Capítulo 54 - Melinda

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Acordo tão assustada que minha visão fica turva ao levantar abruptamente a cabeça. Minhas mãos suadas apertam o lençol enrolado em meu punho. Vou recuperando a minha respiração aos poucos. Não tive um bom sonho. Sonhei que estava no hospital com minha avó, mas que não conseguia achar o quarto que ela estava, abria todas as portas para encontrá-la, mas não conseguia.

— Preciso vender essa casa logo. — sussurro para mim.

Levanto para lavar o rosto com a água na vasilha metálica em cima da mesinha.

— Sinto falta de água quente. Acho que posso tomar banho em casa. Só hoje.

Procuro o meu cristal na bolsa. Quebrando-o ao achar no bolso da frente. Subo as escadas, evitando olhar os porta-retratos pendurados pela casa. Olho para o caminho marrom feito pelo carpete até o banheiro. Meu coração aperta ao sentir o cheiro do perfume da vovó ao entrar no banheiro. Eu pego o vidro, tirando a tampa ondulada em um amarelo vivo para aproximar o recipiente do meu nariz. Uma respiração profunda mistura o cheiro com as memórias que tenho dela caminhando pela casa, dando bronca quando eu chegava tarde da noite. Quando me lembro dela deitada na cama do hospital, meus olhos se enchem de lágrimas que caem no vidro fosco do perfume. Eu esfrego a palma da mão no meu nariz, parando o escorrimento involuntário. É por isso que eu não queria que o Tio Jhon ou a Lizzie viessem. Coloco o perfume na beirada da pia, virando-me para o chuveiro. Ouvindo só o barulho do vidro caindo no chão. O cheiro se espalha mais forte por todo o banheiro. Eu pego a toalha de mão do cabide ao lado do espelho para pegar os cacos de vidro. Enquanto luto contra o soluço e as lágrimas que tomam conta de mim.

O pano de algodão da toalha escorrega do meu polegar, deixando minha pele sem a proteção do tecido, acabo cortando o dedo com o vidro fino. Eu largo a toalha, encaixando-me no canto entre a porta e a parede para chorar.

— Desculpe, vovó. — falo entre soluços. — Prometo que compro outro.

Eu me levanto, largando os cacos do perfume no chão, despindo-me para entrar na água quente. Esquivo-me dos cacos que vejo para não pisar e salto para dentro do box. A água quente escorre no meu rosto, levando às lágrimas junto.

Eu coloco o primeiro vestido que vejo, escovando meu cabelo enquanto coloco minhas roupas na mala. Pego a mala do meu avô que ele usava para acampar, levando mais coisas que roupas: porta-retratos, livros do meu avô, algumas roupas da minha avó de lembrança. Venderei o resto para um brechó.

Pego o único porta-retrato que tem uma foto nossa. Em uma das viagens para acampar do meu avô; ele usando seu chapéu de pescador, com uma isca amarela de plástico na frente, minha avó sorridente olhando para a careta que meu avô faz ao estirar a língua como eu estou fazendo na foto.

— O-obrigada. — choramingo.

Vejo que meu polegar está manchando a moldura bege do porta-retrato de sangue. O curativo improvisado que fiz com algodão e fita não funcionou muito bem. Lizzie iria falar durante horas se visse isso. Coloco o porta-retrato novamente na mesinha para pegar um pano para limpá-lo. Molho um pano na cozinha e volto, passando o pano molhado na moldura, com o polegar arqueado para não pingar mais sangue.

— Perfeito. — Beijo a foto, forçando um sorriso seco.

Viro-me, deparando-me com Ikimari em sua forma humana, com a mão nos bolsos, dando-me uma olhada de cima a baixo. É tão estranho vê-lo com seus olhos pretos.

— Ah! — grito. — O que faz aqui? Como chegou aqui?

Ele tira a mão do bolso, mostrando meu colar e minha pulseira de cristal enrolada em seu braço.

— Sei que Okubo é passado. — Ele se aproxima de mim, pegando a minha mão esquerda. — Mas, é bom que mantenha a pulseira. — Coloca a pulseira com o cristal de bloqueia transições em meu punho.

Renascer dos Lobos Onde histórias criam vida. Descubra agora