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BALA

Cheguei voado, parei a moto de qualquer jeito no meio da rua, sabendo que os caras viriam atrás na escolta, foda-se. Minha vista tremeu, quando eu vi a mulher que matou o Daniel, aos 7 anos, tentando agredir a mulher que resgatou o Daniel, aos 25.

A primeira porrada foi ali mesmo, na frente da escola. Foda-se!

A minha passagem só de ida pro inferno acabou de chegar, eu senti. Pra muitos, mãe é sagrada, né? Mas que me julguem eles, que não sabem da missa, um terço. Na minha versão, na minha realidade, ela não é ninguém.

Bala: SOLTA A MINHA MULHER, SEU DEMÔNIO! — dei uma coronhada nela, que caiu de banda, no meio da calçada.

A Viviane parecia estar em outra dimensão, porque não fez nada além de olhar pra ela, estirada no chão, com o sangue começando a sair.

Andei até ela, abracei, apertei, cheirei e conferi o corpo todo, vendo se tinha alguma parada diferente. Mas graças a Deus, tinha nada.

Bala: Fala alguma coisa, preta. Fala! — estávamos abraçados, ela só encostou o rosto no meu peito e respirou fundo.

A vagabunda da Roberta tava desacordada, fiz sinal pros moleques tirarem ela de lá, e assim eles o fizeram. Botaram num carro e o resto era comigo...

A essa hora, eu já era o bicho papão pra toda a galera que tava olhando o showzinho da Roberta, uns me davam razão, mas em sua maioria, era só julgamento. Eu conheço bem esses olhares, cresci sob eles...

Viviane: Daniel. — levantou o rosto, me olhando nos olhos. — Por favor, não faz isso que você tá pensando. Você não vai se desculpar por isso, eu não posso medir a sua dor, não posso dizer que imagino, porque não passei nem perto do que você viveu. Mas por favor, amor, promete pra mim, que isso. — deu ênfase à última palavra. — Você não vai fazer.

Bala: Te falar a real, consigo te prometer isso não, mas prometo que pelo menos tentar, eu vou... — dei um beijo na testa dela e nos soltamos.

Viviane: Por favor! — balancei a cabeça em sinal de positivo e ela voltou pra escola.

Desenrolei com a tia da casa da frente, mãe de um parceiro meu, pra um cara desses que lava carro, lavar a calçada, antes que qualquer criança ou mais alguém, viesse a sujeira que a Roberta fez. Dei o dinheiro a ela, subi na moto e fui direto no patrão.

Cheguei lá soltando fogo, virado no bicho. Cego, eu estava cego.

Sangue tava no escritório, fazendo a contabilidade com mais dois dos nossos. Geral me olhou assustado, papo de levantar e tudo, achando que o bagulho era com eles.

Bala: Se ninguém tomar frente, eu vou passar ela. Sem dor na consciência. — meti sério.

Sangue: Qual foi, po. Senta aí! Dá uma relaxada, dá um trago.

Bala: Quero porra nenhuma não, Sangue. — respirei fundo. — Dá um toque na Fabi aí pra mim, vê o que ela pode fazer por mim, porque se eu fizer, vai ser só caixão e vela preta.

Estava inquieto, andei de um lado pro outro naquela salinha, até o Sangue me trazer uma reposta. Não era a que eu queria ouvir, porque infelizmente, a Fabi ia tomar frente...

Larguei tudo pra lá, passei a planta pros moleques, montei na moto e guiei até em casa. Não falei com ninguém, só passei batido pro meu quarto, afundei no banheiro e perdi a noção do tempo lá.

Não vai adiantar ela tomar essa coça, tenho certeza que uma hora ou outra, ela vai atrás dos moleques e eu vou ter que me meter.

Pra falar a real, eu quero mesmo que ela venha na minha direção, mas que eu esteja no meu limite mesmo, sem neurose. Não há nada no mundo que me faça perder a raiva...

Eu sentia meu sangue correr quente, como se me queimasse todo por dentro. Não conseguia regular minha respiração, meu pensamento era só morte, era só sangue, eu não enxergava mais nada além disso.

Saí do banho, joguei uma roupa qualquer e fiquei na cama, sem conversa, sem música, sem televisão. Rádio e celular desligados...

Acabei dormindo, apaguei de verdade e só acordei, porque senti o beijo da Viviane na minha testa. Ela nem percebeu que eu tava acordado, virou as costas e eu agarrei na perna dela.

Bala: Já ia aonde? Vem cá! — virou e eu a puxei pra mim, fazendo com que ela se deitasse em cima de mim. — Tá tudo bem? Como que as crianças estão?

Viviane: Ia tomar banho, sabe que não gosto de ficar com roupa de rua. — me deu um selinho.

Sua voz estava triste, seu olhar também. Ela não tirava os olhos do meu e eu sustentava, acho que era isso que mantinha a nossa conexão na alta.

Viviane: As crianças estão bem, na medida do possível. Mas, se você e sua avó permitirem, quero levá-los a um psicólogo.

Bala: Vai levar eles em coisa de maluco?

Viviane: Não, não, não. — negou com a cabeça. — Psicólogo não é coisa de maluco. Eles precisam de ajuda, você também, inclusive. Mas...

Bala: Leva eles sim, mas nem inventa de me levar... — bufei.

Viviane: Vou tomar um banho. Preciso!

Ela ia se levantando, mas travei seu corpo no meu, segurando firme em sua cintura.

Bala: Eu te amo pra caralho e te admiro mil vezes mais. — ela sorriu e mesmo sem uma palavra, eu entendi tudo que ela queria dizer.

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