carminho
Estávamos a meio da semana. As gémeas não paravam de falar da escola e na quantidade de crianças que já conheciam.
Era uma escola privada em Madrid, a uns vinte minutos de carro da nossa casa. Mencionaram também os miúdos da vizinhança que lá estudavam. Foi ótimo perceber que se estavam a ambientar facilmente.
Esperava que acontecesse o mesmo comigo, mas sabia que com os jovens adultos era muito mais complicado. No entanto, não era o género de social ou algo que se parecesse.
Gostava da minha privacidade e sinceramente, estava cansada de pessoas.
- Mãe, daqui a nada vou passear o Tyson, não te assustes. - Avisei-a, percebendo que estava o mais concentrada na novela, possível.
Uma das coisas que me preocupava, era ser uma portuguesa no meio da espanhóis. Mesmo que fosse fluente em espanhol, não era a língua que mais me fascinava. Sabia falar espanhol já desde o tempo do ensino básico.
Também era fluente em inglês, sendo a língua que mais gostava e tinha facilidade. Sabia algo de italiano e francês.
A minha mãe era uma verdadeira poliglota de tanto ter viajado na sua adolescência e então, a mesma achava que tinha de passar esse dom ás suas filhas.
O que não foi nada má ideia.
Perto das dez da noite, vesti um casaco e calcei os ténis, pronta para ir passear o cão. Apanhar ar, fumar um pouco e ligar para a Íris.
Era o que fazia todos os dias, desde que estava em Madrid. Era a única distração.
Falava com a rapariga, enquanto tomava atenção ao Tyson, visto que não ia com trela. A rua estava vazia, o que me agradou bastante. O mesmo começou a ladrar, quando chegamos ao muro onde costumávamos estar.
Reparei que estava um rapaz com um cão enorme a seu lado, daí a reação do Tyson. Era a sua forma de avisar-me.
- Faz mal?
- Não, é só brincalhão. - Murmurei ao colocar a trela de novo no Tyson.
- O meu também não. Deixa-o solto. - Assenti, voltando a tirar a trela. Logo, o meu rapaz foi a encontro do Leão da Rodésia. - Como é que ele se chama? É novinho ainda.
- Tem sete meses. Tyson e o teu?
- Ace.
Decidi sentar-me no muro, observando os dois animais a rebolar pelo chão. Reparei no que ele tinha entre os dedos.
O primeiro podre dos meninos ricos da minha vizinhança. Estava surpreendida.
- Importas-te?
Perguntou, ao perceber que o encarava. Neguei com a cabeça, tirando a minha da carteira. Não sabia se devia mostrar que também fumava, no entanto, ele estava a faze-lo. O que me fez crer que não ia contar a ninguém.
Segurei o objeto nos dedos, vendo-o a sorrir leve com os lábios em resposta. Informei a Íris por mensagem que lhe ia ligar mais tarde, pois não estava sozinha.
- A tua família foi a que se mudou para o 1001?
Olhei para o moreno sentado a meu lado, que continuava a observar os cães.
- Sim, sou a nova do bairro. - Respondi num tom irónico. - Chegamos há uma semana, mais ou menos. - Esclareci.
- A minha mãe comentou. Os novos vizinhos da frente. - Arqueei a sobrancelha.
- A sério?
Olhou para mim, balançando a cabeça de modo a afirmar. Não fazia a mínima ideia que o rapaz morava à minha frente. Creio que só tinha visto um homem com um menino de dez anos, mais ou menos há uns dias atrás.
Ficamos novamente em silêncio. Já me sentia um pouco mole, devido aos efeitos do que tinha fumado. Guardei metade para o dia seguinte, pois a Íris só chegava daqui a dois dias.
- Ele é mesmo fofo, não estou a aguentar. - Os meus olhos fixavam o Ace, a rebolar com todo o pêlo que tinha.
- És tu que tens vindo para aqui? - Olhei para o rapaz, que me olhava também.
- Sim... Todas as noites.
- Os meus amigos disseram-me que alguém se tinha apoderado do nosso sitio.
- Culpada. Espero que não te importes de partilhar, porque é o único sítio onde gosto de estar, desde que cá estou. - Expliquei. - E para fumar é mesmo indicado.
- Percebo. É onde costumo estar com os rapazes já desde que moramos aqui. - Contou, franzindo a sobrancelha.
- Sim...?
- Pode ser que partilhe. Vamos ver. - Sorri-lhe, vendo-o a sorrir leve outra vez.
Após alguns minutos, acabei por me levantar e por chamar o Tyson. Estava bastante mole, mal podia esperar pela minha cama.
Perguntei ao rapaz se iria ficar e este respondeu que sim. Acenei-lhe, desejando-lhe um até amanhã, caminhando para casa. Liguei à Íris pelo caminho, contando-lhe por alto que conheci o meu vizinho da frente.
- Ele é giro?
- Pareceu-me ser, sim. Estava lá a fumar e tem todo um ar rebelde. - Ouvi a sua risada. - E tem um cão mesmo fofo.
- Vês! Já têm coisas em comum. Ambos gostam de cães e fumam ganzas. Nada mais romântico. E também... O que perdes? - Fiquei chocada com a sua conversa.
- Mas tu só pensas nisso? Ainda agora troquei umas palavras com ele, já estás a insinuar para ir conhecer os bancos do carro?
Ambas começamos a rir.
- Sim mana. Troquem palavras e tudo o que seja possível! - Ela era louca.