Entramos pela redoma e o cheiro de madeira queimada é forte no ar. Uma casa solta a fumaça que provavelmente vimos a alguns quilômetros de distância. Há poucas residências, suas estruturas são melhores do que imaginava, feitas com carvalho e algum outro tipo de madeira que desconheço. A pequena vila parece ter sido atacada, está tudo desorganizado, fora de seu lugar e em chamas.
— O que aconteceu aqui? — Lyssa pergunta espantada, nem de longe esse é o cenário que esperávamos.
— Parece que foram destruídos, e hoje mesmo.
— Quem faria isso? Sabemos que não foi Psyche, pois ela não chegou até aqui. E não fomos nós. Então quem fez isso? — Vejo o rosto de uma criatura atrás de uma das casas, ela está nos olhando coberto pelas sombras e uma espessa camada de fumaça.
— Ali. — Aponto falando pra que Lyssa também o veja. — Quem é você? — Grito, tentando fazer algum contato, porém em vez de sair da escuridão a criatura corre em direção oposta a nossa.
— Volte aqui. — Lyssa corre em disparada atrás do ser e em segundos o captura. Ela o pega pela gola da camisa fazendo com que pare. De início tenta resistir mas vê que seus esforços seriam inúteis. — Não queremos te machucar, fique tranquilo. Sabe o que aconteceu aqui?
— Vimos vocês chegando, e também o exército que as seguiam, reconhecemos Psyche e sabíamos que ela iria nos matar por traição se soubesse que ainda estávamos aqui.
— Vocês próprios incendiaram a cidade? — Pergunto surpresa.
— Sim, melhor nossas casas em chamas do que nosso corpo.
— E onde estão os outros?
— Com o senhor Meliorne, ele que nos deu a ideia. — A pequena criança demoníaca fala. Um garoto baixo, de cabelos negros e olhos vermelhos, que não deve ter mais de cem anos, ainda uma criança para os místicos.
— Meliorne? — Lyssa me olha confusa. — O que o Meliorne está fazendo aqui?
— Não faço ideia. — Pode nos levar até eles? — Pergunto ao garotinho que está tão assustado que somente balança a cabeça em sinal de sim. — Certo. — Andamos entre as casas até chegar na outra extremidade da redoma, o garoto abre a passagem nos levando de volta a floresta entre a trilha que faz divisa com o inferno. Em certo ponto ele espalha folhas no chão, procurando algo, até encontrar uma pequena corda, ele a puxa e um buraco no chão surge.
— É por aqui. — Diz descendo por uma rampa automática. O seguimos e quando chegamos ao fundo um pequeno grupo de quinze ou vinte demônios estão reunidos junto a Meliorne.
— O que você está fazendo aqui? — Lyssa quase grita com o híbrido.
— Lyssa? Khione? Não pensei que viriam aqui hoje. — Reponde levantando de sua cadeira.
— Ainda não respondeu minha pergunta, o que está fazendo aqui? — Seu tom soa estressado, creio que devido ao cansaço.
— Eu trago comida para eles, todas as semanas, suprimentos. Já que não estão mais no inferno não recebem alimentação, e como também não estão em Faleias propriamente, não têm assistência das fadas. Os descobri enquanto caminhava pela floresta a mais ou menos um mês, eles estavam magros e desorientados, vivendo em barracas furadas e abrigos de madeira caindo aos pedaços, praticamente mortos, então resolvi ajudá-los.
— Por que não nos contou isso quando soube que precisávamos de um demônio feiticeiro?
— Por que até então não sabia que existia um nesse grupo, por esse motivo vim para cá ontem. A fim de descobrir quem era o tal feiticeiro que habitava aqui.
— E me fez um interrogatório quando soube que era eu. — Um senhor aparece do fundo do local, tossindo, deve ter muito mais de dez milênios, está a beira do fim de sua existência.
— Com certa razão. Deveria ter me contado antes Cyrius.
— Não via relevância nessa informação.
— Claro, você ser um dos últimos ou até o último da ramificação de demônios feiticeiros, isso não é nem um pouco relevante.
— Perdoe-me a pergunta, para que precisam de um demônio feiticeiro? — Cyrius pergunta para mim e para Lyssa deixando Meliorne de lado.
— Reverter um aprisionamento.
— Coisa complicada de se fazer, separar um alma de um corpo que não lhe pertence. Sabem onde está o corpo da alma aprisionada?
— Como assim o corpo?
— Acha que com o aprisionamento o corpo físico do místico vai para dentro de você? — Quase ri fazendo a pergunta.
— Sempre achei. — Respondo e observo que Lyssa e Meliorne também pensavam o mesmo.
— Não, não, não, somente a alma é aprisionada, o corpo permanece esperando por seu dono no lugar onde foi deixado.
— Pelos céus, o corpo é necessário para o desaprisionamento? — Indago mesmo sabendo a resposta.
— Isso é óbvio, certamente. Sem ele é impossível reverter a situação.
— Meliorne me diga que você sabe onde os corpos delas estão. — Falo com o mínimo de esperança que me resta.
— Não tenho a menor ideia, quando o congelamento no tempo passou para mim, elas já não estavam mais nos céus. Quando eu disse que ela estava aprisionada em você pensei que seu corpo estivesse junto a alma.
— Sinto muito em informar, não será possível fazer o que querem, e mesmo se tivessem posse dos corpos não seria possível.
— Não? Por quê? — Nós três perguntamos quase em coro.
— Estamos afastados de todos vocês por um motivo, não queremos ter participação nessa guerra, não queremos mortes. Se me comprometer a ajudá-los, os demônios saberão que ainda estamos vivos e virão atrás de nós, não quero por em risco a vida de todos eles. — Diz olhando para as crianças e adultos ali presentes.
— Cyrius me comprometo a guardar a sua vida e a de seus companheiros como a minha própria vida, e creio que todos os outros que estão comigo também estão dispostos a fazer o mesmo. Precisamos de você. Sabe que se Psyche vencer essa guerra ela irá procurá-los em cada canto de todos os reinos, não há como fugirem dela se tiver vitória. — Ele para por um instante, ficando pensativo sobre o que acabei de falar, está quase concordando e posso ver isso em suas expressões.
— Achem os corpos e nós conversamos. Não vou me arriscar por algo que nem sei se terá resultado. Se trouxemos Lilith de volta a vida, Psyche não terá a mínima chance, vossa alteza mesmo que sem seu trono ainda é a senhora do inferno, ainda é minha rainha, e a única que aceitaria em seu lugar seria sua filha. — Percebo que ele ainda não sabe e uso a informação que me deu a meu favor.
— Então você aceitaria ordens da filha de Lilith?
— Com toda certeza, por direito se sua mãe não está no trono ele lhe pertence, automaticamente se tornando minha rainha.
— Que excelente notícia. Saiba que então agora você tem duas novas rainhas a quem obedecer.
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Seis Mundos: Novas Origens
Fantasia(LGBTQA+) Khione é uma mulher de vinte anos, com muitos traumas e um passado doloroso que acaba de se mudar para New York, deixando para trás o avô, a mãe e uma história toda da qual ela ainda não sabe que faz parte, heranças passadas de pai para fi...