Capítulo 57

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Megan

A segunda fase do treinamento se aplicou a um confronto em nossa forma lupina. Éramos dois betas, as nossas forças se igualam entre patadas e mordidas, mas em habilidade, Ron era mestre. Para ele, desviar das minhas garras eram tão fáceis como esquivar de uma pena que voa ao seu encontro. Pelo inclinar do seu focinho conseguia imaginar um sorriso presunçoso no final de cada luta. Era irritante como ele fazia questão de mostrar o quão despreparada eu era. Com um movimento fluido e ele já estava em cima de mim, cravando suas presas em meu pescoço. A neve fofa sobre as minhas patas não ajudavam muito, mas era o ambiente de treino, propositalmente escolhido por ele.
— Se você conseguir me vencer em sua pior condição, na melhor, será invencível. — disse ele no final do treino, correndo para o galpão. Eu o sigo e nós voltamos a forma humana quando entramos no cômodo aquecido.
Não existe tanto pudor quando se é um lobo, a não ser que você tenha um parceiro, o que não é o meu caso.
— Ser invencível é uma palavra muito forte para ser dita em meio a tantos inimigos poderosos que podem contestá-la, principalmente se eles forem alfas. — digo, cruzando os braços.
— Você tem razão... — o segurança vira para me encara e seus olhos perscrutam o meu corpo desnudo descaradamente.
— Pelo visto, o treino está dando resultados. — sorrir, malicioso. Diferente dele, evito olhar para baixo da sua cintura, apesar de ser tentador.

Ele não estava errado. Em tão pouco tempo de exercícios exaustivos eu já me encontrava com pernas mais torneadas e firmes. As dores musculares já não me incomodavam, ao contrário, eram bem-vindas.
— Você deve se sentir orgulhoso por isso. Devo lhe agradecer? — pergunto irônica, pondo alguns fios do meu cabelo curto atrás da orelha. Me dirijo a muda de roupa que deixei sobre o sofá. Visto a calcinha e o sutiã, estando ciente do seu olhar.
— Você, talvez não, mas aposto que o seu irmão, sim. — o meu coração dá um solto com a percepção do que ouvi. As minhas mãos ainda seguravam a blusa por vestir. Viro lentamente o encarando em silêncio.
— O quê? — ele pergunta com inocência mal fingida. — Você pensou que escondeu esse relacionamento de todos? — riu debochado. Caminhando até as suas roupas e as vestindo.
Eu não deveria estar surpresa com isso, mas era inevitável não transparecer. Mesmo que a hipótese de ter sido descoberta já tenha passado pela minha cabeça, não deixo de sentir que minha vida deixou de ser só minha. Não perderei mais tempo, amanhã mesmo vou procurar novos funcionários para a mansão.

Pôr limites, restringir contatos, parece uma boa ideia.

Bufo, me vestindo o mais rápido possível. Pego a minha bolsa e caminho até a saída, mas um questionamento passou pela minha cabeça, fazendo-me parar no meio do tatame.
— Se você sabe... então... ela... — Ron caminha em minha direção, parando perto, perto demais mim.
— Desde o dia em que Skyler partiu, você e o noivo dela se tornaram um pouco descuidados. Se ela sabia, não faço ideia, mas se eu fosse você tomaria mais cuidado quando for se agarrar com um homem comprometido no escritório do seu pai. — eu ri.
— Você parece incomodado com isso. — inclino a cabeça, provocando-o.
— E se eu estiver? — seu olhar fica intenso. O cheiro da sua excitação também.
— Aí você estará se metendo em um grande, grande problema, Lesmoth. — digo e dou-lhes as costas.
— Ah! — paro na soleira da porta.
— Vou precisar ir às compras essa semana e quero você fazendo a minha segurança. — ele assente lentamente sem tirar os olhos de mim.

Eu não estava mentindo quando disse que Ron estaria se metendo em problemas se ele se envolvesse comigo.
Ter casos com homens esporadicamente é uma coisa, porém, com alguém que estou convívio quase diariamente é completamente diferente. Tudo bem, que estou transado com Liam, mas tenho certeza que ninguém vai matá-lo por isso.

Eu facilmente levaria Ronmand para o meu quarto, ele é lindo, musculoso e o seu sorriso, estranhamente não me incomodava, mas tinha esse porém, eu não poderia permitir que essa relação ultrapasse o limite entre treinador e aluna.

Voltei para o escritório aquela tarde, era fim de semana, ainda não tinha recebido os relatórios do meu contador sobre os documentos que mandei, então adiantei alguns trabalhos que teria durante a semana. Precisava dessa distração, evitar acender um cigarro. Pelo menos Ron tinha razão sobre os benefícios de largar o meu vício. Eu nunca admitiria isso a ele.

