Capítulo Dois

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Um homem robusto com diversas cicatrizes por todo o rosto, de roupas esfrangalhadas olhava-me fixamente. De repente sinto algo emaranhado em meus pés. Olhando para baixo vejo raízes brilhantes que aos poucos tomam conta de boa parte do meu corpo e mesmo tentando retirá-las vejo que o esforço é inútil. Me sinto tomada, cada vez mais envolta por seu brilho e uma sensação de tranquilidade se instala por mim. Fecho os olhos antes de ser coberta por completo, e logo após sinto todas as raízes se desfazendo ao meu redor. Retomo a visão e estou em um bosque, ou algum tipo de floresta, casas e mais casas podem ser vistas, uma redoma evolve toda a aparente cidade, ando alguns metros tentando entender o que está acontecendo e como cheguei ali. Associo imediatamente toda essa situação ao meu visitante indesejado, mas não faz sentido, aliás também não faz sentido algum aquelas raízes em plena cidade, nada tem o mínimo nexo, até que um garoto alto e forte se aproxima de mim com um sorriso no rosto.

- Olá, vejo que pela sua cara o Arthur tem dedos nisso. Vista isso, não deve ser muito agradável ficar nessa condição — Fala olhando para mim um pouco desconcertado. Olho para meu corpo e entendo o porquê. Minha pele está quase completamente exposta, minhas roupas inexistentes, estou nua. — Não se assuste, ele adora fazer isso, mas nunca trouxe uma humana até nós, exceto por você claramente. Não tema, de nenhuma forma faremos mal algum a você. — Disse ainda sorrindo. Visto as roupas que me entregou rapidamente pois não estou crendo no que meus olhos vêem. O garoto a minha frente é exatamente igual ao elfo do livro que ganhei de vovô, mesmas orelhas pontudas, pele bronzeada, ornamentos prateados dentre outras coisas. Mal consigo me mexer ou assimilar tudo que está acontecendo, as palavras simplesmente não saem de minha boca, somente um silêncio ensurdecedor.

— Venha, vou te mostrar a cidade antes que o Arthur te transporte novamente. — Mais uma vez a chama verde se faz no ar, porém dessa vez se direcionando a mim, ela queima sobre meu peito e recobro meus sentidos. Sigo atrás dele pois de alguma forma sei que não tenho escolha.

- Onde estamos? - Arrisco a lhe dirigir a palavra.

- Elphia.

- Impossível. - Dou uma risada incrédula.

- Olhe a sua volta e tire suas próprias conclusões. - Diz sem paciência.

- Elphia não existe, não pode existir, é um lugar fictício, fantasiado, irreal.

- Isso parece fictício para você? - Observo crianças brincando a beira de uma fonte, situada no exato meio da cidade. As luzes artificiais não exitem aqui, vagalumes iluminam todos os locais com seu brilho. Um animalzinho que não sou capaz de reconhecer foge de seu dono pela rua. A água é límpida e o ar mais puro, as cores são vívidas, exatamente iguais a de Elphia no livro, algo impossível, não há possibilidades disso ser real.

- Vejo que está espantada. Não deveria, provavelmente já conhece muito mais daqui do que alguns nativos.

- Como? Como é possível?

- Faça uma pergunta melhor. Por que seria impossível?

- Ninguém nunca... - Ele me interrompe.

- Nunca nos viu? - Sua risada ecoa pela praça - Muitos já nos viram, em tempo algum vieram aqui, em nossa casa, mas sim em florestas, cuidando de animais, resgatando algum dos nossos, porém nunca acreditaram, os humanos são seres céticos, não acreditam em nada que não possam compreender, sentem medo de nós quando eles próprios ameaçam seu planeta e sua própria espécie. Seria muito mais fácil um humano atacar a outro do que um elfo atacar um humano, mas eles não vêem assim, para eles somos aberrações que não merecem o direito a existência. - Fico sem reação a tais palavras, e sinto novamente a sensação de tranquilidade invadindo meu corpo, iminentemente as raízes se envolvem em mim. Acordo ao som do despertador me avisando que seis da manhã já chegaram e tenho que levantar se não quiser me atrasar para mais um dia de trabalho. Lembro de tudo que aconteceu, mas uma dúvida paira em minha mente, sonho ou realidade? Resolvo não dar muita importância ao assunto no momento, aliás se chegar atrasada mais uma vez na lanchonete George me demitirá de bom grado, e ainda preciso do dinheiro deste trabalho.

- Está cinco minutos atrasada senhorita Davis.

- George são cinco minutos, e você nem abriu ainda.

- Saiba que vou descontar do seu pagamento. - O impetulante do meu chefe. Porém não vou perder meu tempo tendo raiva dele, sinto pena por ser tão amargurado ao ponto de fazer da vida de seus funcionários um inferno.

A medida que o tempo passa começo a pensar mais e mais na noite passada, estou completamente intrigada e decidida a descobrir o que aconteceu. Tenho certeza que vovô tem uma explicação para isso. Mesmo cogitando a possibilidade de aquilo realmente ter acontecido acredito que tenha sido um sonho, afinal o meu querido Arwen insistiu durante toda a ligação de ontem que esse mundo era real, meu subconsciente deve ter o levado a sério. O dia passa depressa, mal vejo a hora de estar em casa, e quando digo casa me refiro a onde cresci, Chicago, com meu avô e mamãe, finalmente depois de alguns meses os verei novamente. Minhas horas de trabalho finalmente acabam e a viagem começa, setecentos e noventa milhas, o que resultam em longas doze horas de viagem, que consequentemente me farão parar para dormir em algum hotel vinte e quatro horas no meio da madrugada. A noite já vai cair e o crepúsculo se instala no horizonte, ligo o rádio do carro e sintonizo em um música calma, o silêncio de viajar sozinha me incomoda, me faz pensar demais. Estou ficando cada vez mais curiosa se assim posso dizer por saber o que houve ontem, preciso de respostas.
A estrada está tranquila sem muita movimentação o que não era esperado para uma sexta a noite, agradeço internamente, ao menos não terei que lidar com motoristas embriagados e apressados. Depois de algum tempo passo por um hotel mas ainda é cedo para parar, continuo dirigindo mais um pouco e quando vejo o relógio marca duas da manhã, meus olhos estão quase se fechando involuntariamente então decido que é melhor estacionar. Por não ter visto nenhum hotel durante horas acho prudente dormir em meu carro e não correr o risco de algum acidente. Encosto no gramado e durmo serenamente, até  que em um rompante acordo horas depois assustada com sons de batidas no vidro. Olho para o lado e imediatamente solto um grito, um ser com asas e uma aparência fantasmagórica me olha sorrindo malévolamente, passando suas garras afiadas pela porta.

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