podia apenas ter feito as coisas diferentes. E não deixar que o dinheiro a molde de forma tão negativa e superficial.
Após longas horas de caminho, estávamos finalmente a chegar á nossa nova morada. Não sabia como era a casa, apenas que era maior e o lugar era bastante seguro.
A Advogada Gomes, apenas nos informou que a empresa lhe deu algumas opções.
- É a 1001. - Comentou connosco. - É branca, se não me engano. Tem vedação, o que é bastante seguro para o Tyson. Quatro quartos, o que me pesou mais na escolha.
- Vais separar as gémeas?
- Não, mas faz sempre falta. Tens o quarto com a casa de banho maior. - Esperou uma reação e não a obteve. - Todos têm uma. Há cinco.
- Compraste uma mansão? - Franzi as sobrancelhas, sem ter noção do que dizia. - Não sei... Saiu-te a lotaria e não sei?
A mesma ignorou, pegando num comando.
Apercebi-me que era o comando da garagem de uma casa enorme, bastante moderna. Agradou-me imenso o quão espaçosa era. Há anos que já vivíamos num apartamento no Saldanha e que sempre quis viver numa vivenda.
Não precisava de ser nem metade da que estava diante dos meus olhos, mas imaginar ter um jardim, um espaço ao ar livre, deixava-me um pouco menos pesada com a decisão.
No entanto, não sabia bem como reagir.
Ao abrir a porta, a primeira coisa em que reparei foi na luminosidade do espaço. O cinza claro e o branco pelas paredes. Assim como os tons castanhos claros no chão.
Estava decorada com móveis claros também, nos brancos, cinzentos, cremes e preto. Estava a viver o sonho das adolescentes do Twitter. O meu próprio sonho, visto que era amante deste tipo de arquitetura e decoração.
- Pedi que tivessem especial atenção ao Tyson e ao Lucas. - Fez sinal para que a seguíssemos, o que fizemos as três.
Perto das escadas para o primeiro andar, encontrava-se uma porta de correr em vidro, o que nos dava fácil visão para o interior. Estava decorada para os nossos animais, o que encheu o meu coração por completo.
Nem podia acreditar que a minha mãe se tinha lembrado de tal pormenor. O Lucas já está nas mãos das minhas irmãs há quatro anos. Têm a maior paixão por ele.
A ideia de trazer um cão não foi bem aceite por parte da minha mãe. Principalmente, quando a raça foi revelada.
Porém, com muito esforço e ao pegar no bebé de dois meses ao colo, não foi capaz de negar. A minha mãe adorava-o, assim como as meninas, o que me deixou realizada.
Por outro lado, a personalidade do Tyson era apaixonante. Amável, brincalhão, carinhoso e a facilidade com que o eduquei... Conquistou-nos num piscar de olhos. Ele era bastante protetor, até com o próprio gato.
- O Lucas vai adorar! - A Leonor pousou a transportadora do felino de pêlos pretos. - Já o posso soltar?
- Claro!
Já o Tyson andava a cheirar as camas e as taças vazias há algum tempo.