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Carminho

Sentia-me deprimida.

Sábado de manhã, deitada na cama com as persianas fechadas, assim como a luz e a porta do quarto. Apenas segurava o telemóvel, vendo as últimas novidades.

As publicações eram da festa da noite anterior e a que se iria realizar esta noite. Não era numa das casas habituais, mas sim num descampado, perto da faculdade. Era uma zona com vedação e com pelo menos três palcos distintos.

Nos palcos iam atuar mesmo bandas, o que me encheu de vontade de ir. No entanto, evitar era o que queria continuar a fazer.

Por mais que fosse tentador, não havia qualquer ânimo dentro de mim para estar com a Luna e as suas amigas, visto que só ia estar a estragar a diversão delas. Talvez, fosse mesmo capaz de ir sozinha.

Vestir algo simples, conduzir até ao local e conhecer o ambiente da festa. Se fosse algo que me cativasse, talvez ficasse por lá.

Sem querer pensar mais no assunto, desci as escadas para a cozinha. Preparei cereais, pois o meu apetite não andava na sua melhor fase. As minhas irmãs mergulhavam na piscina, gritos e gargalhadas invadiam os meus ouvidos. Acabei por sair para o jardim.

Encontrei a minha mãe nos sofás a ler um livro, bastante entretida. Juntei-me á advogada portuguesa, sentando-me não outra ponta do sofá, recebendo um olhar.

- O que se passa? Andas tão tristinha...

- É uma boa pergunta. O Ander ficou estranho comigo e começou a evitar-me. - Admiti, numa tentativa de perceber.

- Como assim?

- Não sei explicar. Continuo a achar que ele dormiu com a ex namorada. Mesmo que tenha dito que não, sei lá, já me passaram a perna por muito tempo. Não vai voltar a acontecer.

- Que estranho Carmo, ainda há uns dias teve a jantar connosco. Tens a certeza que é mesmo o que se passou?

- Na verdade, não... Mas eles trocavam um olhar muito cúmplice. Seja o que for, tem a ver com a Danna. E se são sentimentos, prefiro só nem me meter.

A minha mãe balançou a cabeça, perante o meu tom a puxar um sotaque mais calão. Tinha esse hábito, tal como a Íris. Uma pronúncia mais de bairro, como os nossos amigos angolanos, com quem saíamos algumas vezes.

Começamos a ganhar muito a pronúncia deles e algumas palavras, embora fosse mais quando estávamos chateadas ou na presença deles. Ás vezes, só mesmo para gozar.

Que saudades de uma boa noitada lisboeta até ás tantas da manhã.

- Algo deve ter sido filha, tentas falar com ele depois. Só não te vás abaixo por favor. Lembra-te de tudo o que o Esteves te fez. Não te deixes voltar para esse buraco.

- Achas mãe? Claro que não. O Ander nunca me tratou mal ou humilhou. Pelo contrário. Até fico parva com a mudança de humor.

Ela manteve-se em silêncio.

- Estava a gostar mesmo de estar com ele. - Ela olhou para mim, compreendendo.

- O que é que é suposto fazer?

- Viver Carminho, como o que tens feito. Eu sei que estavas apegada ao rapaz, dá-lhe tempo. E filha, não acredito, de todo, que tenha algo com a ex namorada. - Encontrei os ombros. - Deixa passar algum tempo.

Balancei a cabeça, deixando escapar um suspiro confuso e frustrado meu. Gostava tanto de conseguir perceber o porquê.

De acreditar e confiar nele.

Mas não conseguia. Mesmo que toda a nossa relação desde que cheguei a Espanha fosse feita apenas de boas memórias, era estranho. Ele era tão amoroso e transparente comigo, como pode ter fingido aquele brilho no olhar?

Pousei os cereais, por com toda a conversa nem os consegui comer. Encostei-me melhor, com o Tyson em cima das minhas pernas. As meninas continuavam a brincar na agua.

- Porque não vais sair hoje?

- Estava a pensar passar numa destas que vão haver com concertos, mas só quero evitar todas as pessoas daqui. Sem exceção.

- Por amor de Deus Maria do Carmo, não deixes que te pisem. És melhor que isto. E não estás em Portugal, não cometas o mesmo erro e faz-te uma mulher. Sem medos.

A minha mãe até pousou o livro no sofá, pronta para me dar o maior sermão da minha vida. E a lição de mora do dia.

Começou por falar da pessoa que era antes da minha relação, durante e nos últimos dias. Que sabia bem a essência forte que tenho. Começou a lembrar-se do medo que sentiu por achar que me ia perder e que jamais me vai deixar chegar ao fundo do poço de novo.

Lágrimas ardiam nos meus olhos.

Foi uma fase tão negra da minha vida, que tocar no assunto ainda mexia muito comigo e com as minhas emoções.

HIGH  ➛  ANDER MUÑOZOnde histórias criam vida. Descubra agora