Carminho
- Como assim?
- Não era suposto ser difícil. - Sussurrou de novo, ainda a fumar. - Devias de estar em casa e não aqui à minha frente.
- Creio que sou livre para continuar a viver. - O rapaz encolheu os ombros.
- Estar longe de ti é uma tortura.
Murmurou baixo, com uma mágoa na voz. Os nossos olhares encontraram-se de novo. Podia ver o quão vulnerável o Ander se sentia. Todo o brilho no seu olhar era exagerado. Cativava-me a decifrar os pensamentos dele.
Lambi os meus lábios, engolindo as suas palavras com uma dificuldade imensa. Afastar, confundir-me e ser vulnerável. Ele parecia não saber qual escolher.
Então era vulnerável num dia, afastava-me num outro e pouco depois, confundia-me com o que dizia.
Segurei o rosto dele.
- O que se passa Ander? Porque estás a fazer-me isto? - Sussurrei também, com os lábios tão perto dos dele, que só desejava beija-lo. - O que é que eu fiz?
Preso nos meus olhos, segui o movimento dos seus lábios a afastar. Lentamente e perdido em mim e no meu toque.
Na aproximação repentina.
- Não fizeste nada. - Senti as suas mãos quentes na minha cintura. - Gosto tanto de ti, mais do que podia imaginar.
- Então porque me afastas?
- Porque não consigo. Não consigo estar numa relação. Carminho... Afasta-te de mim.
Como estava distraído em convencer-me daquilo que nem ele estava convencido, segurei as pontas dos pés e rocei os meus lábios contra os de Ander. O rapaz deu um passo atrás, pela surpresa do meu ato.
Sem ser capaz de se afastar ou de me impedir, levei a sua boca num beijo. Este, que em meros segundos se tornou agressivo. Podia sentir toda a sua frustração num beijo.
E na forma como quase rasgava a minha pele, de segurar com tanta força. Levou a mão até à minha nuca, apertando-a.
Arfei contra os lábios dele, ao sentir um puxão forte nos meus cabelos.
Estes que enrolava aos seus dedos.
- Foda-se Carminho, não me faças ser uma pessoa que não quero saber. Por favor, precisas de te manter longe de mim.
Ao olhar por cima do ombro, afastou-me com alguma forma e sussurrou um desculpa. Fiquei bastante confusa com a atitude do moreno, até perceber que olhava para Danna. Elevou o tom de voz e gritou comigo.
Gritou para me afastar e que nunca gostou realmente de mim, que só se quis aproveitar de mim, visto que não conhecia ninguém. Aquelas palavras foram como facas.
No entanto, bastava conhecer o olhar dele, para perceber o quão magoado se sentia com as palavras que me gritava.
Perante todas as pessoas.
E o quão humilhante era para mim. Cresceram lágrimas de raiva em mim.
- Espero que valha a pena. Sabes o quanto fui humilhada antes. Nunca te vou perdoar Ander, seja por que motivo for.
Sussurrei, virando-lhe coisas.
Podia ouvir as risadas de Danna e Valério, o seu namorado e amigo de Ander. Para além das imensas pessoas que simplesmente assistiram à humilhação e pareciam comentar entre elas, cada vez que passava.
Sai do recinto da festa, desejando apenas ir para casa. As lágrimas insistiam em cair, pelas memórias que despertou em mim.
Sentada no parque de estacionamento, decidi fazer uma segunda ganza.
Precisava de acalmar.
Fechei os olhos, sentindo um nó na garganta. O poder que a Danna parecia ter no Ander era do mais assustador possível. Ou então, foi honesto e admitiu que brincou comigo, enquanto a sua apaixonada estava com outro.
Porém, ela continuava com Valério e cada vez as fotos aumentavam nas redes sociais. Parecia estar muito apaixonada pelo atual, para ter um peso nas escolhas de Ander.
No entanto, já não sabia no que acreditar. Eles eram pessoas muito estranhas.
Pensei em marcar o número da Íris e conversar com ela, para me conseguir acalmar. Porém, as lágrimas não paravam.
Senti tudo novamente.
Todas as vezes em que Esteves se sobrepôs a mim perante os amigos e gozou como para ver as reações dos amigos. Todos os insultos e toda a segurança que jamais senti.
Como é que o meu vizinho da frente, que era apaixonado por mim, foi capaz de repetir parte do que senti na altura?
A humilhação, a vergonha.
- Miúda, estás bem?
Reconheci a voz de Christian. Podia esconder o quão triste me sentia, mas nem me importei. A verdade, é que não conseguia fingir.
- Aquele animal tem graves problemas. - Falou rude, observando Ander com Danna, também à saída do recinto. - Ele não te merece. Não sabe o que quer e acabou por magoar a única pessoa inocente desta história.
- O que é que se passa com ele, parece que se transformou nos últimos dias. O que tem tanto ela, para o comandar?
- Nem eu sei. - Segurou a minha sopa, visto que estava a tremer imenso. - Não percas o teu tempo com ele. - Sentou-se ao meu lado. - É ele quem perde uma miúda maravilhosa. Vi bem o quão feliz ele estava.
Respirei fundo, sentindo as lágrimas.
- Sabes, ás vezes encontramos uma pessoa tão pura em relação ao que sente, que não sabemos com o que estamos a lidar.
Terminou de enrolar a minha ganza, entregando-me a mesma. Agradeci-lhe. Passei as mãos nos olhos, tentando parar de chorar e humilhar-me ainda mais
- E nunca chegamos a saber com o que estamos a lidar. E dessa forma, perdemos.
(...)