Capítulo 51 - Ilariki

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A cama parece me abraçar. A quente coberta de algodão cobre meu corpo, mas é como se ela estivesse deitada em mim. Ainda estou sem forças, minha perna está fraca e molenga. Ponho a mão no joelho, apertando-o para sentir a pressão.

Suspiro.

Tudo parece que foi um sonho. Mais para um pesadelo. Tento me levantar, minhas costas sentem o peso dos meus movimentos, sou sugado novamente para a cama. Ponho a mão nos olhos.

Meus olhos.

Levanto da cama sem me importar com os estalos que escuto das minhas costas. Estou em uma das cabanas do acampamento de Kato. Está escuro, mas enxergo uma cabeceira em frente à cama. Vou em direção a ela. Procurando um espelho. Abro as duas gavetas, mas não encontro um espelho. Fico aliviado, de certa forma, talvez seja melhor não ver agora. Ikimari se aproxima da cabana, abrindo a entrada da lona e permitindo que os feixes da luz do sol entrem na cabana. O cheiro de carne assada que consigo sentir do lado de fora faz meu estômago roncar.

- Vencemos? - pergunto, sem olhar para ele, levantando-me usando a cabeceira de apoio.

- Depende do que você entende como vencer. - retruca ele.

- Estão todos vivos?

- Tivemos perdas no exército do Kato e muitos feridos.

- E as vilas?

Ele solta uma risada frouxa.

- Quando há um inimigo, uma aliança surge onde você menos espera. Os animalians ajudaram os humanos na luta nas vilas atacadas. Certamente tiveram perdas. Mas...

- Mas?

Ele respira fundo.

- Os humanos ficaram sabendo do Okubo e das criaturas aladas que eram criações dele, um humano. As notícias da nossa batalha se espalharam. Somos tratados como heróis por parar os ataques. Agora que sabem que foi uma criação humana... Gostarei de saber como procederam.

- E a Lizzie?

- Está bem, ajudando na enfermaria. Todos estão bem, Ilariki.

Ele caminha devagar. Tocando o meu ombro devagar, ele aproxima um objeto à minha esquerda.

- Você terá que ver um dia. - Eu olho para o lado, é um espelho redondo, emoldurado por conchas do mar.

- Você já viu?

- Não preciso ver. - Ele me entrega. - Está igual ao meu.

Meu polegar caminha nas conchas de diversos formatos enquanto hesito em ver.

- Ele não era humano. - Tenta argumentar. - Ele mesmo não se considerava um.

- Mas a sua alma era de um. - Seguro o espelho com força. - Eu nunca quis esses olhos. Eu prometi a mamãe. - Engasgo ao terminar.

- Lembra porque a mamãe fez você prometer isso? - Ele pega o espelho de minha mão.

- Porque você chegou com os olhos do papai.

- Foi. - ele fala, fazendo o espelho rodar entre as palmas de suas mãos. - Então, ela pediu para que você não tivesse os olhos dele também. - Ele para, olhando-me fixamente. - Ilariki, entre nós dois, você é o que sempre esteve mais longe dos olhos dele. Eu quase... me tornei ele, mas você nunca parou de confiar nos humanos e protegê-los. Não precisará matar mais humanos, Ilariki. Não é um olho que te fará fazer isso, mas o seu coração. Ter os mesmos olhos daquele homem, não nos faz ter o mesmo coração dele. Eu nunca tive o mesmo coração dele porque você estava sempre perto para me lembrar de que posso ser melhor.

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