As horas passaram rápido e quando vi já tinha caído na cama, vencida pelo cansaço.


Eu odeio a senhora Woolworth, e odeio ainda mais quem teve a ideia de nos obrigar a aprender a história dos lobisomens. Pelos deuses, como eu vou decorar o nome de mil gerações de lobos.
As minhas notas da última prova foram horríveis e agora tenho que recuperá-las antes que meu pai me mate por mais uma decepção. A única esperança que tenho é a velha biblioteca da escola. Um prédio antigo e distante que quase nenhum aluno o frequentava, principalmente nos finais da tarde por medo de assombração, algo que eu sabia que não existia porque Sky me revelou os planos de seus amigos de assustarem quem frequentasse o local.

O cheiro de livros velhos preenche as minhas narinas. Existiam várias fileiras de enormes estandes, com pergaminhos e manuscritos.
Caminhei até o balcão onde o senhor Castor atendia os alunos, mas estava vazio.
— Senhor Castor? — O chamo e minha voz ecoa sobre o silêncio da biblioteca. Nenhuma resposta.
Droga! Como vou saber qual livro estudar se nem o bibliotecário estava aqui?
Argh! Terei que voltar amanhã em outro horário.

Quando estava dando meia volta, escuto o som abafado de algo caindo sobre o solo. Era tão baixo e distante que provavelmente não ouviria se não fosse a ausência de ruídos no ambiente.
Olho em volta e um arrepio percorre o meu corpo. Seguro firme a alça da minha bolsa transversal. Por que estou com medo? Provavelmente deve ser os amigos da Skyler querendo me assustar.
— Ha, ha, ha. Eu já entendi a brincadeira, não vou cair nessa. — silêncio. Espero que eles apareçam, mas nada acontece. O som ecoou, mas dessa vez foi um grito, um grito doloroso. Dou um passo para trás surpresa com o impacto que esse som me trouxe, como se alguém importante estivesse em perigo.


Siga até a porta dos fundos. — minha loba Lucy fica agitada. Isso me assusta, ela nunca esteve assim antes.
Agora! Megan.

sem perder tempo e confiar em meus instintos, corro por trás do balcão. Existia uma porta de ferro pesada que dava para a biblioteca subterrânea que servia para guardar documentos e manuscritos raros, entretanto, era estranho ver que a porta que escondia preciosidades históricas não estava trancada e que o grito doloroso vinha das suas profundezas escada a baixo. Desço cada degrau tomando cuidado para não ser ouvida. Algumas tochas acesas iluminavam o caminho sombrio. Os murmurinhos alterados que se ouvia não pareciam ser do velho Castor.
— Por que você não volta para o lixo de onde veio? — zomba uma voz. Jovem demais para ser de algum funcionário da biblioteca.
— Eh! Você não é bem-vindo em nossas terras, seu perdedor fracassado. — diz a segunda voz, seguida de um som de chutes e um grunhido de dor. Meu coração dispara com a perspectiva do que veria quando virasse à esquerda.


Ande mais rápido! — Lucy se

agita desesperadamente. Esqueço a cautela e acelero os passos. A bolsa quicava ruidosamente a cada degrau que descia, mas não me importava mais. Quando chego na sala, ao fundo de um corredor repleto de estantes, encontro dois garotos cercando outro que se encontrava caído no chão.
— O que está acontecendo aqui? — exijo saber, me dirijo apressadamente até eles. Eu nunca os vi antes, provavelmente não frequentamos a mesma escola. Pelos olhos arregalados os rapazes me reconhecem de imediato.
— É a filha do alfa, vamos embora. — o garoto que aposto ser o número dois puxa o amigo e saem em disparada da biblioteca. Sigo-os com o olhar até sumir pelas escadas.
Que imbecis!
Volto a encarar o garoto no chão e sou presenteada com o melhor aroma da minha vida.

— MEU!

— MINHA!

Eu nunca, em toda a minha vida, pensei que poderia encontrar meu parceiro. Assim, machucado, assustado, fitando-me com um misto de surpresa e receio.
Pela Luna. Eu encontrei o meu parceiro! Tenho certeza que vou matar aqueles garotos.

