carminho
- Como é que ele ainda tem coragem... - Ouvia Íris do outro lado da ligação. - Nem te deixes ir abaixo Carminho.
- Ele é louco.
- Nada que já não saibamos. Já está na altura dele cair nele e parar.
Concordei com ela.
Comecei a ouvir alguns passos, reconhecendo o moreno da noite anterior. Forcei um sorriso, de modo a cumprimentá-lo. Ele sentou-se pouco a meu lado e começou a fumar.
Desliguei a chamada com a Íris, pois não fazia questão de falar na presença dele.
De forma discreta, afastei as lágrimas do meu rosto e limpei a garganta, mantendo o olhar no meu telemóvel.
- Queres?
Segurava uma ganza entre os dedos.
A minha vontade era aceitar, embora não fosse algo que me fizesse sentir bem, visto que não o conhecia para sentir esse à vontade. Demorei a processar a resposta.
- Aceita. Dá para ver que não estás bem.
- Obrigada. - Aceitei o objeto. - Já não tenho. E a minha amiga só chega amanhã.
- Posso tentar arranjar, se quiseres. - Ofereceu-se, sempre num tom baixo e sem expressões. O rapaz era simplesmente... Neutro.
- Ó, obrigada... Mas não é preciso.
O Ace estava com o moreno, embora o Tyson ter ficado em casa. Sai tão apressada, que nem pensei em trazê-lo comigo. Comentei isso com o rapaz ao meu lado, pois o mesmo perguntou pelo meu cão.
Apercebia-me que não sabia o nome dele. Com o telemóvel nas mãos, colocou música e pousou o iPhone no muro entre nós.
- Sou a Carminho. - Deixei escapar. - Já queres orientar e nem sei o teu nome.
- Ander.
Olhou-me pelo canto do olho, soltando o fumo lentamente. Ele era bem bonito. Era iluminado pela luz do candeeiro, permitindo-me uma fácil visão do seu rosto.
Pele pouco bronzeada, cabelo rapado e olhos castanhos. Reparei no pormenor dos lábios um pouco carnudos dele.
Era mais alto que eu, pelos braços percebi que fazia exercício fisico.
- Está a cair-me mesmo bem.
Deixei escapar um comentário, pois começava a sentir-me um pouco pesada e a sensação era a que precisava de momento.
Ele olhou-me por breves instantes, acabando por sorrir. Tal como suspeitava, sorriso direito e bonito, o que completava todo o atraente que ele era aos meus olhos.
- Estás a ficar drogada. Dá para ver nos teus olhos! - Acabei por sorrir.
- Estou pedrada mesmo. - Ele mostrou-se um tanto confuso e eu soltei uma gargalhada. - É o que dizemos em Portugal.
- És portuguesa? - Assenti. - Falas bem espanhol, não diria que não eras de cá. - Sorri, agradecendo-lhe. - Pelo menos estás animada, o que já valeu a pena.
Concordei com ele.
- Parecias tão bem de manhã...
Congelei por completo. Vi o seu sorriso e expressão divertida e provocadora. Sabia muito bem ao que se estava a referir, embora já nem me lembrasse por causa dos nervos.
Senti o meu rosto a aquecer novamente e pela expressão dele, ele sabia exatamente os efeitos que estava a conseguir em mim.
- Invasão de propriedade privada.
- Não precisei de invadir nada. - Balancei a cabeça e acabei por me rir. - Estás a ambientar-te bastante bem à vizinhança.
- Tão engraçadinho que estamos. Não parecias estar nada incomodado.
- E não estava.
Murmurou baixo, prendendo o meu olhar no dele. Lambi os lábios um pouco nervosa com as suas atenções em mim, o que me obrigou então a desviar os nossos olhares.
Fiquei um pouco tímida, embora não tivesse a sentir o constrangimento que antes senti.
- Mudando de assunto...
Ele soltou uma risada baixa, levando a ganza a terminar aos lábios. Observei todo o processo e tentei controlar a vontade de me rir. Estava tão pedrada que fixava facilmente um pormenor e não podia acontecer com ele.
Ainda ficávamos os dois constrangidos.
- Como te estás a ambientar na vizinhança? - O moreno quebrou o silêncio.
- Não estou. - Encolhi os ombros. - Foste a primeira e única pessoa com quem falei, sendo muito sincera. - Contei-lhe.
- Porquê? Não me pareces ser do tipo antisocial e discreta. Pelo contrário mesmo.
- Discreta tento ser mesmo. Social... Já tive as minhas fases. Agora só quero sossego e paz em tudo á minha volta. - Acabei por desabafar. - E espero que na faculdade consiga o mesmo.
Ele manteve-se em silêncio, apenas a ouvir.
- Não estava nada á espera desta mudança. Só quero que seja positiva. - Suspirei, encarando o moreno ao meu lado.
- Parece que tem tudo para ser. Parece-me que precisavas mesmo de sair da tua bolha, não te dás com as loucas da zona e estás a fumar uma comigo, podia ser melhor?
Soltei uma breve risada.
Creio que estávamos ambos pedrados, o que tornava a comunicação mais fácil. Acabamos a falar dos nossos cães.
E depois da faculdade.