Capítulo Cinquenta e Dois

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Estella

A primeira batalha de que participo. Todos sabemos que isso não foi nem de longe o máximo que está por vir. Elphia está rodeada por uma redoma elétrica e selada com um dos feitiços faleianos para impedir a entrada de demônios por meio do teletransporte. Mesmo assim há místicos vigiando todo o perímetro para ter ainda mais certeza de que não seremos pegos de surpresa.

- Existe um jeito. - Ouço Khione falar a respeito de Áster e Lilith. Até agora achei estar fadada a carregar Lilith em meu corpo até meus últimos dias, porém descubro agora que é possível trazê-la de volta a sua forma comum. Me encho de esperanças que se esvaem momentos depois quando ela diz que para isso é necessário um demônio feiticeiro. Li alguns livros sobre as variadas classes de demônios, os feiticeiros em sua hierarquia são os mais poderosos, e também os que foram exterminados anos antes na guerra dos céus, o que torna encontrá-los uma tarefa praticamente impossível. Entretanto, o impossível sempre é possível quando se trata de nós. Até alguns meses atrás eu diria ser impossível existir seis reinos místicos, eu ser um demônio e ainda por cima ter minha mãe aprisionada em mim. E agora sabendo dessa chance ainda que minima de conseguir fazer com que Lilith saia de mim, a felicidade se instaura em minha mente.

O dia foi cansativo e tenso, com o ataque surpresa e as mortes de ambos os lados. Estar em guerra é uma das piores sensações que já senti. O medo a todo minuto, a morte iminente, o pensar de que o próximo cadáver pode ser alguém que ama ou até você próprio. Meus pensamentos são afastados pelo toque de Kastian que me enlaça em um abraço.

- Graças a Elphia, você está bem. - Me examina afim de ver se estou com algum ferimento e seus olhos param junto a pequena abertura em meu antebraço. - Está com dor? - Seu jeito preocupado me cativa cada vez mais, nunca imaginaria que Kastian seria assim. A princípio quando cheguei a Elphia ela parecia fria, sem emoções ou sentimentos, mas hoje percebo que aquilo era uma armadura para se proteger das dores que alguém poderia causa-la. Seu jeito de afastar todos antes mesmo de conhecê-los era somente seu meio de proteção, e fico feliz por saber que ela se sente segura comigo a ponto de mostrar-me quem realmente é, mostrar o belo coração que tem e a imensa capacidade de amar que existe em si. Ela sempre foi assim, só estava machucada demais para mostrar. Mesmo que não diga, sei que a traição de Psyche e a sua rejeição a abalaram muito. Mesmo que aquele demônio faça total jus aos xingamentos e falácias de nossa espécie, Kastian nutria sentimentos por ela a mais de um século, não é tão fácil esquecer um amor de tantos anos, embora saber de tudo que ela fez a nós e a Lyssa possa ter transformado esse amor em ódio.

- Um pouco, nada que não passe em algumas horas. - Respondo.

- Só um instante. - Ela puxa Lyssa pelo braço a trazendo até a mim e apontando para o ferimento que deve ser curado. Por ser uma fada, Lyssa está sendo praticamente nossa curandeira, sua habilidade de cura nos é extremamente útil. Ter fadas ao nosso lado é uma vantagem gigantesca, além do poder autocura e de curar outros místicos, elas são quase imortais, tornando difícil diminuir nosso exército pela morte.

- Vamos? Quero te contar meus planos para amanhã. Como já discutimos com os demais, ao invés da força usaremos a inteligência. - Diz assim que sua irmã termina de fechar o buraco em minha pele. Mesmo que a maioria dos místicos que estão aqui sejam meros habitantes, uma pequena parte é um exército treinado, aliás, Niran e Faleias não ficariam totalmente desprotegidos ignorando a possibilidade de uma invasão, todos sabemos que é distante o tempo em que todos os reinos coexistiam em paz e harmonia. Então todos eles, mesmo que pouco tem seus defensores treinados.

- Vamos. - Sigo a rainha até nossos aposentos. Na noite anterior ela de fato me convidou a levar todas minhas roupas e armamentos para seu quarto, que agora é nosso. Nossa relação está fluindo tão calma quando uma brisa, mesmo que tudo ao nosso redor esteja tão bagunçado e furioso quanto um furacão.

- Nossa prioridade é encontrar um demônio feiticeiro. - Diz se jogando contra os lençóis. - Libertar Áster e Lilith. Com elas seríamos capazes de grandes coisas, não somente por sua força e poder, mas sim por que ambas possuem um conhecimento laboratorial maior do que qualquer um que Psyche um dia poderia imaginar ter. Se elas conseguiram fazer pedras centrais, podem também tentar replicar a ideia de uma droga que neutraliza poderes, assim nossos inimigos não teriam outra opção a não ser se renderem. - Ouço tudo com atenção, de fato é um bom plano, porém o tempo que isso levará me preocupa, pois tempo é algo que não temos sobrando.

- O tempo, isso levará dias, semanas, talvez meses. - Digo deitando ao seu lado.

- Realmente, está certa, mas não acredito que essa guerra dure menos de um ano. Teremos tempo o suficiente para testar diversas coisas. Obviamente ainda atacando com um exército e nos defendendo, mas Psyche tem o mínimo de juízo, ela não atacará seguidas vezes em um período curto de tempo, isso acabaria com seus aliados e não traria nenhum resultado além de mortes. O que ela realmente quer é o domínio de todos os reinos, e vindo aqui e perdendo soldados não é a melhor forma de conseguir isso. Se Mykal estiver certa e houver um feiticeiro na floresta de Faleias e se ele estiver disposto a nos ajudar daremos um grande passo para vitória.

- E você conhecerá minhas mães. - Dou um sorriso e ela pigarreia como se fosse a primeira vez que pensasse nisso.

- Isso me preocupa.

- Por que?

- Talvez elas não aprovem nosso relacionamento, ou algo assim, me preocupa que talvez não gostem de minha pessoa.

- Kastian, todos gostam de você. Por mais que tenha um ar de superioridade natural, todos gostam. - Dou uma risada.

- Espero que elas sigam a todos. - Devolve o sorriso.

- Estella? - A porta entreaberta revela o rosto de Khione, vejo que está preocupada, algo a está incomodando.

- Sim. - Respondo levantando devagar para ver o que ela deseja.

- Tem um minuto?

- Claro. - Ando até ela e vejo que não quer falar o que tem a dizer na frente de Kastian. - O que acha de irmos aos jardins? - Digo e olho para rainha élfica fazendo sinal de que volto daqui alguns minutos.

- Acho ótimo. Vamos. - Adentramos os jardins e Khione anda de um lado para o outro.

- O que está acontecendo? - Pergunto enfim.

- Áster, Lilith, Mykal, Lyssa. - Responde denominando os incômodos.

- Explique melhor. Nomes soltos não me ajudarão a entender muito o que quer dizer.

- Estou aflita com o desaprisionamento de Lilith e Áster. Sinto algo por Mykal, não sei definir o que exatamente, todavia sinto. Lyssa me desperta sensações que imaginava serem inexistentes. Não o sei o que fazer, definitivamente não sei o que fazer.

- Santo inferno, você é a pessoa mais confusa que conheço Khione.

- Muito obrigado, ajuda imensamente.

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