Ele senta no chão sem tirar os seus lindos olhos castanhos de mim, olhos que ganharam uma tonalidade vermelha e logo se tornará roxa pela surra que aqueles idiotas os deram.
Troco o peso dos meus pés, um pouco sem jeito.
— Você... você está bem? — pergunto, me odiando pela voz instável. Droga! O que ele vai pensar de mim? Uma companheira que não sabe falar bem no primeiro encontro.
Ele assente, depois de um tempo, confirmando a minha pergunta. Será que seu silêncio é porque não gostou de mim? Bem, eu não sou tão bonita como a minha irmã, minhas sardas me incomodava e minha pele era tão pálida quanto a de uma vampira decrépita.

Um filete de sangue escorre da sua boca ferida e ele a limpa com a manga da camisa branca e grande demais para o seu corpo magro.
— Não faça isso! — protesto pegando rapidamente um lenço e um cantil de água em minha bolsa. Umedeço o pano e caio de joelhos ao seu lado. Pela Luna, ele cheirava tão bem, amadeirado como carvalho fresco, eu diria.
O toque do tecido sobre o seu corte o faz recuar de dor.
— Não é preciso, estou acostumado com isso. — a sua voz provoca arrepios. Era de se imaginar, agora, tudo nele me fascinava.
— Pois não deveria. — murmuro passando o lenço por seus lábios com mais cuidado. Como alguém pode estar acostumado com isso?
— Você não entende, filha do alfa. Eu sou um ômega, meu sangue não pertence ao norte, ser rejeitado e humilhado faz parte da minha vida.
— Primeiramente, meu nome é Megan. Segundo, existem muitos ômegas por aqui, seu sangue pode até não ser nortenho, mas seu coração, sim. — eu estava referindo a mim, mas ele não precisava saber. — ... E terceiro, penso que temos algo em comum. Dois rejeitados, talvez. — dou de ombro. O meu pai fez um ótimo trabalho em me excluir da sua vida.

O meu parceiro põe a mão quente sobre a minha. Choque, define o que senti.
— Eu entenderia se você me rejeitasse, não sou a pessoa certa para você, o que eu te darei além de mais olhares de julgamento em sua direção. — ele suspira, derrotado. O lenço cai da minha mão, e hesitante passo meus dedos sobre o seu rosto machucado que escondia uma beleza única e que agora me pertencia, meu parceiro. Então, me aproximo, sussurrando o mais perto dele:
— Antes de dormir, eu sempre pedia a deusa Luna que me presenteasse com um companheiro que me entendesse que fosse meu igual de coração. A minha alma está ligada a sua e você a minha, por que eu negaria tal presente? Essa é uma bênção que terei uma vez em minha vida e rejeitá-lo é como está rejeitando a mim. Então, não me negue a honra de ser sua, sua senhora... — Paro esperando descobrir o meu futuro nome. O meu companheiro permaneceu paralisado, piscando os olhos, incrédulo. Enfim dizer:
— M... Mills, Mark Mills. — a sua voz estava rouca, em seus olhos eu vi um brilho novo e sublime.
— Senhora Mills. É perfeito. — então, sorri.
E ele me devolver o mais lindo que já vi.

Acordo em um sobressalto. O meu coração martelava descontrolável em meu peito, o suor encharcou a minha camisola, mas nada se comparava a bile que subia pela minha garganta. Corro cambaleante em direção ao banheiro, abrindo a tampa do vaso e vomitando tudo o que tinha em meu estômago, torcendo que o sonho também fosse junto, levando com ele a dor em meu peito. Sinto meu corpo convulsionar a cada expelir. Há muito tempo não tenho uma crise tão forte. Tinha guardado essas lembranças com o meu companheiro no fundo da minha mente, para nunca serem tocadas. Infelizmente, Mark não pensava assim.
Tateio o armário a procura da droga das pílulas. Depois de derrubar quase todos os produtos no chão, encontro os comprimidos no fundo da prateleira. Engulo três cápsulas e bebo a água da torneira.
Meu corpo todo tremia enquanto sentava no piso frio do banheiro abraçando as minhas pernas. Não consigo evitar as lágrimas que escorrem descontroladamente. As mãos sobre a minha boca não conseguia abafar os soluços, não importava quantas crises eu tivesse, era inútil.

Depois de um tempo, talvez horas, consigo me recuperar e dizer:
— Você é um tremendo filha da puta, Mark. — minha voz estava quebrada. O fio tênue que ainda nos liga era a única forma de me comunicar com ele e esperava que me ouvisse.
— É algum enigma? Alguma mensagem subliminar? Ou só quer me torturar? — nada, nenhum sinal.
— FALA ALGUMA COISA! — grito chutando a lata de lixo com fúria. O metal dourado se chocou com a parede ganhando um novo amassado, igual a mim, em todos os sentidos. Nunca me identifiquei tanto com um objeto, um lixo.

Mark não falou nada naquele dia.

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Até a próxima...bjs.

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