Capítulo Trinta e Sete

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Estella

— Estella, Estella. — Uma voz que não reconheço chama tocando em meu braço, abro os olhos lentamente, pois minha cabeça dói, imagino que pelo fato de ter desmaiado. Minhas pálpebras se desgrudam e minha visão fica momentaneamente embaçada, porém consigo enxergar um vulto a cima de mim. — Até que enfim, estava ficando preocupada, demorou mais do que das outras vezes para acordar. — Meus olhos se fixam na mulher que me observa. Seus cabelos longos e negros quase tocam meu rosto, sua mão segue em direção a minha face deslizando sobre ela suavemente. — Estava com saudades. — Sua expressão terna me conforta mas não me recordo de quem possa ser. Observo em volta procurando algo familiar, mas logo percebo que não estou no castelo élfico.

— Onde estou? — Pergunto levantando da cama onde me encontro.

— Certo, você não se lembra, de novo. Vou ser breve. Estamos dentro de você, se assim posso dizer, sou sua mãe, Lilith, e creio que a essa altura já tenha ouvido falar de mim. Estamos em uma parte do seu ser, podemos projetar qualquer cenário que quisermos. Você vem para cá quando a droga que injetaram em você desde criança faz efeito, e a maioria das vezes vem sem memória e eu tenho que explicar tudo novamente.

— Lilith, eu realmente pareço com você. — Digo olhando para ela.

— Tenho algo importante a te dizer, algo que nunca precisei até hoje mas que que agora vejo ser necessário, e creio não ter muito tempo para lhe explicar. Não confie em Psyche, não confie de forma alguma nela e nem em nada que ela disser. A guerra que está prestes a irromper foi planejada por aquele demônio asqueroso, cada detalhe. Agora entendo o motivo de ter te usado em tantos experimentos, a droga para neutralizar poderes foi testada em você por ser da realeza, se fizesse efeito em seu corpo seria capaz de deixar todos os outros seres místicos indefesos para seu ataque. O narcisismo daquele ser me deixa intrigada.

— E por que eu deveria acreditar em você, que não conheço, e deixar de acreditar em uma pessoa que só tem me ajudado até o presente momento?

— Imaginei que diria isso, as vezes me esqueço que não é somente minha filha e que teria que puxar alguns traços de Áster, no seu caso foi a teimosia e a desconfiança. Pois bem, se não acredita em mim pode ver com seus próprios olhos, ou o que pensa ser eles. — Fala elevando as mãos distorcendo a imagem ao nosso redor, me levando até uma memória antiga. Sou apenas uma criança, brincando no pátio de um galpão como aquele em que acordei na terra, pode até ser o mesmo. Ouço os passos de alguém se aproximando, é Psyche. Ela está mais jovem, as cicatrizes no rosto estão recém abertas e uma faixa branca envolve seu braço, Yaza está ao seu lado e os dois conversam, a pequena Estella escuta o que falam e consequentemente nós também.

— Temos que aumentar a dose, não está dando os efeitos que esperava, talvez um pouco mais forte dê resultado.

— Mas Psyche, ela já toma a quantidade correspondente para dez crianças normais, isso pode matá-la.

— Isso não me importa, ela já está morta, acha mesmo que deixaria a herdeira demoníaca viva para tomar meu lugar? Não mesmo, faça o que eu mando e aumente as doses.

— Bom, não acho prudente perder a melhor cobaia do nosso teste por puro capricho.

— Me ouça pois só vou dizer uma vez, eu comando este lugar, eu dou as ordens, se digo que você deve cortar a garganta de uma dessas crianças imundas, você não tem outra opção se não me obedecer. Me entendeu? E também de que me adianta cobaias vivas mas que não respondem ao experimento? Tudo isso gira em torno de neutralizar os poderes desses seres, se não funcionar nada faz sentido.

— Sim senhora, vou agora mesmo ajustar as dosagens.

— Fico feliz que tenha entendido Yaza, assim não precisarei descartar você como fiz com meu antigo assistente. — A imagem começa a se distorcer novamente e então vamos a outra lembrança. Agora estou amarrada em uma cama, meu corpo convulsiona, e os dois me observam de longe, eu grito e Psyche tampa os ouvidos visivelmente irritada.

— Alguém cale a boca dessa garota antes que eu mesma cale.

— Como quiser. — Yaza mexe no ar e faz com que uma tela vermelha apareça, aumenta algo no gráfico e não escuto mais meus gritos, provavelmente ativou uma barreira de som.

— Nada está dando certo, o que eu estou fazendo de errado? Segui a risca todos os diários de Áster. — Ela joga um copo contra a parede e ele se despedaça. — Deve ter algo que não estou vendo, alguma peça faltando. — De repente ela olha para pequena Estella e abre um sorriso. —Preparem ela.

— Preparar para que?

— Uma nova injeção.

— Mas acabamos de injetar uma dose alta nela.

— Confie em mim Yaza, vamos conseguir o que queremos. — Um terceiro demônio aparece trazendo cinco seringas, que contém um líquido transparente.

— Vou desativar a barreira pra que possa chegar até ela. Só não injete nos lugares onde aplicamos recentemente, ela pode perder um dos membros se isso acontecer.

— Fique tranquilo. — Ela anda até mim e fura meu pescoço com uma das seringas. O próximo local é o antebraço, seguido pelas duas coxas e por último no ombro.

— O que espera que aconteça? — Yaza grita.

— Conte até três e vai descobrir. — Ela solta as amarras da cama e eu me levanto, ficando sentada. — Olá Lilith, como tem passado? Tenho algumas perguntas para lhe fazer. — Ela sorri maléficamente.

— Como cogita a hipótese de eu te ajudar em algo? Olha o que você fez com ela.

— Posso fazer muito pior se você não colaborar, então por hora acho melhor dizer o que quero saber. — Lilith choca uma das mãos contra o rosto de Psyche lhe dando um soco na maçã do rosto. — Não deveria ter feito isso. — Diz passando a mão sobre o lugar atingido, logo em seguida o corpo da pequena Estella agora controlado por Lilith começa a se contorcer e percebo uma fumaça saindo da cama onde está sentada, ela está sendo queimada. — Está pronta para colaborar agora? Ou terei que continuar? — Novamente a imagem se distorce e voltamos para o local onde estávamos.

— Precisa ver mais alguma coisa para acreditar em mim?

— Como vou saber que não está criando essas imagens?

— Pelo inferno, olhe para suas cicatrizes, tenho certeza que já notou cada uma delas.

— Isso não prova nada.

— Me dê a mão. — Fala puxando meu pulso e levando até sua cabeça. — Veja, tudo é verdade. — Assim que minha mãe encosta em sua testa consigo ver tudo que ela pensa, e de fato é verdade, tudo que disse é real.

— Não pode ser. — Digo incrédula.

— A decepção vem das pessoas que menos esperamos minha querida.

— Por que ela se deu ao trabalho de nos ajudar todo esse tempo?

— Por que não estava ajudando, e sim coletando informações para que o plano dela fosse impecável.

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